Guerra dos Farrapos: a mais longa revolta republicana contra o Império

O dia 20 de setembro de 2015 assinala os 180 anos do início da Guerra dos Farrapos, que durante dez anos enfrentou, de armas na mão, o todo poderoso Império brasileiro – centralizador e escravocrata – e defendeu a República e a Federação e, em alguns momentos, a libertação dos escravos. 

Foi a única rebelião da sua época que constituiu de fato um Estado republicano, elegeu uma Assembleia Constituinte, criou suas próprias leis, órgãos de governo, coletoria, polícia, serviço de correios, jornal oficial e símbolos.

Mas, a luta farroupilha não foi um ato isolado. Precisa ser compreendida no contexto de uma série de revoltas e rebeliões que sacudiram o país, de norte a sul, na pós-independência, quando se defrontaram dois projetos alternativos para o Brasil. De um lado, o projeto dos traficantes de escravos e dos latifundiários escravistas, monocultores e exportadores, que defendiam uma monarquia oligárquica e centralizada, capaz de manter subjugadas as massas escravizadas. De outro lado, um projeto mais aberto e progressista – e, em alguns casos, republicano e liberto do trabalho escravo.

Em oposição ao projeto oligárquico e conservador – que acabou prevalecendo –, eclodiram inúmeras rebeliões, como a Revolução Republicana de Pernambuco (1817); a Confederação do Equador, em Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte (1824); a Cabanada, nos sertões de Pernambuco (1831); a Cabanagem, no Pará (1835); a Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul (1835); a Sabinada, na Bahia (1837); a Balaiada, no Maranhão e Piauí (1838); as Rebeliões Liberais de São Paulo e Minas Gerais (1842); a Revolução Praieira, em Pernambuco (1848).

A derrota de um projeto mais avançado – expresso de distintas formas e em diferentes lutas do povo brasileiro – levou à consolidação do domínio do latifúndio monocultor-exportador, à continuidade do escravismo e à crescente subordinação do país aos interesses do imperialismo inglês, então dominante. Aí assentam suas raízes as concepções retrógradas e subservientes aos interesses estrangeiros que caracterizam grande parte das elites brasileiras

A valoração da luta farroupilha 

A Guerra dos Farrapos – popularmente conhecida com a “Revolução Farroupilha” – foi, sem dúvida, o mais relevante episódio da história do Rio Grande do Sul e um importante acontecimento da história brasileira. Como todo grande evento histórico, tem sido objeto de grandes polêmicas quanto à sua interpretação e valoração.

Por um lado, observamos a tentativa da sua apropriação ideológica pela oligarquia pecuarista gaúcha que – através de uma historiografia tradicional, laudatória dos “monarcas das coxilhas” (brancos e ricos) e da “democracia do pampa” (pretensamente sem explorados e exploradores”) –, idealiza o espírito “libertário” dos grandes fazendeiros que hegemonizaram a luta pela República, fechando os olhos para suas contradições diante da escravidão e ignorando o protagonismo nessa luta dos despossuídos – negros, índios, mestiços e brancos pobres.

Por outro lado – como que em uma reação espelhar a essa visão elitista da luta farroupilha – nos deparamos com interpretações superficiais, incapazes de compreender o caráter historicamente progressista do enfrentamento ao Império escravocrata e centralista e da luta pela República, comprovado pela forte adesão às hostes farroupilhas de escravos, negros libertos, mestiços, índios e pobres do campo. Júlio Chiavenato, estudioso progressista das lutas sociais reconhece isso: “(…) era fácil recrutar escravos, pois eles até esperavam a chegada dos farrapos para entrar num exército que os ‘libertaria’. Lutar ao lado dos farroupilhas era uma oportunidade concreta de liberdade para os escravos. Não faltavam negros que fugiam dos seus senhores no Uruguai para engrossar as forças gaúchas.”(1)

As análises anacrônicas que negam o caráter progressista da luta farroupilha e reduzem a questão unicamente ao fato que essa luta foi dirigida pelos grandes proprietários rurais, ignoram o momento e as condições históricas em que ela ocorreu, que tornava impossível a hegemonia dos setores populares. Seria o mesmo que negar o caráter progressista da Revolução Francesa por ter sido hegemonizada pela nascente burguesia francesa; ou negar o caráter progressista da luta pela independência das colônias inglesas da América do Norte, por ela ter sido dirigida pelos grandes proprietários de terras.

