Maio: todo dia, é dia do trabalho!

No Brasil de outros tempos, como já versou Jorge Ben Jor, “todo dia era dia de índio, proprietários felizes da terra brasilis, mas agora eles só têm o dia 19 de abril”. Parafraseando o poeta, desde os primeiros tempos, todo dia &ea

Para os romanos, na escravidão antiga, maio era a data solene em homenagem às deusas Flora e Maia (simbolizavam o anúncio da primavera na Europa, com os folguedos das flores e cereais, e os tempos de felicidade), um dia sagrado em que se suspendia até o trabalho dos escravos. Durante o feudalismo, em maio, os camponeses realizavam grandes festas para agradecer as colheitas.
Os trabalhadores começaram a construir o Primeiro de Maio[1] quando os movimentos sociais passaram a lutar pela redução da jornada de trabalho; quando fizeram as primeiras greves na história (na França atual, por artesãos, no século XIV). Coincidentemente,  em 1º de maio de 1531, em Lucca, na Itália, aprendizes de artesanato manifestaram-se pedindo a fixação de um salário mínimo e menor tempo de trabalho diário. Quarenta e  oito anos depois,  Felipe II, da Espanha, promulgou um decreto restringindo o trabalho dos mineiros para oito horas diárias.
Em 1819, em Manchester (maior cidade industrial da Inglaterra), manifestações contra a exploração do trabalho, na Praça de Saint Peter, levaram o chefe do governo general Wellington[2] a reprimir o movimento no episódio que ficou conhecido como Massacre de Peterloo. Os canhões provocaram um massacre contra os trabalhadores, mas o movimento conquistou o trabalho de até 12 horas para os menores até 16 anos. Cinco anos depois, as trade unions, já reconhecidas como sindicatos de trabalhadores realizaram a primeira greve na história por jornada de 8 horas.  A partir dai o movimento operário inglês ampliou a luta com reivindicações políticas mais amplas, como o voto universal secreto e as reformas sociais. Em decorrência, em 1847 conquistou a redução da jornada de trabalho dos adultos para 10 horas diárias. Em França, as manifestações operárias que vinham desde a Revolução Francesa, passaram a organizar grandes greves, principalmente a partir de 1830.
Em 1º de Maio de 1886, em Chicago, EUA, patrões e governo reprimiram manifestações de trabalhadores que reivindicavam a redução da jornada de trabalho para oito horas, resultando em vários operários mortos. As manifestações proletárias na cidade resultavam da decisão da Federação dos Grêmios e Uniões Organizadas dos EUA e Canadá[3] e dos Cavaleiros do Trabalho (sociedade secreta) em 1894, de realizar mobilização em todo o território dos EUA pelas 8 horas, na data de 1º de Maio de 1896. O razão mais provável para a escolha da data é que em Nova York e na Pensilvânia, nesse dia era comemorado o moving day, data em que se celebravam ou renovavam os contratos coletivos de trabalho com as empresas. Um ano e meio de preparação  fizeram com que acontecessem manifestações em todo o país. Na data, a palavra de ordem unitária: “A partir de hoje nenhum operário deve trabalhar mais de 8 horas diárias. Oito horas de trabalho! Oito horas de repouso! Oito horas de educação!”.
No Chicago Times, dias antes, vários artigos de caráter terrorista, diziam, que “a prisão e o trabalho forçado eram a única solução possível para a questão social” e que “o melhor alimento que os grevistas poderiam ter era o chumbo”. Em Chicago (principal cidade operária dos EUA), fábricas foram fechadas, os transportes e o comércio paralisaram. Na Avenida Michigan, uma passeata de dezenas de milhares de  trabalhadores, com suas famílias, se deslocou rumo à Praça Haymarket, onde discursaram trabalhadores de diversas nacionalidades. No alto dos edifícios e nas esquinas da Praça, soldados da Guarda Nacional e da Agência Pinkerton[4] vigiavam os trabalhadores, mas a manifestação acabou pacificamente.
