A carta em defesa da ciência e do Brasil

A carta de ex-ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil que alerta para o descaso do governo Bolsonaro com […]

A carta de ex-ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil que alerta para o descaso do governo Bolsonaro com o setor tem múltiplo significado. A começar pela constatação de que essa atitude implica ignorar a base de um projeto de desenvolvimento soberano. Não passa de retórica vazia dizer que a economia deve ter atenção prioritária se na prática o instrumento primordial para a sua consecução é desprezado, atingido no seu cerne pelos cortes orçamentários.

Esse é o primeiro mérito da carta, uma mobilização em torno dos interesses do país que unificou um amplo espectro político e ideológico. Seus signatários expõem uma grave ameaça à nação e, ao proceder assim, deixam ganchos para um debate mais aprofundado sobre o que representa o governo Bolsonaro para a economia nacional. Não há como fugir da evidência, como expõe a carta, de que é impossível retomar o crescimento, muito menos sustentado, com essa política.

A tecnologia é um fator determinante para a redução da deterioração dos termos do intercâmbio com os países desenvolvidos. Hoje a economia é medida não apenas por aquilo que numericamente é capaz de produzir, mas principalmente por aquilo que dá mais valor ao produzido, aquilo que efetivamente mostra o grau de técnica e de ciência contido no produto final.

Retomar esse debate, histórico na América Latina inspirado principalmente pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e seus estudos sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e periféricas, significa entender as causas dessa desigualdade. O sucesso de uma nação é um fenômeno referente à forma como ela administra a sua economia.

O Brasil é um exemplo dessa verdade-síntese. Sem políticas de Estado, o país não teria atingido o patamar de desenvolvimento industrial médio. Ao abandonar essa premissa, o governo age como se os capitais rentistas financiassem o abandono de um projeto nacional de desenvolvimento. Os brasileiros que não pertencem ao jogo fácil de ganhar dinheiro no rentismo só têm a perder com essa opção.

A dinâmica da economia mundial é a de concentrar a inovação tecnológica num pequeno número de grandes grupos multinacionais, com matrizes nos países centrais, que estabelecem sua hegemonia sobre as empresas nacionais dos países onde eles chegam. O abandono das políticas de Estado voltadas para a produção científica e tecnológica, portanto, é no mínimo falta de responsabilidade, descompromisso com a nação.

É preciso ter em conta que essa política obedece à premissa de governar fazendo do Estado um mero administrador dos interesses financeiros. O mesmo princípio dos cortes na Educação e do desmonte dos instrumentos de fomento da economia, como as estatais e os bancos públicos. Tudo isso em nome do sacrossanto “ajuste fiscal”, a instituição de mecanismos para estabilizar o fluxo de recursos orçamentários que sustentam a ciranda rentista.

A mobilização desses ex-ministros se soma às de outros, como os que comandaram as pastas da Cultura, da Educação, da Justiça e do Meio Ambiente, que também divulgaram manifestos públicos contra essa política orçamentária contracionista. Esse é um aspecto da ampla unidade em defesa do Brasil e do povo que vai se formando, um movimento que se liga à defesa do Estado Democrático de Direito e dos direitos sociais. Um pronunciamento democrático contra os desmandos do governo Bolsonaro.