Sampa e seu crepúsculo dolorido

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O crepúsculo nas ruas do centro de sampa é dolorido. Uma febre agita as pessoas e as buzinas na 7 de abril com a São João ecoam por quarteirões a fio, posso ouvir daqui. O sol, que ardia há pouco, reclama da sua queimadura nas costas e com a cara cor de laranja se esfrega nos arranha-céus, caindo de cansaço de tanto esquentar o dia.

A penumbra cai vertiginosamente sobre as pessoas formiguentas e tagarelas. Tudo range. Tudo se apressa, como num presságio de vento e chuva e frio. Os ratos se agitam no subterrâneo dos bueiros. Se parasse para olhar nas grades de ferro espalhadas pelas calçadas e ruas, veria no meio do lixo cheirando mal, a ansiedade da espera da noite. A poeira da cidade, sempre em contrução, vai assentando-se pelas frestas e buracos, sempre abertos, sempre abrindo-se.

O crepúsculo na minha cidade é assim imediato. A luz difusa esparrama um cinza sobre a feiura que logo mais vai se maquiar com as cores da noite. Minha cidade incansável vai enxotando seus transeuntes e se preparando para receber as luzes tramadas pelos homens. Vai se enfeitar como para uma festa, pois que ela não para não. Então, se tornará outra, mais bela. Os copos vão tilintar brindes por aniversários sem fim e a noite virá desfilar seus mistérios pelas ruas mais vazias, rebrilhar a lua sobre seus rios poluídos.

A noite urge. E cheia de história e pressa, desaba-se sobre o crepúsculo fugáz da minha querida cidade.

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