Juventude: ajustamento, des(a)justamento e desajustamento

Iniciei minha militância juvenil da década de 1990, período em que a juventude brasileira detonou um presidente e não conseguindo destituir outro, teve que resistir e construir alternativas ao projeto neoliberal. Fiz parte da segunda geração e acompanhei os debates conceituais (e pragmáticos) sobre juventude, protagonismo juvenil e políticas públicas de/para/com juventude (PPJ).

Sempre me incomodei com algumas polêmicas entre linhas de pensamento (estruturalistas x marxistas x pós-modernos), algumas discussões mais acaloradas pareciam disputas entre sãopaulinos, palmeirenses e corintianos. Tendo ou não tendo lado nessas disputas conceituais peço que você, leitor e leitora, entenda que não estou minimizando ou fugindo de questões importantes e polêmicas. Mas algumas lacunas eram e são ignoradas nestes debates.

Uma delas, que perpassa a ideia de protagonismo juvenil, é sobre os processos de ajustamento e desajustamento. A Sociologia do Desvio influenciou profundamente os debates sobre juventude ao longo do século 20. Na Europa o debate sobre protagonismo juvenil emergiu após 1968. No Brasil, com os movimentos juvenis da década de 1990, os próprios jovens questionaram a abordagem da juventude como problema social nos debates sobre PPJ.

A questão é que, enquanto a Sociologia do Desvio aborda a juventude a partir da delinquência, os debates sobre protagonismo juvenil lançam luz a uma parcela da juventude que decide se organizar em torno de uma bandeira, que pode ser desde o anarquismo até a luta por equipamento público de cultura na comunidade. E pergunto onde está o restante da juventude? Por que são invisiveis às Ciências Sociais?

Ora, a juventude não pode ser dividida de forma simplória entre ajustados e desajustados e ter o primeiro grupo invisibilizado e o segundo tratado como política de segurança pública (e entre os desjustados incluo a parcela da juventude que se organiza em ONGs, movimentos sociais, culturais, etc). Até porque, entre esses dois polos, há um terceiro grupo relativamente grande que está imerso em si mesmo por conta de uma sociedade altamente individualista. A esse grupo denomino de "des(a)justamento" porque eles encontram-se segregados da juventude "ajustada" que aceita o mundo como é, adapta-se a ele e garante sua manutenção, e da juventude "desjustada" que recusa o mundo que herdou, não se adapta a ele e busca destrui-lo, mesmo que seja para construir um outro mundo sobre os escombros do qe existiu – um grupo encontra abrigo no ativismo, o outro na delinquência.

As/os jovens em des(a)justamento padecem do desencanto do mundo. Não querem viver como seus pais, mas também vêem boas coisas no mundo, que gostariam de preservar. Essas/es jovens não estão dispostos a por o mundo abaixo e erguer um mundo novo; olham para o mundo como uma casa antiga que deve ser reformada porque contém histórias que não podem ser esquecidas, mas que sem a reforma ruirá matando a todos que estiverem ali. Também sabem que a reforma é importante não só para manter a casa em pé, mas para promover melhorias para seus moradores, os de hoje e os de amanhã.

A sociedade deve ouvir e compreender as/os jovens que se recusam a viver num mundo tão injusto e opressor; assumir sua responsabilidade sobre esse mundo e dar espaço para que esses jovens possam construir um mundo melhor. Os/as jovens "ajustados/as" não são capazes de agregar nada de novo, não podem sequer ser chamados de juventude (porque esta é mais do que uma marcação etária), porque são velhos, representam um mundo velho, estão aqui apenas para manter em movimento as engrenagens que destróem nossos mais bonitos sonhos infanto-juvenis.

Não é possível desresponsabilizar-se do mundo e dizer que cabe à juventude resolver "tudo o que está aí". Ou entrar no discurso fácil de que "os jovens eram mais aguerridos durante a ditadura", porque isso é uma falácia. Durante a ditadura uma boa parte da juventude ou ignorou o que acontecia ou apoiou; a parte que resistiu e foi para o enfrentamento era minoritária e muitos/as foram trucidados/as; essa parte a que chamo de "des(a)justados/as", ao agregar-se aos "desajustados" (subversivos) é que trouxe de volta a democracia.

A questão importante é que sem a clareza de objetivos dos desajustados-militantes tudo pode se perder como abril de 1964, ou com as juventudes nazista na Alemanhã e fascista na Itália. Ou como junho de 2013, em que as manifestações terminaram com um teor fortemente reacionário. Mas a juventude também é isso, não pode ser definida/restrita como revolucionária ou reacionária porque é muito diversa, comporta todas as classes sociais, gêneros, graus de instrução, etc.

A questão fundamental é que são essas garotas e garotos, que muitas vezes estão ensimesmados olhando para uma tela acesa, que têm em si o poder de mudar a História; para o bem e para o mal. Você já parou pra ouvir o que essas meninas e meninos têm a dizer sobre o mundo? Será que essa geração só quer ser ouvida, ou quer também ser a artífice da construção do novo?

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