Em disputa, os corpos das mulheres

“Pode um juiz cujas despesas de viagem foram pagas por bancos julgar de forma independente ações de interesse desses mesmos bancos?”

No começo da noite de segunda-feira, voltando para casa, enfrentei um trânsito lento e difícil, devido a uma chuva fina e insistente. Embora cansada e ansiando para chegar em casa, entreguei-me à constatação de que não havia nada a fazer. Presa no trânsito, aproveitei para estar comigo. Pensei no que escrever hoje.
 


   
As eleições? Enfocando qual faceta? O país dos meus sonhos? Em que mundo gostaria de ter vivido? A minha existência legará mesmo o quê para as gerações futuras? De repente caiu a ficha: nasci há 53 anos, em 20 de setembro de 1953. “Completar anos” é como se diz no Maranhão. Ou é fazer anos?



   
Aniversariar? Não sei como se diz em Minas. Compartilho com quem me lê hoje que considero um privilégio continuar vivendo; que amo viver e busco viver dionisiacamente; que adoro pensar, pensar e pensar… (é que gosto de pernas pro ar, que ninguém é de ferro).


 



   
Não contive o riso lembrando dos versos do poeta paraibano Zé da Luz (1904-1965), em “Ai! Se sêsse!”, de uma beleza matuta extraordinária, falada por um integrante do Cordel do Fogo Encantado: “Se um dia nós se gostasse;/ Se um dia nós se queresse;/ Se nós dos se impariásse,/ Se juntinho nós dois vivesse!/ Se juntinho nós dois morasse/ Se juntinho nós dois drumisse;/ Se juntinho nós dois morresse!/ Se pro céu nós assubisse?/ Mas, porém, se acontecesse/ qui são Pêdo não abrisse/ as portas do céu e fosse,/ te dizê quarqué toulíce?/ E se eu me arriminasse/ e tu cum eu insistisse,/ pra qui eu me arrezorvesse/ e a minha faca puxasse,/ e o buxo do céu furasse?…/ Tarvez qui nós dois ficasse/ tarvez qui nós dois caísse/ e o céu furado arriasse/ e as virge todas fugisse!!!”


 


   
Repassei as últimas da corrupção. Boatos mil envolvem expressivas figuras políticas, gregas e troianas, numa suposta compra de um dossiê. Puro mangue. E sangue. É o estilo vampiro de fazer política em cumplicidade com sociopatias. Ah, matutei sobre os grampos nos telefones de ministros do TSE. Incrível!


 


   
Pensei em impertinentes e instigantes perguntas: juiz pode aceitar presente? Pode um juiz cujas despesas de viagem foram pagas por bancos julgar de forma independente ações de interesse desses mesmos bancos? Indagações de Matheus Machado ao saber que “Durante quatro dias, 47 magistrados aproveitaram as delícias do hotel Transamérica na Ilha de Comandatuba”, embora a Febraban, em nota pública, tenha dito: “esse tipo de encontro é realizado há três anos com o objetivo de ‘manter um diálogo de alto nível técnico’”.


 


   
O ministro João Otávio Noronha, cuja turma do Supremo Tribunal de Justiça julga cerca de 30% das querelas de interesse dos bancos, declarou que “o encontro serviu para o debate de temas de interesse da sociedade”. (Época, 435, 18/09/06). Não duvido. Até acho relevante. Porém, no ar, algo de podre.


 


   
Dois membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentaram projeto de resolução para normatizar a recepção de mimos, viagens e estadas em paradisíacos hotéis por juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores – a exemplo de tentativas de contenção de confusões éticas em outras profissões, como jornalistas e médicos.


 


   
Voltando às eleições. O Estado do Vaticano perdeu o pudor de se imiscuir em assuntos internos do país. Às escâncaras, se guia por tema único: legislar sobre os corpos das mulheres, e realiza investimento de vulto nas Eleições 2006.


   



Para consumar seu intento misógino, busca eleger uma Bancada de Deus para o Congresso Nacional, cuja credencial exigida é ser contra o direito ao aborto, pois para o Vaticano o que está em disputa nas eleições brasileiras são os corpos das mulheres.


 


   
Na hora de votar, lembremo-nos de J. Darion e M. Leigh, em “Sonho impossível”: “Quantas guerras terei que vencer/ Por um pouco de paz… Sonhar mais um sonho impossível/ Lutar quando é fácil ceder”.

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