Desdita

As mobílias nadaram sem donos.
Perderam-se pelas ruas, avulsas,
persuadidas pela correnteza,
filha da enchente.
Quis um olho de pássaro
para dar asas à imaginação,
mas estavam todos longe dali.
Espalhados num modo aprazível de existir:
Pardais, sabiás, pintassilgos…
O que ainda não se disse, não se voou,
não há que ser inefável…
Os tempos estão pirracentos
para os sonhadores.
As palavras ficaram mais velhas,
adultas dividem os homens
entre ternos e farrapos.
A palavra maior de idade vota nas cheias.
Em qual infância do mundo
as palavras usam calção empoeirado,
chutam bola, sobem em árvores,
disputam mijo a distância
e abrem a gaiola pra soltar os bem-te-vis.

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