Túiú. Lá vem trem

O Brasil foi pioneiro no mundo das ferrovias. O apoio de D. Pedro II, o empreendedorismo de gente como o Barão de Mauá e as máquinas e trilhos ingleses deram conta de grandes feitos, já no século 19. Nas últimas décadas do século passado, porém, as ferrovias brasileiras foram, em grande parte, jogadas na sucata. O Brasil saiu dos trilhos.

Mas Lula retomou a ferrovia como modalidade essencial de transporte e Dilma diz que vai dar mais prioridade ainda. Promete 6.000 km de novas vias. Mais de um século depois, o Brasil refaz a epopéia da estrada de ferro, estedendo trilhos por todos os cantos. É repor o que começou a ser devastado pelo regime militar e FHC completou.

A gente não está vendo direito. Aliás, nem se acredita. Mas o complexo ferroviário brasileiro está tomando jeito. E, de fato, tudo indica que em menos de uma década voltaremos a ter uma malha respeitável, transportando cargas e pessoas, com trens modernos, sobre bitolas largas, que permitem maior velocidade e melhor segurança.

A privatização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) foi um suntuoso fracasso. Empresas assumiram ferrovias a preço de banana e o que fizeram foi retirar trilhos para usar na indústria siderúrgica. Como sucata, portanto. Por falar em preço de banana, foi assim que o governo FHC privatizou a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), hoje apenas Vale.

O preço de venda foi inferior ao valor dos 17 navios transatlânticos que a empresa tinha, ignorando seu enorme parque mineral e um vasto patrimônio, de tratores a aviões, edifícios e, é claro, ferrovias.

A Vale assumiu três complexos ferroviários já existentes e incorporou o da Ferrovia Norte-Sul, que corta o Brasil em linha paralela à rodovia Belém-Brasília. O projeto é o original, iniciado no governo José Sarney e interrompido por ação judicial que investigava superfaturamento. A justiça tem mecanismos para punir supostos ladrões metidos nos contratos sem parar obras. Mas acaba fazendo o jogo de quem não quer a obra, mesmo que seja a indústria automobilística.

Mas a Vale assumiu também linhas que estavam em pleno funcionamento, como Ferrovia Carajás, que liga o projeto mineral do sul do Pará aos portos do daquele estado e do Maranhão. Sem essa ferrovia o projeto Carajás não seria o que é. Outra é o complexo de Minas Gerais, atual Ferrovia Centro-Atlântica, que transporta minérios e outras cargas até o porto de Vitória, no Espírito Santo, e cuida das chamadas linhas turísticas para as cidades históricas de Minas.

Vale lembrar, mesmo de raspão, a história da ferrovia no Brasil. Há a parte em que a engenharia se destaca, como nas linhas Curitiba/Paranaguá e São Paulo/Santos, obras que transpõem a Serra do Mar. Em outras, como a Madeira/Mamoré, onde hoje é Rondônia, o que se realça é a ousadia. A ferrovia começou a ser construída em 1907, enfrentou os problemas da floresta amazônica e só foi concluída em 1912.

A Madeira/Mamoré serviria para dar acesso à Bolívia ao Oceano Atlântico, via rios Madeira e Amazonas, escoando também o látex explorado em território brasileiro. Mas, quando foi concluída, a Bolívia já tinha outras saídas, principalmente por território da Argentina. E o custo operacional tornou o frete muito caro, de modo que a “estrada que vai do nada a lugar nenhum”, como se dizia à época, viveu precariamente até parar, em 1972. Agora, volta a funcionar, com fins turísticos.

Quem concluiu a Madeira/Mamoré foi o empresário americano Percival Farquhar, magnata que operava na Amazônia, na área da borracha. Depois, abriu asas. E aí entra outro tipo de ferrovia, o dos conflitos sociais. Farquhar ganhou a obra da ferrovia São Paulo/Rio Grande, que gerou a Guerra do Contestado, em Santa Catarina, onde morreram 20 mil pessoas entre 1912 e 1916.

Pelo contrato, o governo brasileiro cedia 15km em linha reta em cada lado dos trilhos para Farquhar retirar madeira e fazer o que quisesse, enfim. Só se esqueceram que nessa faixa, além de índios, havia outras populações tradicionais, que pegaram em armas contra a ferrovia. O resultado, para dar fim à guerra, foi a primeira (e única) reforma agrária verdadeira do Brasil.

Ou seja, a retomada da ferrovia ressuscita muito da história do Brasil. Mas o principal, no fim de contas, é que o País retoma o eixo. O chamado transporte intermodal, em verdade, tinha virado frangalhos. A cabotagem marítima é um exemplo. Outro: o transporte aéreo é centralizado, com fraca presença regional. De Brasília, é fácil chegar a Paris ou Miami, mas a Cuiabá é difícil. Ao interior, nem se fala.

Também as grandes hidrovias, sem entrar nos aspectos ambientais, em boa parte estão impedidas por barragens sem eclusas. E aonde os barcos chegam, os portos são precários.

Na parte de dutos, quase tudo sob a responsabilidade da Petrobrás, há avanços consideráveis. O gás da Bolívia pode estar aí no seu fogão. E vem de novo, então, a questão do controle estatal.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), portanto, terá que agir firme para que o trem apite.

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