O desmonte e a resistência brasileira na plataforma internacional

Os brasileiros e brasileiras, partidos, intelectuais e diversas entidades mobilizam-se, contando com ampla solidariedade internacional, para o reforço da luta contra o golpe e o retrocesso histórico imposto por um governo ilegítimo e antipopular e, em específico, pelo direito do ex-presidente Lula de concorrer às eleições.

A crise política no Brasil e a resistência aos seus desdobramentos inserem-se em uma conjuntura nacional e internacional que é preciso desvendar, no esforço de avançar alternativas e romper o cerco midiático no país e no exterior, onde movimentos diversos somam-se à nossa luta.

Ansiosos pela mudança de curso que transformasse a história de submissão aos interesses das potências hegemônicas, do capital financeiro internacional e das elites nacionais, há quase duas décadas, os latino-americanos e caribenhos têm tido que defender, com todo o seu ímpeto, as conquistas e os projetos de construção da alternativa.

Mas esta alternativa, de afirmação soberana, desenvolvimento justo e ação solidária, tem sido combatida como ameaça aos interesses das potências e aos privilégios dos até então incontestáveis donos do poder, assim como contraposição efetiva ao modelo neoliberal também considerado absoluto.

Neste quadro, recordamos que a ingerência estadunidense na configuração geoestratégica regional se exemplifica com a reativação da Quarta Frota da Marinha dos EUA, em 2008, sem notificação aos governos latino-americanos e caribenhos, atuando no Atlântico Sul. Isso ocorreu após o Brasil anunciar a descoberta do gigantesco campo de petróleo, em 2007, e das acumuladas nacionalizações pela Bolívia, como a de hidrocarbonetos, em 2006, e pela Venezuela, como a da faixa do Orinoco, uma das maiores reservas petrolíferas do mundo, em 2007 — confrontando os interesses estrangeiros. Fica claro também em discursos e políticas de sucessivos governos que o acesso aos recursos estratégicos será garantido através da ingerência ou da força, se necessário for.

A presença estadunidense também se exemplifica com a disseminação de dezenas de bases militares na região, inclusive nas proximidades da tríplice fronteira entre Argentina, Paraguai e Brasil, região do Aquífero Guarani, que está entre os maiores mananciais do mundo, com 1,2 milhão de km2 – cerca de 840 mil deles, em território brasileiro. E ainda, com o convite às forças norte-americanas para participarem dos exercícios militares trans-amazônicos em novembro de 2017. O chamado AmazonLog foi realizado nos moldes de exercícios de 2015 da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), com foco em logística, sob pretextos como a preparação para a resposta a desastres humanitários e ao fluxo de migrantes e refugiados – inclusive reproduzindo a política que trata de questões humanitárias como se fossem “ameaças securitárias”.

No ímpeto entreguista, em 2016, o Congresso aprovou a Medida Provisória 727, que foi transformada em Lei em setembro do mesmo ano; estava criado o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), para “oferecer garantias” a investidores privados em projetos de infraestrutura. A Lei abarca o Programa Nacional de Desestatização, lançado na década de 1990, tendo entre seus objetivos primordiais “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público”. Vale-se ainda da mesma cantilena da “reestruturação econômica” e a “redução da dívida pública” vista nas páginas dos jornais atuais.

Ainda em 2016, já se denunciava o avanço de negociações com empresas como a Nestlé e a Coca-Cola e a inclusão do Aquífero Guanani na lista de bens públicos privatizáveis. Ambicioso, Temer participará no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, para ofertar o Brasil (seu discurso, no dia 24, poderá ser acompanhado pelo site do evento), enquanto Lula estará no tribunal e os brasileiros e brasileiras, nas ruas.

Aliás, a notícia da comitiva de Temer, composta ainda pelos banqueiros do Itaú e do Bradesco, pelo prefeito de São Paulo, João Dória, e pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é dada pelo Globo neste domingo (21) entoando a lista de “desafios” enfrentados pelo governo, quando uma agência do Deus mercado, a Standard & Poor’s, puniu o Brasil rebaixando a nota do país — “porque o governo não conseguiu aprovar propostas importantes para o reequilíbrio das contas públicas, especialmente a reforma da Previdência” — e “projetos importantes, como a privatização da Eletrobras, enfrentam entraves judiciais”.

Entregando o Brasil para ficar à sombra

Custa acompanhar a gama de acordos recônditos e promessas de lealdade antipatrióricas, não mandatadas popularmente, como os promovidos pela oposição reacionária na Venezuela ou pelo governo golpista do Brasil, com seu balcão de negócios.

Como descreveu recentemente o diplomata Samuel Pinheiro Guimarães, as forças retrógradas instaladas no governo têm como o seu grande projeto para a política externa do Brasil uma atuação de perfil baixo, submissa à agenda estadunidense, na completa contramão de uma política antes pautada pela solidariedade e a defesa da soberania nacional, de abertura de espaços de cooperação e a construção de alternativas a um sistema internacional monopolizado pelas potências hegemônicas e as agências financeiras, por sua vez comprometidas com a consolidação do sistema neoliberal como única opção para a humanidade.

Lula virou o símbolo de um processo que mostrou ao povo brasileiro ser possível se libertar das imposições das potências hegemônicas, assumir um papel positivo no cenário internacional e iniciar uma série de transformações sociais que enfrentariam séculos de exclusão e miséria.

É por isso também que Lula é o principal alvo da perseguição e da ofensiva midiática contra toda a esquerda e pela alienação política, uma perseguição disfarçada de processo judicial e este, amplamente condenado por juristas de todo o mundo pelas incontáveis irregularidades e pela violação dos direitos civis e políticos do ex-presidente. Não chega para descrevê-la nem mesmo o termo lawfare tão em voga – creditado, na ciência política, ao general estadunidense Charles Dunlap, que o cunhou em 2001 para desclassificar os opositores das guerras dos EUA e o recurso ao direito internacional para denunciar seus crimes, recurso considerado uma tática ofensiva, pela liderança imperialista, por aqueles que não dispõem da força para ou da inclinação a uma confrontação direta.

Mas a resistência a esse cenário assombroso que se materializa com inédita rapidez cobra força em um momento em que fica mais claro o contexto histórico mundial em que se enquadra. A ofensiva imperialista de um modelo em decadência relativa – também mais exposto desde a chegada de um chauvinista beligerante como Donald Trump à Presidência dos EUA – é a base de sustentação das forças reacionárias e crescentemente fascistas que se instalam ou avançam agressivamente por diversas regiões do planeta. É preciso deixar esse fato exposto para também avançarmos na articulação de uma luta comum e urgente pela humanidade, pela retomada dos processos de transformação que vinham sendo construídos e pela consolidação daqueles ainda em gestação.

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