Em 3 de maio, a greve continuou em muitas fábricas e estabelecimentos. Na fábrica McCormick Harvester, a polícia disparou como “advertência”, matando seis operários, ferindo cinco e prendendo centenas. No dia seguinte, nova manifestação na Praça Haymarket, para chorar os mortos. Quando a aglomeração começa a dispersar-se, 180 policiais atacaram com violência. Reforços uniformizados chegaram atirando em todas as direções. Até hoje não se sabe o número preciso de mortos.[5] Milhares de trabalhadores foram presos, decretou-se o Estado de Sítio e a proibição de sair-se às ruas. Em outubro, no julgamento dos líderes, alguns foram condenados à morte, outros à prisão perpétua e outros a prisão de quinze anos.
Em 14 de julho de 1889, no Centenário da Revolução Francesa, operários e intelectuais da Europa reuniram-se no Congresso Internacional de Paris. Dia 20, no último dia dos debates, o belga Raymond Lavigne propôs uma data fixa como manifestação internacional dos trabalhadores pela redução da jornada de trabalho para 8 horas e outras reivindicações. Os anarquistas exitaram na data proposta pelos socialistas da Internacional Comunista,  reivindicando o 11 de novembro, dia em que os líderes de Chicago (todos anarquistas) foram executados após o julgamento.
Como o Primeiro de Maio de 1890, para uma manifestação similar, já havia sido decidido pela American Federation of Labor, no Congresso de Saint Loius, em dezembro de 1888, o Congresso da Paris adotou a data como Dia Internacional do Trabalho. Em 1890, grandes manifestações aconteceram por toda a Europa e os EUA. Na América Latina, comemorou-se na Argentina, no México e em Cuba (a maior delas). Engels, na ocasião, em novo prefácio do Manifesto Comunista, escreveu que gostaria de ver Marx vivo para presenciar a unidade dos trabalhadores do mundo. Um ano depois, no Congresso de Bruxelas, a II Internacional adotou a data oficialmente.
No Brasil, há controvérsia da historiografia sobre o início do Primeiro de Maio e suas primeiras manifestações. Em 15 de junho de 1890, no salão do Teatro São José, em São Paulo, aconteceu uma reunião para tentar formar um partido operário, com a reivindicação das 8 horas de trabalho diário. O partido logo desapareceu, mas ficou a luta pela redução da jornada. Em 1891, circulou o único número do jornal 1º de Maio, em São Paulo. Em abril de 1894, na II Conferência dos Socialistas Brasileiros, em reunião de anarquistas e socialistas, também em São Paulo, foram aprovadas as resoluções do Congresso de Paris de 1889 e a comemoração do próximo 1º de maio. Uma denúncia, atribuída ao cônsul italiano da cidade, fez aparecer a polícia e colocou os organizadores do movimento na prisão, por oito meses.
No entanto, Vicente Salles, em Socialismo e marxismo no Grão-Pará, afirma que o periódico Tribuna Operária, que circulava desde 14 de setembro de 1891 e era a voz do Partido Operário do Pará, ligado a II Internacional, chamou para 1892 a organização do Primeiro de Maio. O resultado foi a primeira manifestação violenta da polícia no Brasil contra a comemoração da data, pois na noite de 29 para 30 de abril de 1892, ocorreu o assalto e o empastelamento do jornal operário pela polícia do presidente do estado Lauro Nina Sodré. Levantou-se a suspeita de uma conspiração anti-republicana, espalhando-se o boato de que se preparava para o 1º de maio, um movimento anárquico à semelhança dos que os socialistas europeus estavam promovendo nessa ocasião. Os operários, além de um advogado e seu irmão, foram presos como sediciosos, espancados e colocados incomunicáveis.[6]
Em 1º de Maio de 1895, o Centro Socialista de Santos-SP, existente desde 1889, comemorou a data em local fechado. Até 1906, as manifestações continuaram a se realizar fora das praças públicas. As primeiras em locais públicos se deram neste ano: no Rio de Janeiro, uma grande passeata pelas ruas centrais da cidade; em São Paulo, um comício na Praça da Sé; em Porto Alegre outra passeata. Ainda em 1906 aconteceu o I Congresso Operário Brasileiro, que fundou a Confederação Operária Brasileira – COB, decidindo-se pela luta pelas 8 horas de trabalho, o que marcará o 1º de maio do ano seguinte e dos posteriores.
