Cabeças-de-Planilha

Há alguns meses foi publicado pela editora Ediouro, sem grandes pompas, o livro, “Os Cabeças-de-Planilha” (1), do jornalista econômico Luís Nassif. Não obstante a precária distribuição, a pouca exposição em livrarias e pr

O livro realmente tem muitos méritos. Luís Nassif compara e analisa dois episódios-chave na história da nossa república: o Encilhamento e o Plano Real. No Encilhamento, um momento nada edificante na vida do célebre Rui Barbosa, então ministro da Fazenda, aliás, o primeiro ministro da Fazenda da nossa história republicana. No Plano Real, a falta de postura dos responsáveis pela administração do plano. Tanto Rui Barbosa como os economistas ligados ao Plano Real enxergaram uma possibilidade única de enriquecer às expensas do país.


 


 


Outras semelhanças são apresentadas. Nos dois períodos ocorre um aumento dos fluxos de capitais no mundo, juntamente com a criação de uma ideologia de defesa da liberalização financeira.


 



Dentro dos países da periferia, quadros técnicos, políticos e economistas dispostos a advogar em nome do grande capital, ajudaram a propiciar um ambiente favorável aos fluxos de capitais. Também, nos dois períodos, há um avanço na industrialização, porém, lembra o autor, “curiosamente, só crescem os países que não seguem as regras preconizadas pelas grandes potências. Quem se abre para o livre fluxo de capitais e de comércio, não consegue se desenvolver”. Mas a grande questão está no processo de remonetização advindo da reforma monetária, algo raro na história. O fato é que, tanto no Encilhamento como no Plano Real, esse processo foi manipulado de forma a servir os interesses individuais daqueles que estavam no topo dos acontecimentos, a despeito dos prejuízos causado ao Brasil.


 


 


Em relação ao Plano Real, na seção intitulada “As novas classes”, são mostrados alguns exemplos de como certos economistas cultos se envolveram em negócios pouco transparentes para realizar sonhos juvenis. Sobre um dos pais do Real afirma Nassif, “André Lara Resende via o plano como uma forma de enriquecimento e ascensão social. Depois de enriquecer com o Real, realizou sonhos adolescentes de comprar carros e cavalos de corrida – que transportou de avião para Londres, quando resolveu passar uma temporada por lá”.


 


 


 
No apêndice do livro há uma entrevista imperdível com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Deve ter sido surpreendente para àqueles acostumados a ver o ex-presidente “nadar de braçadas” em entrevistas preparadas sob medida para o seu próprio deleite. A entrevista é bastante reveladora: mostra como não passava de um mito, a história, bem montada, de um presidente intelectual, muito bem preparado, ciente dos rumos a ser tomados e que conduziria o Brasil no caminho ao primeiro mundo. Como bem disse Luis Nassif, o depoimento do ex-presidente “ajuda a entender como se formam ideologias, e como elas se impõem devido à inércia provocada pelo chamado pensamento hegemônico, pela ausência do contraditório, pela indefinição programática dos partidos políticos e, principalmente, pela falta de disposição dos governantes de tentar modificar os rumos dos ventos”.


 


 


Vale a pena conferir. Por mais de uma vez, os comentários de Nassif sobre a política cambial no Plano Real, recebeu a singela resposta do tipo “Isso eu não sei, não foi discutido comigo”. Sobre um tema fundamental como a abertura da conta de capitais, e a crítica que a maior parte do dinheiro que entrava era capital especulativo, tudo que o ex-presidente tem a dizer é: “Para mim não era claro. Para mim estava entrando investimento direto”. Nassif lembra da desnacionalização da economia, mas segundo Fernando Henrique, acreditem, “Isso não tem importância. Você compra empresas, o empresário faz outra”. Adiante, quando lhe é perguntado se a liberalização dos fluxos de capital não era discutida, o ex-presidente responde simplesmente que, “comigo não”. Poderia então se perguntar, com quem foi discutido, já que, como bem lembra Nassif, a liberalização financeira foi uma das marcas indeléveis do modelo implementado na sua gestão. A entrevista toda segue nesse nível. É obvio que um presidente não pode saber de tudo que acontece, mas algumas questões, como o câmbio, estavam no centro das discussões do Plano Real.



 



Enfim, o livro é uma ótima oportunidade para quem quer conhecer o outro lado da moeda; aquelas informações que só aparecem numa notinha no meio do jornal, quando aparecem…


 


 


Nota



(1) NASSIF, Luís (2007). Os Cabeças-de-Planilha. Rio de Janeiro: Ediouro.


 

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