Sobre Osvaldão

No documentário, uma das primeiras coisas que sabemos foi que Oswaldão, nascido em Passo Quatro, MG, fora campeão de boxe no Rio de Janeiro. Um de seus parceiros de lutas e de classe no internato, numa linguagem direta e própria do combate diz: “o gigante negro Osvaldo soltava a canhota ameaçando o oponente com um jab, no que o movimento ocorria, o desafiador se afastava para a direita e, caso abrisse a guarda, levaria um upper no queixo, podendo, mesmo em treino, apagar por ali, nocauteado”.

E passada pouco mais uma hora de todo o documentário, o espectador assim se sente: nocauteado.

Mas o elogio, que não é nem um pouco desmedido visto a quantidade de informação e de recortes que abundam no filme, escapa do mero encantamento em alguém que, digamos, conhecia um pouco do tema, afinal outros filmes e livros sobre o assunto já trouxeram para o presente todo o drama. O elogio, porém, é dirigido aos diretores e produtores pela rapidez e agilidade do documentário, que de início se apresenta quase ficção, e em seguida acelera pelo documentarismo de qualidade e, novamente, riquíssimo em detalhes e cenas, assim como entrevistas, reais e muito surpreendentes.

Não há como sair indiferente à história do Osvaldão e da Guerrilha do Araguaia, simplesmente não há. Quando ainda estão a apresentar a trajetória que levou o herói do filme ao status de comandante da Guerrilha, surgem, feito matrioska, as cenas de um breve documentário sobre os estrangeiros que estudavam na Tchecoeslováquia dos anos 50. E eis o segundo choque, ou outro golpe forte e indefensável, é o próprio Osvaldão em preto e branco, com pinta de ator de cinema, a falar tcheco e a exibir-se diante da câmera com impensável desenvoltura, inclusive dançando.

Num outro momento, quando a questão da luta armada no Araguaia está planteada, aparecem os depoimentos de gente que lutou com o homem. E mais, gente que apesar da aparência sofrida e simples, fala com desenvoltura e conhecimento que leva o espectador a se perguntar: como pode ainda ter alguém assim? Como os inimigos e o tempo não calaram esses homens? Gente que carrega em cada palavra a presença viva da história?

Mas eles não conseguiram, só não conseguiram, como terminaram favorecendo o aparecimento do mito Osvaldão. O problema é que a ditadura, essa vaca prenha do fascismo, ao assassinar e torturar com crueldade os guerrilheiros e a gente simples do Araguaia, ao esfalfar-se na busca e no assassínio de Osvaldão, terminou por proporcionar um novo exército de Osvaldos. Gente destemida, que quarenta anos depois entende a Guerrilha do Araguaia como um ato do mais legítimo e necessário heroísmo. O que, para os inimigos do povo, tornou-se um problema que possivelmente jamais conseguirão superar, a não ser quando se darem por vencidos em definitivo. Nocaute.

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