A partir de 1925, através de decreto do Governo Arthur Bernardes, depois de anos de lutas e repressão sofrida pelos anarquistas, socialistas e comunistas na liderança do movimento sindical e grevista, a data passou a ser reconhecida oficialmente no Brasil. A partir do Governo Vargas os trabalhadores conquistaram uma política social e trabalhista que promoveu reformas e leis que vieram ao encontro das reivindicações dos trabalhadores, no entanto continuava a repressão com violência dos setores mais combativos e políticos dos trabalhadores.  As leis trabalhistas foram uma resposta ao avanço das lutas dos trabalhadores por direitos (muitas greves ocorreram no início dos anos 1930), mas a legislação elaborada na época atrelou os sindicatos ao Estado e proibiu as centrais sindicais, na tentativa de controle da classe operária, criando um Ministério do Trabalho que coordenava ao mesmo tempo a indústria e o comércio.
O Decreto 19.970, de 1931, por sua vez, criou o sistema sindical corporativo através da intervenção estatal nas diretorias, proibição do sindicato exercer atividade política e ideológica, estabelecendo uma estrutura sindical vertical. Em maio de 1932, foi conquistada a  jornada de 8 horas para o trabalho industrial, e em 1934  a lei de férias, então só para sindicalizados oficiais. Em 1939, o enquadramento sindical ao Estado se aprofundou quando foram criados o registro oficial dos trabalhadores nos sindicatos e o imposto sindical. Não é por nada que neste mesmo ano, a ditadura estado-novista inaugurou as comemorações oficiais do Primeiro de Maio, transformando a data em festa, no lugar de um dia de luta e reflexão da classe operária.[7] Em 1943, finalmente, foi criada a CLT, firmando a estrutura sindical vertical. Toda esta legislação não impediu que mesmo durante o Estado Novo, greves eclodissem e aprofundassem em 1945.[8]
Grandes manifestações de Primeiro de Maio ocorreram entre 1945 e 1964, mas após o Golpe Militar, a proibição das greves e a repressão foram transformando novamente a data em um dia exclusivo de festa dos trabalhadores. No entanto, nos anos finais da Ditadura pós-64, com o retorno da ação e da lutas por direitos e por democracia, em todo o País, panfletos clandestinos, manifestações, passeatas, atos públicos, etc., passaram a marcar mais uma vez o Primeiro de Maio no País. Também na década de 1980, os Primeiros de Maio no Brasil, em especial no seu Centenário,  foram organizados com grandes manifestações públicas.[9]
Nos dias de hoje, no entanto, para algumas correntes do movimento operário, o dia de luta tem ganhado outras dimensões: para alguns,  dia de manifestação religiosa, em especial de romarias: para outros, dia de festa, com sorteios de prêmios, shows de artistas famosos, etc., através de financiamento de grandes empresas multinacionais.
Com o avanço do neoliberalismo no Brasil e o refluxo de setores significativos do movimento operário e sindical, poucos têm mantido a data como um dia de luta em defesa dos direitos sociais dos trabalhadores, conquistados por anos de lutas, em defesa da legislação trabalhista, da previdência social, do direito de greve, da liberdade sindical, etc. O Primeiro de Maio tem se tornado, mais recentemente, um dia de lutas políticas e econômicas: contra o neoliberalismo, a globalização e a Alca, pela paz e contra a guerra; contra a retirada ou flexibilização dos direitos dos trabalhadores,  por mais empregos e melhores salários, na defesa dos serviços públicos, da reforma agrária e contra a política econômica monetarista.
Neste contexto, ganha importância fundamental as propostas de reformas sindicais e trabalhistas, apresentadas desde o Governo FHC[10] e mantidas na pauta do Governo Lula. Através de óticas neoliberais, visando desregulamentar o mercado de trabalho, nivelando por baixo as suas regras, a pressão do FMI, da OMC e do Banco Mundial, como dos empresários, busca a pretensa “modernização” das relações entre capital e trabalho, na conjuntura  de defensiva da luta dos trabalhadores.
