Laura e Osvaldo

Quando eu tinha 22 anos tive uma trombose venosa profunda e quase tive que amputar minha perna esquerda. Hoje eu poderia ser uma pessoa com mobilidade reduzida e não gostaria de ser tratada como uma pessoa "com defeito" ou "aberração". Porque no fim das contas, todos nós amamos, sofremos, é a existência cheia de significados o que nos torna humanos.

Talvez a nossa geração – X, Y ou seja lá qual for a letra, por não ter vivido uma escola inclusiva, tenha dificuldade em ver a deficiência como parte da vida; coisa que essas crianças e adolescentes das duas breves histórias viveram, conviveram e aprenderam.

Laura, Osvaldo e seus colegas, obrigada por tudo!

Laura*

Conheci a Laura durante meu estágio de Educação Especial; precisava fazer 30 horas de observação do trabalho de uma turma de inclusão. Escolhi uma Emei – Escola Municipal de Educação Infantil perto de casa e lá tive o prazer de ver um bom trabalho pedagógico conduzido. Cheguei cheia de dúvidas – as dúvidas eram sobre como se pode fazer um trabalho pedagógico verdadeiramente inclusivo, em que a criança com deficiência tenha as mesmas oportunidades de aprendizado que as demais, claro, com as adaptações que se fizerem necessárias.

Laura entrou na escola com quatro anos, não tinha passado pela creche e nem tinha irmãos; logo estava começando seu processo de socialização com as outras crianças. No começo ela mordia e batia nos colegas, nada muito diferente de mim, ou de muitas crianças, no jardim de infância. A grande questão é que a equipe da escola não tratou Laura com condescendência. Ela não era uma "coitadinha com Síndrome de Down". Era tratada como qualquer criança que, no início da escolarização, morde e briga com os colegas.

Outra observação importante foi a relação de Laura e seus colegas. Não havia uma atividade em que ela não participasse (vão me falar que as pessoas com "Síndrome de Down" são super sociáveis, eu sei); o ponto é que as outras crianças tratavam Laura como qualquer outra, não havia nenhum tipo de discriminação. No começo, quando ela brigava, as crianças sempre tentavam resolver os problemas entre si e, apenas quando pudesse haver algum problema, a professora interferia.

Ela era tratada de forma diferente na medida das suas limitações. Fizemos adaptadores para lápis, canetinha e giz de cera para ajudá-la na preensão em pinça; foi ótimo porque ajudou outras três crianças que estavam com dificuldades. Foi super difícil me despedir da turma e a Laura ganhou um espaço super especial no meu coração.

Osvaldo*

Era o meu primeiro dia de aula como professora, mal consegui dormir na noite anterior e fiz um desjejum de qualquer jeito porque meu estômago estava cheio de borboletas. Parecia que eu teria meu primeiro encontro e de fato era isso mesmo e a ansiedade era justificada, era meu primeiro encontro com minha turma de 32 adolescentes.

Entrei na sala, me apresentei e vi as reações inusitadas da minha turma. Eu tinha 23 anos, com cara de 19. Antes que eles percebessem que não era um trote, que eu era a nova professora, Osvaldo levanta a mão e me pergunta: "Pro, você tem namorado?". Fiquei enrubescida, e a turma caiu na gargalhada.

Ele era um dos meus alunos mais participantes, sua avidez por aprender era quase antropofágica.  Era muito esperto, fingia que não conseguia fazer algumas atividades sozinho para flertar com as colegas mais bonitas.

*Nomes fictícios

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