Além disso, essas interpretações simplistas são incapazes de perceber as profundas contradições existentes no seio dos farrapos, entre seus setores progressistas e abolicionistas e seus setores conservadores e escravistas. Por fim, quando afirmam que as massas empobrecidas participaram da luta farroupilha unicamente como “bucha de canhão”, reproduzem a visão preconceituosa das elites, que não conseguem enxergar o povo senão como “massa de manobra”, incapaz de protagonizar a sua própria história e carente de vontade própria.

O sociólogo Clóvis Moura, insuspeito de qualquer visão elitista da história, é um dos que destaca o caráter progressista da luta farroupilha e o seu poder de atração sobre os escravos: “Não tendo surgido a abolição em 1822, como esperavam, os escravos não perderam a esperança. Continuaram, como já vimos, se engajando nos movimentos subseqüentes. Na Revolução Farroupilha eles se sentirão à vontade porque, afora a insurreição dos alfaiates, na Bahia, nenhum outro movimento foi tão enfática e ostensivamente anti-escravista como o chefiado por Bento Gonçalves.”(2)

O contexto histórico

No início do século XIX, com a transformação do café no principal produto de exportação do Brasil, os grandes proprietários escravistas do Vale do Paraíba do Sul tornaram-se a classe dominante do país. Nessa condição, buscaram manter uma monarquia centralizada e unitária capaz de sustentar seu domínio escravocrata e submeter as demais províncias aos seus interesses.

No Rio Grande do Sul, nessa época, desenvolvia-se uma economia periférica, subsidiária da economia central, que tinha por base uma pecuária extensiva, voltada essencialmente à produção de charque para alimentar a escravaria do país.

Aqui, o peso do centralismo se fazia sentir de diversas maneiras. O presidente da província era nomeado pelo Rio de Janeiro e governava em função dos interesses da aristocracia cafeeira, marginalizando política e economicamente a oligarquia gaúcha. A política fiscal do Império, além de impor altas taxas sobre o sal – o principal insumo para a produção do charque – aplicava um imposto de 25% ao charque do Rio Grande do Sul, enquanto taxava em apenas 4% o charque platino. Não bastasse isso, os interesses expansionistas do Império transformavam a província em um campo de batalha permanente contra os vizinhos platinos, com graves prejuízos para a economia gaúcha, que era obrigada a arcar com os custos dessas constantes guerras.

Tudo isso fez com que crescessem as contradições entre os fazendeiros gaúchos e o Império, o que se expressava em um difuso sentimento de “opressão do Rio Grande do Sul pelo Rio de Janeiro” e criava condições propícias para a difusão de aspirações federalistas e idéias republicanas entre os rio-grandenses.

Fruto dessas contradições eclodiu em 20 de setembro de 1835 a “Revolução Farroupilha”, sob a direção de Bento Gonçalves, com a tomada de Porto Alegre pelos revoltosos e a fuga para a cidade de Rio Grande de Fernandes Braga, Presidente da Província.

Inicialmente, os revoltosos se limitaram a reivindicar a substituição do presidente da província e um maior respeito ao Rio Grande do Sul. Logo, porém, o movimento radicalizou-se, culminando com a proclamação da República Rio-Grandense, em 11 de setembro de 1836, após uma importante vitória contra os imperiais nos campos de batalha de Seival.

Separatismo ou republicanismo?

Origina-se aqui a primeira controvérsia histórica sobre a Guerra dos Farrapos, apresentada por alguns como um movimento essencialmente separatista. Ao contrário, no nosso entendimento, a Guerra dos Farrapos teve um caráter fundamentalmente antimonárquico e republicano, sob a forma federalista. O seu separatismo foi algo contingencial, decorrente das difíceis circunstâncias da luta.

Tanto que os líderes farrapos não só se articularam estreitamente com os rebeldes dos outros Estados, como expressaram repetidas vezes a sua disposição a se federarem com as demais províncias brasileiras, na medida em que essas rompessem com o governo imperial e adotassem o sistema republicano.

No “Manifesto do Presidente da República Rio-Grandense em nome de seus Constituintes”, de 29 de agosto de 1938, os farroupilhas afirmam: “Um só recurso nos restava, um único meio se oferecia à nossa salvação, e este recurso e este único meio era a nossa independência política e o sistema republicano (…) os rio-grandenses reunidos à suas municipalidades solenemente proclamaram e juraram a sua independência política debaixo dos auspícios do sistema republicano, dispostos todavia a federarem-se, quando nisso se acorde, às províncias irmãs que venham a adotar o mesmo sistema.”(3)

Em abril de 1840, fazem da Sabinada e da Cabanagem a sua causa: “Brasileiros que iludidos defendeis a causa do Império (…) Proclamastes a vossa independência política e ainda hoje gemeis curvados sob o jugo abominável de vossos senhores, sob o predomínio de lusitanos (…) mostrai ao mundo (…) que ainda sois os mesmos que derramastes há pouco vosso sangue em defesa da malfadada Bahia e do Pará (…) Não hesiteis; a sorte dos baianos e dos paraenses acha-se identificada com a nossa própria sorte.”(4)

Em julho de 1842, comemoram a Rebelião Liberal de São Paulo: “Já as falanges paulistas marcham sobre o inimigo comum (…) O Brasil em massa se levanta como um só homem para sacudir o férreo jugo do segundo Pedro. É o momento de mostrardes ao mundo que sois rio-grandenses (…) não só salvareis a Pátria como sereis os libertadores do Brasil inteiro!”(5)

E, em março de 1843, reafirmam como seu objetivo a constituição de uma república federal: “A causa que defendemos não é só nossa, ela é igualmente a causa de todo o Brasil (…) Uma república federal, baseada em sólidos princípios de justiça e recíproca conveniência, uniria hoje todas as províncias irmãs, tornando mais forte e respeitável a nação brasileira.”(6)

Os farroupilhas frente à escravidão 

Um segundo ponto polêmico em relação à Guerra dos Farrapos é a sua postura frente à escravidão.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que, diferentemente da maioria das rebeliões ocorridas no Brasil na mesma época, os farroupilhas não temeram libertar e armar os escravos que se engajavam na luta contra o Império. Assim, em abril de1836, os farrapos libertaram mais de 400 escravos em Pelotas e os organizaram em uma poderosa unidade de infantaria.(7) E em setembro de 1836 formaram o 1º Corpo de Cavalaria de Lanceiros Negro, que passou a jogar um papel decisivo nos combates. Mas, isso não significou a libertação geral dos cativos, tema que dividia fortemente as opiniões farroupilhas.

A resposta ao decreto imperial que determinava o açoitamento de todo “escravo” que fosse preso fazendo parte das forças rebeldes é a que melhor expressa a postura dos setores progressistas dos farroupilhas frente à questão servil:

“Tendo o tirânico Governo do Brasil (…) determinado (…) a aplicação de 200 a 1000 açoites a todo homem de cor que, livre do cativeiro, em conformidade com as leis desta República, tiver feito parte de sua força armada e vier a cair prisioneiro das tropas chamadas legais (…) Foi em obediência às sagradas leis da humanidade (…) que o Governo passou a libertar os cativos aptos para a profissão das armas, oficinas e colonização, a fim de acelerar, de pronto, a emancipação dessa parte infeliz do gênero humano. E, isso, com grave sacrifício da Fazenda Pública, pois os que exigiram a indenização desses cativos a receberam de pronto ou receberam documento para indenização oportuna. O Presidente da República (…) não consentirá que o homem livre rio-grandense, de qualquer cor com que os acidentes da natureza o tenham distinguido, sofra impune e não vingado o indigno, bárbaro, aviltante e afrontoso tratamento (…) Desde o momento em que houver notícia certa de ter sido açoitado um homem livre de cor a soldo da República (…) o comandante de qualquer Divisão tirará a sorte entre os oficiais imperiais (…) nosso prisioneiros e fará passar pelas armas aquele oficial que a sorte designar.”(8)

