Viagens ao teto

*

Dorberto, um poeta amigo meu, escrevendo sobre esse assunto, me fez lembrar dessa minha aventura em desuso há tempos que é analisar o teto do quarto. Apurando os olhos vai-se distinguindo as imperfeições, invisíveis a olho nú, do cimento e dos movimentos imperceptíveis da trincha ao pintar, sempre de branco os nossos tetos. Na ociosidade dessa contemplação, é preciso aprofundar as possibilidades. Há que se ter um tempo eterno parado dentro dos minutos e não ve-los passar aos segundos e sim aos séculos. O homem da caverna já fazia esse exercício. A luz bruxuleante de sua fogueira projetava no teto e nas paredes os animais a serem caçados dentre os mistérios da noite. Depois de tudo explorado aos detalhes, há que se esticar na cama e deslizar com a cabeça até deixá-la pendurada. De cabeça para baixo consegues imaginar que o teto é o chão e o chão é o teto. Colocar seu mundo de cabeça para baixo não é fácil, é um exercício capcioso que reedita toda a compreensão que se tem do mundo. Assim, a lâmpada ilumina de baixo para cima e há que pular as portas. O teto é carregado de objetos que a qualquer momento podem cair-lhe à cabeça… tens que andar descalço pois o piso é todo branco meu amor. As janelas são baixinhas e tens que exercitar andando além do quarto… além do hall… além das escadas… até passar os portões da rua e ganhar, então, o céu!

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho