Disputar a hegemonia política nas ruas

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Protesto em Brasília contra o governo Jair Bolsonaro. Fotos: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

As manifestações de 29 de maio tiram esquerda da inércia e dão resposta combativa contra o governo Bolsonaro. Atos aconteceram por todo o Brasil levando milhares de pessoas as ruas, com uso de máscara e adoção de medidas de segurança, contando com a participação de partidos políticos, movimentos sociais e presença massiva da sociedade civil, em sua maioria jovens, indignados com o genocídio provocado pela gestão criminosa da pandemia por parte de Bolsonaro e seus aliados.

Desde 2019, no que ficou conhecido como 15M e 30M ou tsunami da educação – manifestações de estudantes coincidentemente em maio contra os cortes na educação pública que levaram milhões as ruas – os setores democráticos e populares apenas observam as ruas sendo tomadas por bolsonaristas em suas manifestações antidemocráticas, pedindo fechamento das instituições, intervenção militar entre outros delírios.

A rua deixou de ser um plano de disputa política pois somente o fascismo desfilava em praça pública. Com a pandemia do coronavirus tal situação se aprofundou devido ao isolamento social. Nós da esquerda, com a intenção de preservar as vidas, não convocamos nenhuma mobilização de rua durante a pandemia. Depositamos nossas esperanças em articulações institucionais no parlamento, em formação de frentes amplas que pudessem ao menos reduzir os danos do negacionismo bolsonarista na condução da pandemia.

Essa tática se provou equivocada visto que com a intensa mobilização de rua dos bolsonaristas contra as medidas sanitárias como o distanciamento social, o uso de máscaras e a compra de vacinas, a pressão sobre governadores e prefeitos, acabou fazendo que a tese do Presidente da República “é só uma gripezinha” prevalecesse e o Brasil hoje colhe mais de 460 mil cidadãos mortos, vítimas da covid-19.

A política é mais que o parlamento e as instituições, que não são menos importantes, mas a política também é a disputa nas ruas e na comunicação. Nas redes sociais está provado, ao menos por enquanto, que a esquerda não tem o alcance e o poder em suas redes de se contrapor a extrema-direita e suas Fake News de maneira eficaz. Se perdemos as ruas a nossa capacidade de intervenção na sociedade fica extremamente limitada.

Em artigo escrito em novembro de 2020 Eleições: fragmentos da luta de classes analisando mudanças de rumos políticos em países da América Latina como Chile e Bolívia, e a queda de Trump no império estadunidense, escrevi que as mudanças eleitorais estavam intimamente ligadas a mobilizações e protestos populares. Na ocasião afirmei: “o resultado favorável para a esquerda na eleição Boliviana, da vitória no plebiscito chileno e possivelmente a derrota de Trump nas eleições norte-americanas, se devem a intensa mobilização popular e a reorganização política dos campos progressistas…”.

Dessa compreensão imprescindível da disputa para fora dos espaços institucionais, ou seja, disputar a hegemonia política também nas ruas, escrevi sobre a inércia da esquerda em janeiro de 2021 Por que aceitamos o genocídio brasileiro a céu aberto? “as oposições, muitas e fragmentadas, se digladiam em debates sobre 2022 projetando a corrida eleitoral sem saber se até lá terá eleição. É preciso parar a ação criminosa e genocida de Bolsonaro desde já, não ficar apenas no discurso buscando se cacifar para disputa eleitoral. A luta de classes é diária e reflete a correlação de forças políticas na sociedade. Dessa compreensão urge a necessidade da criação de frentes amplas políticas e sociais no máximo de espaços institucionais e da sociedade civil organizada possíveis para se combater o fascismo bolsonarista”.

Pois bem, quanto mais acuado Bolsonaro começou a ficar devido a CPI da Pandemia em curso no Senado Federal, o fascista dobrou a aposta na mobilização de suas bases e protagonizou cenas típicas do fascismo italiano ao desfilar de moto com seus milicianos no Rio de Janeiro, uma demonstração de acumulo de força política inquestionável que assustou grande parte dos setores democráticos.

A resposta então veio na convocação dos estudantes da UNE, inicialmente, para as ruas no dia 29 de maio, lutar contra o genocídio e o governo fascista. O chamamento reacendeu a mobilização de rua da esquerda e de setores populares da sociedade que não aguentam mais o caos da pandemia provocado pelo Presidente da República. Muitos se questionaram se seria o momento adequado para manifestações de massas devido ao recrudescimento da pandemia. Porém, quando a sociedade não aguenta mais, não há o que segure a revolta e a indignação. Como diz minha camarada de partido Isadora Scorcio “O governo Bolsonaro é pior que o vírus”.

As manifestações, que ainda não tiveram a amplitude de forças políticas que poderiam e devem ter, surpreenderam pela capacidade de mobilização dos setores de esquerda, mesmo que muitas pessoas ainda ficaram com receio de participar, as ruas foram tomadas por um mar de gente e mandaram o grito que está entalado na garganta Fora Bolsonaro.

O efeito político prático do fato histórico 29M, mostra que as ruas não serão mais dominadas pela hegemonia bolsonarista e genocida. Nesta disputa se formará uma nova maioria, aquela que rejeita o fascismo e quer vacina no braço e comida no prato. O 29M começa a devolver as ruas para setores democráticos e populares da sociedade brasileira. Vamos vencer o fascismo essa é a nossa tarefa mais urgente!

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