Democracia representativa e poder econômico

O poder desproporcional do “econômico” sobre o popular se reflete na organização dos partidos políticos nacionais, cada vez mais debilitados e desacreditados, conforme repetidas pesquisas de confiança da população. Embora não seja um fenômeno restrito ao Brasil, é um péssimo sinal para a jovem democracia brasileira. Como agravante, o fato de que embora nosso sistema de governo seja presidencialista a Constituição de 1988 nos legou uma densa subordinação do executivo ao legislativo.

Assim, as deliberações de governo são dependentes da formação de maiorias parlamentares eventuais, quase sempre em consonância com a prevalência de arranjos, muitas vezes corporativistas e fisiológicos. Desse modo, são de difícil realização as reformas de ordem institucional que necessitam de aprovação congressual. Por isso, são sempre proteladas as ações de governo que favoreçam a reforma agrária, a reforma previdenciária, o financiamento da saúde e da educação públicas, a reforma fiscal e a mãe de todas as reformas, a reforma política.

Não são recentes as tentativas de se discutir com profundidade a reforma política, principalmente a questão do financiamento público das campanhas eleitorais, que possa permitir uma paridade na injusta concorrência entre os que podem e os que não podem arcar com as despesas de campanha; o estabelecimento de listas fechadas partidárias, com objetivo de dar mais consistência ideológica aos partidos e, ao mesmo tempo, facilitar a fiscalização da justiça eleitoral sobre o financiamento; e a instituição do voto distrital que, segundo seus defensores, iria corrigir o grave fato de que grande parte dos eleitores em poucos meses esquecem em que candidato proporcional votou. Também facilitaria a cobrança pelo eleitor das promessas de campanha do seu candidato.

Os defensores do financiamento público de campanha argumentam que sua instituição viria a contribuir para equidade entre os candidatos de maior e menor, ou nenhum, poder econômico, tornando mais justa a concorrência eleitoral. Os que o combatem alegam que estaríamos jogando nas costas da população mais um pesado ônus financeiro e que o procedimento não iria abolir o financiamento pela via do caixa 2 (artifício de fraude fiscal com que o poder econômico costuma financiar seus candidatos, burlando a fiscalização eleitoral). Os primeiros rebatem argumentando que é justamente a população mais pobre a que paga os maiores ônus embutidos nos preços dos bens de consumo e serviços e que são arbitrados pelos próprios financiadores das campanhas. Justamente aqueles que querem o controle do poder político para manter a exploração sobre a economia popular. O processo de financiamento público seria realizado através dos partidos políticos fortalecendo, dessa forma, os programas partidários e, ao mesmo tempo, facilitando a fiscalização da aplicação dos recursos.

O financiamento de campanha, o voto distrital, as listas fechadas, o parlamentarismo e suas variáveis são muito frequentes na maior parte dos modelos de democracia mais antigos e consagrados da Europa Ocidental. São fórmulas que procuram aperfeiçoar o sistema de participação do eleitor no modelo de democracia liberal-pluralista, portanto representativa, que, conforme foi dito, predomina no mundo ocidental. Elas procuram favorecer a possibilidade de alternância pacífica de poder e garantir a crítica e a alternativa que, como vimos, é prejudicada na “democracia liberal” tradicional.

O aperfeiçoamento institucional do processo de representação permite uma identificação do eleitor com seu representante e, além da memória do seu voto, – o eleitor não esquecer em quem votou – , a instituição de atitudes como a noção inglesa de “accountability”, ou seja, a faculdade de “responsabilizar alguém acerca de alguma coisa”. Uma cobrança legítima que será tanto menos possível quanto menor o aperfeiçoamento institucional do modelo representativo. Má notícia para o sistema brasileiro, que registrou 70% dos eleitores de 1998 com amnésia em relação aos seus votos em deputados federais e estaduais. Importante referir que a melhora desta condição é proporcional à escolaridade do eleitor, independentemente de sua região geográfica, de sua idade ou sexo.

Necessário dizer que a imprensa tem, ou deveria ter, importância fundamental na orientação do processo de reforma política. Lamentavelmente a mídia brasileira tem se comportado como fiel representante do poder econômico, majoritariamente representado no Congresso Nacional e, como tal, nada defende que possa interferir na atual correlação de forças, amplamente favorável ao conservadorismo e aos poderosos da Economia. Não somente por uma questão corporativa, por ser parte de tal poder, mas também porque os representantes mais poderosos desse mesmo poder são os principais anunciantes, mantenedores dos órgãos de comunicação.

(Segunda parte revista de um texto para aferição de nota final na disciplina Ciência Política I, curso Jornalismo, Universidade Católica de Pernambuco)

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