O "valor" da molecada

Em tempo de Copa São Paulo de Futebol Júnior e Sulamericano Sub-20, ao passo que admiramos nossa nova geração de craques, chamamos tais torneios de “vitrines” para os jovens talentos do futebol brasileiro. Tanto para os empresários da bola, que observam os garotos como mercadorias, como para os próprios jogadores. E diante desta coisificação dos jogadores, agita-se o mercado.

Não é novidade que o mundo, desde a queda do muro de Berlim e o fim do bloco soviético, sofre com a avalanche de capitalismo que se abateu sobre o mesmo. A década de 80 marcou o início deste processo, e a de 90, sua consolidação. O pensamento único hegemônico forma, desde então, gerações que não possuem outro referencial político-histórico.

E esta primeira geração pós-fim da URSS agora está em campo. Uma geração que é cotidianamente ensinada a pensar primordialmente em si, em detrimento do coletivo, e ter no acúmulo de dinheiro e fama a possibilidade de emergir de sua invisibilidade social.

No futebol de hoje, cada drible, cada gol, cada passe é avaliado em cifras. E estas crescem em progressão geométrica no mercado da bola. Nada mais atraente para garotos que crescem nas favelas brasileiras, cujas necessidades podem, de um dia para o outro, passar de um simples prato de comida, para o carro mais badalado do momento.

A independência financeira, o sustento da família e a garantia de uma aposentadoria tranquila há muito deixaram de ser aspirações dos craques. Hoje, diante dos valores que movimentam, somente a satisfação de inúmeros interesses que excedem o futebol pode alimentar toda essa engrenagem. Eles são investimentos, e como tal, devem dar retorno financeiro aos clubes e/ou empresas que financiam tudo isso. Recebem bastante por isso, mas rendem muito mais aos investidores.

E diante dessa encantadora roda, eles mesmos se entregam. Colocam suas vidas nas mãos de procuradores e empresários, com autorização para traficá-los pelo mundo da bola. Com a anuência de pais tão inebriados quanto desesperados.

No curto ou médio prazos, não existe perspectiva de uma alteração significativa deste cenário. Mas o surgimento de um craque que fosse, com alguma consciência de sua condição, que rompesse com o pensamento médio da sua categoria, seria o suficiente para abalar as estruturas do mercado da bola. Se não muda nada, pelo menos nos faz refletir um pouco mais.

E refletir, neste momento histórico, chega a ser quase revolucionário.

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