Aqui ficam definidas importantes questões: 1) Os ex-escravos que faziam parte das tropas farroupilhas eram considerados homens livres; 2) A libertação dos escravos era vista como uma exigência humanitária; 3) Os libertos a serviço da República atuavam em atividades bélicas, em oficinas ou na colonização; 4) Se os seus antigos donos exigissem indenização, a República Rio-Grandense lhes pagaria de imediato ou através de títulos para ressarcimento futuro; 5) Em retaliação ao açoitamento de um negro livre farroupilha, seria executado um oficial imperial.

Deve-se destacar, ainda, que os farrapos tinham entre seus principais dirigentes dois mulatos: o mineiro Domingos José de Almeida – Ministro do Tesouro da República de Piratini – e o carioca José Mariano de Mattos – por duas vezes Ministro da Guerra e da Marinha e Presidente da República entre novembro de 1838 e março de 1841.

Caberá a Mariano de Mattos, abolicionista convicto, apresentar na Assembléia Constituinte – em nome da “maioria” formada por Bento Gonçalves, Domingos José de Almeida, Mariano de Mattos, Antônio Souza Netto, José Gomes Portinho, Ulhoa Cintra, entre outros – um projeto que abolia o cativeiro. A reação da “minoria”, capitaneada por Antônio Vicente da Fontoura, David Canabarro e Onofre Pires, foi tão violenta que ameaçou uma irremediável cisão dos farroupilhas, inviabilizando sua aprovação: “É de se saber que numa das sessões José Mariano, como representante e definidor dos princípios a que se atinham os fiéis de Bento Gonçalves, apresentou à assembléia um projeto que abolia o cativeiro (…) Pois bem, assistiu a extremado e nefando espetáculo. A minoria, acaudilhada por Antônio Vicente, opôs-se irredutível e fera.”(9)

Ficava patente a divisão dos farroupilhas frente à questão servil. De um lado, a “maioria” assumia uma postura abolicionista; de outro, a “minoria” tolerava a libertação dos cativos que se engajavam na luta contra o Império, mas se opunha ferozmente a qualquer tentativa de uma libertação geral dos escravos. O resultado dessa divergência foi a não-inclusão da abolição no projeto de Constituição da República Rio-Grandense.

O massacre de Porongos e o fim da guerra

Com o passar do tempo e a derrota das demais rebeliões no restante do país, criou-se uma situação cada vez mais difícil para os farroupilhas. Tornou-se clara a impossibilidade de uma vitória militar sobre o Exército Imperial, agora comandado pelo hábil Caxias. Já por parte dos imperiais, era fundamental terminar o quanto antes a luta, buscando uma solução negociada que não humilhasse os rio-grandenses e obtivesse o seu apoio para a luta cada vez mais inevitável contra os vizinhos platinos. A paz impunha-se aos dois lados.

Uma primeira negociação, ocorrida com o gabinete liberal de 1840, esbarrou no destino a ser dado aos negros farroupilhas. Bento Gonçalves apresentou uma proposta que, entre outras questões, exigia “a liberdade dos escravos que estão ao nosso serviço”. Como os imperiais não concordaram com essa exigência – que consideravam um prêmio à rebeldia e um perigoso exemplo à escravaria do o país – “no Rio Grande continuaria a guerra, não podendo voltar aos grilhões os negros que há cinco anos lutavam pela liberdade na América.” Ulhoa Cintra, consultado, opinou da mesma forma: “Homens que ombrearam conosco na defesa da liberdade não podem voltar ao cativeiro.”(10)

Mas, em 1844, David Canabarro e Vicente da Fontoura – escravistas empedernidos e membros da “minoria” – haviam assumido as principais funções civis e militares da República Rio-Grandense, após afastarem Bento Gonçalves e Domingos de Almeida. Retomadas as negociações com os imperiais, mesmo eles não conseguiram apoio entre os farroupilhas para firmar uma paz que não garantisse a liberdade para os negros que há dez anos lutavam pela República.

Para os imperiais, era inaceitável a concessão da liberdade para um significativo contingente de negros com experiência militar, premiando a rebeldia. Ao mesmo tempo, para a ordem escravocrata reinante era muito perigoso o retorno desses combatentes negros ao trabalho servil, pois poderiam levar o fermento da rebelião para as senzalas.

Impunha-se eliminar esse obstáculo para a paz!

É nesse contexto que acontece na madrugada de 14 de novembro de 1844 o Massacre de Porongos, quando os Lanceiros Negros – previamente desarmados e separados do resto das tropas – foram atacados de surpresa e dizimados por tropas imperiais comandadas pelo coronel Chico Pedro, em um conluio entre Caxias e Canabarro, conforme correspondência existente no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.(11) Poucos dias depois, Teixeira Nunes – o comandante dos Lanceiros Negros – e alguns remanescentes dessa formidável tropa, foram enviados por Canabarro para uma temerária incursão na retaguarda inimiga, sendo trucidados pelos imperiais em 26 de novembro de 1844.
Com o Massacre de Porongos, o problema do que fazer com os negros farroupilhas foi literalmente eliminado e aceleraram-se as tratativas de paz, que acabaram se efetivando no início de 1845. Mesmo assim, uma das cláusulas acertadas na pacificação estipulou (ainda que pro forma) a libertação dos ex-escravos que haviam lutado na Guerra dos Farrapos: “4º – São livres, e como tais reconhecidos, todos os cativos que serviram na República”.

Até hoje pairam dúvidas sobre o destino dos negros combatentes sobreviventes, que foram “arrebanhados” e covardemente entregues por David Canabarro ao Duque de Caxias. Segundo diversos historiadores, Caxias os enviou para o Rio de Janeiro, onde teriam sido alforriados, sendo os seus ex-donos indenizados. Segundo outros, ao chegarem ao Rio de Janeiro teriam se tornado escravos da Nação brasileira, na fazenda imperial de Santa Cruz.

A luta não foi em vão

A paz imposta pelo Império aos farroupilhas – apesar das concessões feitas, o que não ocorreu nas outras revoltas pelo Brasil afora, todas elas esmagadas a ferro e fogo – conseguiu sufocar a rebeldia por algum tempo, mas não conseguiu extirpá-la. Qual uma brasa adormecida, ela persistiu nas idéias da Federação, da República, da emancipação dos escravos, de uma verdadeira emancipação nacional. A luta não fora em vão.

A abolição, em 1888, a proclamação da República em 1889, não surgiram do nada, não aconteceram por acaso. Elas decorreram do acúmulo de forças de todas essas lutas do passado, entre as quais se destaca a Guerra dos Farrapos, a mais longa e a mais conseqüente de todas.

Sem dúvida, a luta farroupilha também se faz presente nas posições progressistas, libertárias e antiimperialistas que caracterizam os rio-grandenses, sempre presentes nas grandes lutas do povo brasileiro – como a Coluna Prestes em 1924, a Revolução de 30, o Movimento da Legalidade de 1961, a resistência à ditadura e, hoje, a luta por um novo projeto nacional de desenvolvimento, soberano, democrático e mais justo.

Farrapo”. Esse nome, criado pelo desprezo, foi nobilitado pela glória; a inevitável glória da justiça do Tempo transformou o epíteto injurioso em título de suprema honra. Eram desgraçados, sim, eram pobres, eram maltrapilhos, aqueles guerreiros que, para não morrer de fome, contentavam-se com um bocado de carne crua; acampavam e dormiam ao relento, com a face voltada para as estrelas; não tinham dinheiro, nem uniforme e não podiam renovar as botas e os ponchos que o pó das estradas, as balas, as cutiladas, as chuvas estraçalhavam e apodreciam; – mas prezavam o seu nome de “Farrapos” e tinham o orgulho da sua pobreza; – e eram mais ricos assim, possuindo apenas o seu cavalo, a sua garrucha, a sua lança e a sua bravura. Cenobitas da religião cívica, anacoretas da guerra, vivendo no imenso e fúlgido ascetério do “pampa”, esses primeiros criadores da nossa liberdade política não olhavam para si: olhavam para a estepe infinita que os cercava, para o infinito céu que os cobria, – e nesses dois infinitos viam dilatar-se, irradiar e vencer no ar livre o seu grande ideal de justiça e de fraternidade.

