José Graziano, Malthus e a escassez de alimentos

Não mais que de repente, o mundo se dá conta de que falta comida para os seus 6 bilhões de habitantes, os preços internacionais dos alimentos sobem e multidões de famintos se sublevam em países do Terceiro Mundo. A julgar pelo noticiário, a lúgubre profecia do pastor Robert Malthus sobre o esfomeamento da humanidade parece, com dois séculos de atraso, triunfar.



Por conta do etanol estadunidense, que açambarca este ano um terço da safra local de milho, o biocombustível comparece ao debate como vilão. O economista Jeffrey Sachs, assessor da ONU, recomenda ''cortes significativos'' nos programas de energia verde, ao menos nos EUA e Europa.



Em tempos de noticiário instantâneo e descartável, o tema é visto com o olho míope do imediatismo. Poucos analistas buscam uma visão do problema em seu movimento histórico.



Entre as exceções está o brasileiro José Graziano, 58 anos, professor da Unicamp e representante latino-americano na FAO (Organização da ONU para a Agricultura e Alimentação), amigo e conselheiro do presidente Lula, um dos pais do Fome Zero. Seu artigo ''Fatores transitórios e estruturais na explosão dos preços'' (reproduzido neste portal com o título Duas causas da carestia dos alimentos) lança luz sobre áreas do problema em geral deixadas na sombra.



Graziano recorda as lições de Raúl Prebish Celso Furtado sobre a ''deterioração dos termos de intercâmbio'' como ''um dos dentes da engrenagem histórica do subdesenvolvimento'', em que os alimentos e outros produtos primários da periferia do sistema são o lado deteriorado. Recorda que, de fato, nos cinco anos desde 2003, os preços mundiais de 24 produtos primários agrícolas subiram em média 50%. Mas recomenda ''ampliar o campo de observação a um intervalo maior'': nas três décadas entre 1974 e 2004 os mesmos preços caíram 75%. ''Ou seja, apenas uma parte das perdas foi recuperada''.



O economista identifica duas causas na alta recente: ''o peso do componente financeiro e a natureza inédita de uma demanda que resulta da expansão de consumo em países pobres''. Aponta o primeiro elemento, especulativo, como transitório; no segundo, vê a uma possível mudança estrutural, repetindo o raciocínio de Lula, de que ''tem mais chineses, indianos, mais pobres comendo''.



Graziano recorda que metade dos 70 milhões de indigentes latino-americanos vive no campo e, ''para eles, a alta dos preços é uma oportunidade de superar a pobreza''. Defende políticas públicas distributivas. E recomenda ''uma autocrítica das teses neomalthusianas que atribuíram à agroenergia a principal responsabilidade pelos saltos nas cotações das commodities''. Para ele, ''a  agroenergia, ao contrário, emerge da atual crise financeira como um porto seguro de consistência real e continuidade estratégica''.



É a história que desempata debates deste tipo. Em uma geração, passado o frenesi do momento, e vencidos os interesses inconfessados que o atiçam, constatar-se-á que José Graziano está certo. Enquanto Robert Malthus e seus herdeiros, mais uma vez, estão errados.