Chávez, Fidel e o papel dos indivíduos na história

A mídia dominante brasileira acentuou, ultimamente, a tendência para fulanizar o seu enfoque dos acontecimentos, particularmente os latino-americanos. O nome de Hugo Chávez domina os títulos do noticiário latino-americano. A enfermidade do presidente de Cuba, Fidel Castro, alimenta todo tipo de conjecturas sobre o “pós-Castro”.



A propensão para superestimar o papel histórico dos indivíduos, e subestimar os processos coletivos e objetivos, é um vezo importado sobretudo dos Estados Unidos. Já na 2ª Guerra Mundial, enquanto o mundo se mobilizava contra o nazifascismo, o Tio Sam ia à guerra contra Hitler. Na administração Bush Filho, Osama Bin Laden e Saddam Hussein se alternaram no papel de arquivilões.



A fulanização ajuda talvez na busca de uma machete curta e impactante, mas junto com a simplificação traz o simplismo. Os indivíduos deixam, sim, a sua marca na história, mas quem quiser entender o seu sentido terá que cavar mais fundo.



Tomemos Fidel e Chávez. Ninguém nega sua importância e carisma, que produziram multidões de admiradores, apesar do impiedoso bombardeio que sofrem. Porém só os muito ingênuos – ou mal-intencionados – atribuirão a eles a paternidade dos movimentos político-sociais que inclinam a América Latina para a esquerda.



No fundo, ocorre justo o inverso. Não são os grandes personagens que produzem os grandes acontecimentos, mas, ao contrário, os últimos que produzem os primeiros. Os personagens exercem por sua vez certa influência reflexa, imprimem ao curso da história a sua marca, o seu estilo, mas apenas até certo ponto. Seu papel só se agiganta de fato na medida em que percebe e interpreta o roteiro ditado pelas correntes de fundo da história.



Na América Latina do século 20, diferentes eras se sucederam, sobre o pano de fundo de um continente dilacerado por agudas contradições político-sociais e pela ingerência do Império do Norte. Depois do ciclo que a historiografia oficial chamou populista, com duvidoso rigor científico, veio o das ditaduras militares, e a seguir o dos regimes neoliberais, adeptos, como disse um governante da época, de “relações carnais com os Estados Unidos”.



No século 21 é evidente que esse ciclo se esgotou. Combinando diversos caminhos, com proeminência do eleitoral – para a surpresa de alguns –, os povos da região acumularam forças que lhes permitem confrontar e vencer as velhas classes dominantes e o domínio imperial.



Nâo há como atribuir a fulano ou beltrano, ou a uma lista de personalidades, um fenômeno de tamanhas dimensões, que se verifica do Rio Grande à Terra do Fogo, movimenta centenas de milhões de pessoas e já perdura há vários anos. São camadas profundas da sociedade latino-americana, com destaque para os trabalhadores das cidades e do campo, que se libertam de antigos estorvos e entram em movimento.
Nesta caminhada elas produzem também sua subjetividade, programas, plataformas, organizações, e também líderes. Sâo elas o grande protagonista coletivo e objetivo que inclina o continente para a esquerda. Quem insistir numa explicação fulanizada continuará perplexo com o que acontece neste pedaço do mundo.