Olavo Bilac

NOTAS

(1) CHIAVENATO, Júlio. As lutas do povo brasileiro: do “descobrimento’ a Canudos. São Paulo: Moderna, 1988, p. 51.

(2) MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala – Quilombos, insurreições, guerrilhas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988, p. 97.

(3) SILVA, Bento Gonçalves da, ALMEIDA, Domingos José de. Manifesto do Presidente da República Rio-Grandense em nome de seus Constituintes. In: CASTRO, Denise Zullo (Coord.) Coletânea de Documentos de Bento Gonçalves da Silva – 1835/1945. Porto Alegre: Comissão Executiva do Sesquicentenário da Revolução Farroupilha,1985, pp. 289-290.

(4) SILVA, Bento Gonçalves da. Proclamação de 24.04.1840. In: CASTRO, Denise Zullo (Coord.), idem, p. 292.

(5) SILVA, Bento Gonçalves da. Proclamação de 13.07.1842. In: CASTRO, Denise Zullo (Coord.), idem, p. 294.

(6) SILVA, Bento Gonçalves da. Proclamação de 11.03.1843. In: CASTRO, Denise Zullo (Coord.), idem, p. 295.

(7) “Terminada a batalha, os Farrapos armaram cerca de 400 escravos que haviam caído em suas mãos, pois sentiam a necessidade de aumentar seu exército, e teriam libertado a todos se os charqueadores não tivessem fugido para Rio Grande, levando os que com eles tinham ficado.”

(LEITMAN, Spencer. NEGROS FARRAPOS: Hipocrisia racial no sul do Brasil no séc. XIX. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy. A Revolução Farroupilha: história & interpretação. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, p. 64.)

(8) ALMEIDA, Domingos José de. Decreto da República Rio-Grandense, 11.05.1839. In: Jornal O POVO, edição fac-similar. Porto Alegre: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, 1930.
(9) VARELA, Alfredo. História da Grande Revolução o ciclo farroupilha no Brasil. Porto Alegre, Livraria do Globo, 1933, Volume 6, p. 16.

(10) MACEDO, Francisco Riopardense de. Lições da Revolução Farroupilha. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do RS, 1995, pp. 38-39.

(11) “Reservadíssimo: Sr Coronel Francisco Pedro de Abreu (…) Regule V.S. suas marchas de maneira que no dia 14 às duas horas da madrugada possa atacar as forças ao mando de Canabarro que estará nesse dia no Cerro dos Porongos. (…) Suas marchas devem ser o mais ocultas que possível seja, inclinando-se sempre sobre a sua direita, pois posso afiançar-lhe que Canabarro e Lucas ajustaram ter as suas observações sobre o lado oposto. No conflito, poupe o sangue brasileiro o quanto puder, particularmente da gente branca da Província ou índios, pois bem sabe que essa pobre gente ainda nos pode ser útil no futuro. A relação junta é das pessoas a quem deve dar escapula, se por casualidade caírem prisioneiras. Não receie a infantaria inimiga, pois ela há de receber ordem de um ministro de seu general em chefe para entregar o cartuchame sob pretexto de desconfiarem dela. Se Canabarro ou Lucas fores prisioneiros, deve dar-lhes escapula de maneira que ninguém possa nem levemente desconfiar, nem mesmo os outros que eles pedem que não sejam presos (…) 9 de novembro de 1844. Barão de Caxias.” (Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – Vol 7. Porto Alegre, 1983, p. 30-31.)

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