Obrigado Pela Sua Obra, Eric Hobsbawm!*

Em primeiro lugar, estou preocupado com os usos e abusos da História, tanto na sociedade como na política, e com a compreensão, e espero, transformação do mundo (Eric Hobsbawm, em Sobre História)

Primeiro de outubro de 2012, cerca de oito horas da manhã, recebo a notícia da morte de Eric John Ernest Hobsbawm. A sensação é como se algo muito importante fosse arrancado do cérebro, uma espécie de vazio intelectual.

Como historiador em formação na década de 1980 deveria ter começado como muitos, lendo Hobsbawm pela sua trilogia das Eras, que se tornaria tetra após a Queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética. Não! Comecei pelos volumes de História do Marxismo.

Ali, aprendi com Hobsbawm, que o marxismo foi a “escola teórica que teve a maior influência prática (e as mais profundas raízes práticas) na história do mundo moderno”, além de ser um “método para, ao mesmo tempo, interpretar e mudar o mundo”.[1]
Foi a práxis que me levou a estudar o que Hobsbawm chamou mundos do trabalho. Queria saber no rincão que adotara, Santa Maria, a história dos trabalhadores.

Com Hobsbawm, vi que seria impensável ver a história local ou regional como se não fosse parte do processo histórico universal. Assim, estudar os trabalhadores significava estudar uma classe e “a relação entre a situação em que tais classes se encontram na sociedade e a ‘consciência’, os modos de vida e os movimentos que elas geraram”. Estudar e compreender as classes não teria sentido se não também não entendêssemos que “a história de qualquer classe não pode ser escrita se a isolarmos de outras classes, dos Estados, instituições e ideias que fornecem sua estrutura, sua herança”.[2]

Antes disso, com os ensaios de Os Trabalhadores, já havíamos visto com Hobsbawm que a história das “classes trabalhadoras” ia muito além de suas organizações e movimentos trabalhistas, quando o historiador estudou seus padrões de vida, a situação e as condições de trabalho nas fábricas, os costumes, os salários, a carga de trabalho e as tradições do “mundo do trabalho”. Mas, diferente de certos modismos culturalistas da história do trabalho, Hobsbawm nunca abandonou os movimentos e organizações dos trabalhadores, desde as revoltas camponesas, os “rebeldes primitivos” e os “bandidos”, passando pelos destruidores de máquinas, os sindicatos de trabalhadores e seus partidos políticos.[3]
Nascido em Alexandria, Egito, no ano da Revolução Soviética, um ano antes do centenário de Marx, Eric Hobsbawm foi reconhecido em sua morte como um dos maiores intelectuais do século 20 que ele tanto estudou.

Não foram poucos os seus projetos. O que extrapolou o mundo da academia sintetizou, numa das mais profundas reflexões dialéticas do materialismo histórico, o entendimento do que chamamos tradicionalmente de mundo contemporâneo, de 1789 para cá. Nos títulos dos quatro volumes está implícito o verdadeiro intento de Hobsbawm, como bom marxista que era: entender o tempo das revoluções burguesas e o nascimento das lutas pelo socialismo; compreender a consolidação do capitalismo e, assim como Lênin, a sua fase superior, o imperialismo; estudar a essência da luta de classes no século XX, entre as crises do capitalismo e as primeiras experiências do socialismo, nos tempo dos extremos. Traduzido em mais de quarenta línguas, com em História Social do Jazz, sua escrita ganhou milhões de leitores, admiradores e seguidores, ávidos por qualquer obra sua lançada a público.

Seu último livro, lançado no Brasil, em 2011, Como Mudar o Mundo. Marx e o Marxismo, 1840-2011, trouxe novos ensinamentos para prosseguir com Marx e o marxismo. Entre eles, ao escrever sobre o longo século XX e o trabalho, analisando as experiências socialistas, a crise atual do capitalismo e os defensores deste modo de produção e sua ideologia, Hobsbawm asseverou:

Paradoxalmente, ambos os lados têm interesse em voltar a um importante pensador cuja essência é a crítica do capitalismo e dos economistas que não perceberam aonde levaria a globalização capitalista, como ele [MARX] previra em 1848. (…) Mais uma vez, fica patente que, mesmo no intervalo entre grandes crises, o ‘mercado’ não tem nenhuma resposta para o principal problema com que se defronta o século XXI: o fato de que o crescimento econômico ilimitado e cada vez mais tecnológico, em busca de lucros insustentáveis, produz riqueza global, mas às custas de um fator de produção cada vez mais dispensável, o trabalho humano, e, talvez convenha acrescentar, dos recursos naturais do planeta. O liberalismo econômico e o liberalismo político, sozinhos ou combinados, não conseguem oferecer uma solução para os problemas do século XXI. Mais uma vez chegou a hora de levar Marx a sério.[4]

Como o grande historiador que nos deixou, continuaremos levando Marx a sério, muito a sério. Os historiadores marxistas agradecem sua obra, Eric Hobsbawm!

** Esta é uma versão reduzida do artigo “ERIC JOHN ERNST HOBSBAWM: valeu!”. Disponível em: http://marxismo21.org/

* Professor Adjunto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP.

Notas

[1] Ver HOBSBAWM, Eric (org.). Prefácio. História do marxismo. O marxismo no tempo de Marx. Vol. 1. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p. 12.

[2] HOBSBAWM, Eric (org.). Prefácio. In. ________. Mundos do trabalho. Novos estudos sobre história operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 11-12.

[3] Ver estas temáticas no Sumário e nos respectivos artigos de Os trabalhadores: Estudos sobre a história do operariado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. Cf. também Rebeldes primitivos. Estudo sobre as formas arcaicas dos movimentos sociais nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1970; Bandidos. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1976.

[4] Ver: HOBSBAWM, Eric. Marx e o trabalhismo: o longo século. In. ________. Como Mudar o Mundo. Marx e o Marxismo, 1840-2011. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 375.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor