Eric Hobsbawm: marxismo e história

O historiador marxista Eric Hobsbawm, que se despediu da vida na madrugada da segunda-feira (1º) disse, certa vez, sentir-se em casa na América Latina. “É o único lugar no mundo em que as pessoas fazem política e falam dela na velha linguagem – a dos séculos 19 e 20, de socialismo, comunismo e marxismo”, disse. Podia ter acrescentado, no mesmo sentido: é o lugar da revolução do século 21.

A frase tem sentido. Sua história pessoal se confunde com a do século 20, o pequeno século 20 como ele o caracterizou, compreendendo-o entre os limites temporais da Revolução Russa, de 1917, ao fim da União Soviética, em 1991. Ele foi testemunha pessoal, quando rapaz, da ascensão do nazismo na Alemanha, experiência determinante para sua adesão ao marxismo e ao comunismo, e fundamento de sua convicção da necessidade da revolução. Assistiu ao desastre da 2ª Grande Guerra e, historiador consequente, encarou a vitória soviética sobre as forças de Hitler como o acontecimento basilar para explicar a história do século 20 e também para valorizar a experiência soviética de construção do socialismo, apesar dos erros que houveram.

Foi o maior historiador de nosso tempo, solidamente baseado num método do qual nunca se afastou. Não aderiu a modismos e, quando o fracasso da construção do socialismo no Leste Europeu levou tantos intelectuais para o outro lado das barricadas, abandonando o pensamento avançado, Hobsbawm surpreendeu a todos, mantendo-se fiel ao pensamento herdado de Marx e Engels e, mais do que isso, atribuindo a ele, corretamente, a condição de único método capaz de permitir a compreensão profunda e correta daqueles acontecimentos.

O marxismo foi, para ele, ferramenta conceitual não apenas para o exame das condições da revolução mas também para compreender a própria evolução, suas contradições, avanços e recuos. E também instrumento teórico essencial para compreender a natureza e as transformações do próprio pensamento marxista. A tarefa do historiador, disse certa vez, não é meramente descrever os acontecimentos, mas explicar como e porque o mundo muda, e não há outro instrumento capaz de cumprir esta tarefa senão o pensamento marxista.

Os livros que deixou – entre eles uma monumental História do Marxismo, que coordenou – tiveram o objetivo de concretizar esta explicação e apoiar a ação transformadora. São imprescindíveis justamente por cumprirem a exigência básica da concepção materialista da história: olhar a vida em sua integridade, incorporar à análise a multiplicidade dos aspectos em que ela se expressa: econômicos, políticos, sociais, culturais, ideológicos, etc.

Esta é a base dos elogios que fez à América Latina, ao Brasil pós-Lula, ao próprio Lula, a experiência cubana e a seu líder, Fidel Castro. Esse elogio decorre da compreensão de que a revolução assume formas sempre renovadas, e não se detém, apesar da aparência conjuntural de recuo.

É também o fundamento de sua convicção da atualidade e vitalidade do marxismo enquanto pensamento avançado e transformador, e da necessidade da superação do capitalismo por outra forma, mais avançada, de organização da sociedade. Ele foi, à sua maneira, um militante dessa transformação e colocou todo seu esforço intelectual (expresso em dezenas de livros) a serviço dela. “Não existe esperança reduzida hoje. O que digo agora é que os problemas do século 21 exigem soluções com as quais nem o mercado puro nem a democracia liberal pura conseguem lidar adequadamente. É preciso calcular uma combinação diferente. Que nome será dado a isso não sei. Mas é bem capaz de não ser mais capitalismo, não no sentido em que o conhecemos aqui e nos EUA”, disse, há dois anos, em uma entrevista ao britânico The Guardian.

Foi um historiador e um homem de seu tempo. Seus escritos serão cada vez necessários para quem quiser compreender as mudanças vividas pelo mundo desde a revolução francesa de 1789 até as contradições e conflitos do século 20 e o limiar da nova luta pelo socialismo, no início do século 21. Foi um gigante do pensamento voltado para a ação transformadora.