Não há como dizer “Deus lhe pague”

Perdendo fiéis e com dificuldades de agregar novos, a Igreja desrespeita a laicidade do Estado ao exigir que seus dogmas virem leis!

A primeira Campanha da Fraternidade foi em 1962, em Natal (RN). Inspirada em ação similar da Alemanha, a “Miserior” (Misericórdia), visava incutir senso de solidariedade e arrecadar bens materiais para miseráveis e pobres. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) abriu mão do propósito original e hoje, por ordem do Vaticano, a 45ª Campanha da Fraternidade se fundiu à articulação Brasil Sem Aborto – amálgama de Frente Parlamentar Contra a Legalização do Aborto, Frente Parlamentar em Defesa da Vida: Contra o Aborto e redutos fundamentalistas de diferentes extrações religiosas, incluindo “bioeticólogos religiosos” (um escândalo filosófico-político que de bioética nada tem!).


 


A 45ª Campanha da Fraternidade, lançada na Quarta-feira de Cinzas, cujo tema é “Fraternidade e defesa da vida”, é parte da cruzada mundial do Vaticano contra a ciência e a vida das mulheres e, contraditoriamente, sob o lema “Escolha, pois, a vida”, está centrada no ataque ao direito ao aborto e à pesquisa com células-tronco embrionárias no Brasil. Pode o Vaticano se imiscuir em assuntos internos de um país? E no território dos corpos femininos? Em tese, poder não pode!


 


Porém, o governo permite, ao fazer vistas grossas à intolerância praticada contra o Estado laico. Dom Odilo Scherer disse que “Se for necessário, a Igreja Católica agirá, politicamente, para impedir a aprovação, no Congresso, de projetos de lei que legalizem o aborto, a eutanásia e o uso de embriões em pesquisas científicas”. Ora, agirá? Terá perdido o senso? E o lenço? A Igreja Católica faz política há mais de dois milênios. Assim acumulou patrimônio material incomensurável, vendendo indulgências e se aliando a qualquer governo que ofereça benesses materiais para os príncipes da Igreja.


 


Desde sempre. Dom Dimas Lara Barbosa, secretário- geral da CNBB, no lançamento da campanha, foi enfático na intolerância à laicidade do Estado: “Está no nosso horizonte, num segundo momento, lutar para revogar a permissão legal do aborto nos casos já permitidos”. Pense numa arrogância desmedida! Revogar os dois permissivos legais para o aborto, que datam de 1940? É desaforo demais para que o governo faça ouvidos de mercador. Perdendo fiéis para outras religiões e com dificuldades de agregar novos, a Igreja Católica desrespeita a laicidade do Estado ao exigir que seus dogmas virem leis! Grita e esperneia que vai “pintar e bordar”. Em suma, faz chantagem tentando acuar o governo e o parlamento. Espero que o presidente Lula não tenha medo de excomunhão, na prática um conto de carochinha, como a venda de indulgências. Nada de-maaaais, presidente, enfrente!


 


Em janeiro, o cardeal colombiano Alfonso Lopez Trujillo, presidente do Pontifício Conselho para a Família, foi designado por Bento 16 para uma turnê mundial contra o aborto, em defesa da vida – a ação, iniciada na América Latina, passará pela América do Norte, África, Oriente Médio e terminará na Europa -, com encontros oficiais “com chefes de Estado e de governo, líderes políticos e culturais”, para “convencer os governantes sobre a importância de decretar uma moratória contra o aborto, a exemplo da que foi aprovada pela ONU no início deste ano contra a pena de morte”. A “turnê” começou aqui.


 


Além da Campanha da Fraternidade, dia 6 começou o 1º Congresso Internacional em Defesa da Vida, em Aparecida (SP). Dia 20 de fevereiro tem mais! O Congresso Nacional sediará o 1º Encontro Brasileiro de Legisladores e Governantes pela Vida, prévia do 1º Encontro Mundial de Legisladores e Governantes pela Vida (Madri, Espanha, 2008). Quem banca o turismo parlamentar antiaborcionista? Fico pasma com o mimetismo da Igreja ora ser Estado e ora ser religião, conforme sua santíssima vontade! A desfaçatez é tanta que não há como dizer “Deus lhe pague” pra essa gente!

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor