''Viajar pelo Brasil é como mover-se entre dois planetas''
Pai Tomás é um estereótipo de escravo submisso. O jornal fez um insulto racista a Obama. A pergunta é: a fé bandida do racismo será extinta?
Publicado 11/06/2008 20:22
A frase-título expressa com fidelidade nosso cotidiano. É do senegalês Doudou Diène, relator especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo e discriminação racial, em missão no Brasil em 2005, da qual resultou um relatório contundente do que viu e ouviu falar. De suas análises e conclusões destaco: ''Após ter reunido e analisado visões e informações das partes envolvidas, o relator especial concluiu que o racismo e a discriminação racial são realidades profundas no Brasil.
O embasamento do sistema escravista em pilares intelectuais e ideológicos racistas, descrevendo os africanos escravizados como cultural e mentalmente inferiores, com o fim de legitimar seu status de bem econômico (conforme definido pelos 'códigos negros'); e a organização legal da escravidão pelos poderes europeus têm exercido profundo impacto nas mentalidades e nas estruturas sociais de todos os países do hemisfério, incluindo o Brasil, que recebeu 40% dos africanos escravizados (parágrafo 63).''
''O relator especial percebeu que manifestações do legado histórico do racismo e da discriminação racial ainda predominam na sociedade. A mais nítida é a quase identificação da marginalização social, econômica e política com o mapa das comunidades discriminadas de índios e afro-descendentes, demonstrando a persistência de racismo e discriminação social estrutural e sistêmica. Viajar pelo Brasil é como mover-se simultaneamente entre dois planetas, o da alegre mistura de raças das ruas e aquele dos quase exclusivamente brancos corredores do poder político, social, econômico e midiático (parágrafo 64).''
''O racismo e a discriminação racial são mais profundamente culturais e de natureza histórica, tocando na questão central da identidade nacional. O relator especial registrou, com preocupação, a ausência de um memorial nacional da escravidão, o que aparece como uma negação do lugar da escravidão na memória nacional. Suas tradições espirituais e religiosas têm sido ameaçadas pelo proselitismo sem controle de alguns poderosos grupos evangélicos. O processo de profunda destruição das culturas dos povos indígenas pode ser verificado no lento desaparecimento de suas línguas (parágrafo 66).''
''O relator especial observa, com satisfação, o reconhecimento por parte do governo federal de quão profundamente enraizado é o racismo no Brasil e de seus efeitos na estrutura de toda a sociedade. Uma promissora estrutura legislativa, incluindo programas, mecanismos e instituições, tem sido implementada; ele nota, com preocupação, a resistência às políticas do governo federal na sociedade, nos governos e no Judiciário no âmbito estadual, onde a ideologia da democracia racial ainda determina as percepções e políticas (parágrafo 67)''.
Relembrei Diène para registrar que de 17 a 19.6 o Brasil sediará a Conferência Regional das Américas para Avaliação de Durban, prévia da Conferência de Avaliação de Durban, em 2009. Refiro-me à 3ª Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas (Durban, África do Sul, 2001). De 13 a 15.6, aqui acontecerá o Fórum da Sociedade Civil das Américas: avaliação dos resultados de Durban. É simbólico o contexto no qual Obama sagrou-se candidato à Presidência dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que um signo de racismo persistente foi publicado pelo jornal alemão ''Die Tageszeitung'': uma foto da Casa Branca sob o título ''A Cabana do Pai Barack'', em alusão ao romance ''A Cabana do Pai Tomás'', de Harriet E. B. Stowe, sobre a escravidão no sul dos EUA. Pai Tomás é um estereótipo de escravo submisso. O jornal fez um insulto racista a Obama. A pergunta é: a fé bandida do racismo será extinta?