Ataques à legislação trabalhista e à Justiça do Trabalho, buscando relegar para fóruns privados a resolução dos conflitos trabalhistas, significam um recuo no plano jurídico e social da proteção do trabalho. Quanto mais desorganizados os trabalhadores, maior a intenção de suprimir os direitos sociais e trabalhistas. Neste sentido, apresenta-se a reforma sindical, ante-sala da reforma trabalhista.
Para este enfrentamento, que não é só local ou nacional, exige-se a renovação e o fortalecimento do sindicalismo classista, com maior inserção no movimento real dos trabalhadores e uma definição clara de que projeto se quer para o Brasil, com valorização do mundo do trabalho e um movimento sindical organizado em torno da grande política no rumo de transformações estruturais, com autonomia, sem oposição simplista nem adesismo imediato ao governo atual.
Neste sentido, devem ser ampliados os atos políticos contra o caráter regressivo da Reforma Sindical do Governo Lula[11], a qual provoca profundas modificações na organização sindical e, em conseqüência, nas relações de trabalho, com prejuízos para os trabalhadores. Este é um dos horizontes para o proletariado, a partir da sua unidade de classe, no rumo da sociedade em que todo dia será dia do trabalho.
Notas
[1] As referências históricas aqui apresentadas são extraídas de ROIO, José Luiz del. A história de um dia – 1º de maio. São Paulo, Ícone, 1998. Del Roio, brasileiro de nascimento,  se elegeu senador na Itália pelo Partido da Refundação Comunista nas eleições de 2006.
[2] Wellington comandara a vitória sobre Napoleão na Batalha de Waterloo.
[3] Futura AFL – Association Federation Labory ou Federação Norte-Americana do Trabalho.
[4] Irmãos Pinkerton, milícia privada formada por marginais e ex-presidiários, famosa pelos métodos selvagens utilizados na repressão.
[5] Fala-se em 38 operários mortos e 115 feridos, mas sabe-se que muitos corpos foram enterrados escondidos.
[6] Ver sobre em SALLES, Vicente. Polícia reprime protesto do 1º de Maio de 1892, no Pará. In. Debate Sindical. Ano 11, nº 25. São Paulo, CES, jun. a ago. de 1997, p. 46-9.
[7] Em 1939, no lotado estádio do Vasco da Gama-RJ, com a presença de Getúlio Vargas.
[8] Sobre as greves de 1945, cf. KONRAD, Glaucia Vieira Ramos. Os trabalhadores e o Estado Novo no Rio Grande do Sul: um retrato da sociedade e do mundo do trabalho (1937-1945). Tese (Doutorado). Campinas: IFCH-UNICAMP, 2006, especialmente p. 263-326.
[9] Cf. RUY, José Carlos e BORGES, Altamiro. Centenário da heróica luta do 1º de Maio. In. Debate Sindical. Ano 1, nº 1. São Paulo, CES, 1986, p. 4-11.
[10] Sobre isto ver BORGES, Altamiro. A regressão do trabalho na “era FHC”. In. Debate Sindical. Ano 16, nº 44. São Paulo, CES, set. a nov. de 2002, p. 7-10.
[11] A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 369 trata da reforma sindical brasileira. Sobre ela, o vice-presidente da CUT Wagner Gomes se manifestou, afirmando que “o principal ponto de divergência é restrição do direito de greve que figura na reforma; outro ponto de discordância profunda é aquele que prevê que o negociado passa a prevalecer sobre o legislado. Mas há outros, igualmente importantes. A reforma, em nossa opinião, estimula a fragmentação e o caos no sindicalismo, possibilita a criação de entidades biônicas, não garante e distorce a organização no local de trabalho, cria perigosos mecanismos de atrelamento ao Estado, despreza os direitos dos servidores públicos, inviabiliza o dissídio e privatiza as negociações e antecipa a flexibilização trabalhista. Por isso, o projeto não contempla os interesses da classe trabalhadora e constitui séria ameaça de retrocesso para o movimento sindical”. Cf. http://www.vermelho.org.br/diario/2005/0315/0315_wagner.asp. Acesso em 1º mai. 2006.

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