Mais médicos: a polêmica vinda de médicos do exterior
A saúde pública sempre é um problema difícil de resolver, independente do governo, da cidade, estado ou país. É um […]
Publicado 14/08/2013 15:27
É um direito de todos e dever do Estado. Mas como garantir que seja de qualidade? Quais devem ser as políticas públicas e o investimento ideal? São questões difíceis de responder, porque devem levar em consideração múltiplas variáveis, diferentes pontos de vista e jogos de poder.
A população está refém de uma classe médica que não admite que seus clientes se tornem pacientes do SUS. A quem interessa o não fortalecimento do Sistema Público de Saúde? Porque o Conselho, que deveria ser o órgão regulador das atividades em prol da população atendida, se manifesta corporativamente na defesa de mercado? Muitos médicos são comprometidos com os Conselhos de Esculápio e há tempos protestam por melhores condições de trabalho, mas o que vemos agora são manifestações contra a melhoria do Sistema! Sentem-se tão ameaçados que emitem opiniões agressivas e sem fundamento, rebaixando a capacidade de médicos formados em outros países e criticando o ato corajoso do governo federal de romper com a reserva de mercado e aumentar a oferta de médicos na área pública.
Objetivamente, existe um problema na educação, desde o nível básico, passando pelos “funis” do vestibular: o número limitado de vagas nas universidades públicas e o modelo de formação dos profissionais médicos no Brasil. Anualmente, formam-se 13 mil médicos, distribuídos pelas 200 faculdades de medicina, das quais 58% são privadas. O que precisa ser urgentemente revisto, pois as estatísticas demonstram que as universidades públicas estão formando médicos para o mercado privado, descumprindo sua função social – já que o aproveitamento no serviço público dos médicos egressos das universidades públicas não alcança 50%. Inadmissível, uma vez que o custo de formação de um acadêmico de medicina na universidade pública pode chegar a custar R$ 790 mil para o erário.
As novas medidas propostas pelos Ministérios da Saúde e da Educação visam ampliar as vagas nas universidades públicas de medicina e de residência médica, além de aumentar para 8 anos o curso de medicina, incluindo um módulo de 2 anos de atendimento no SUS – muito plausível, considerando que seu curso foi custeado por impostos pagos pela população!
Fazer com que os médicos atuem no Sistema Público, melhorando a atenção básica, é um passo importante para mudar esse modelo “flexineriano, hospitalocêntrico e médico-centrado” da formação médica no Brasil. Temos a difícil tarefa de acabar com a ideia de que “médico é Deus”, desde sempre impregnada na sociedade brasileira e, recentemente, agravada pela aprovação do Ato Médico, que fere a visão de que o ser humano é um ser biopsicossocial e que deve receber atenção multidisciplinar.
A oferta de vagas para os cursos de medicina no Brasil cresceu 61,7% em dez anos, passando de 11.243 vagas em 2002 para 18.186 em 2012. Além disso, foram criadas alternativas para financiamento da graduação como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni). Nos últimos dois anos, dobrou a oferta de bolsas de residência em instituições públicas para ampliar a formação de especialistas em áreas estratégicas para o SUS. O número de vagas abertas com financiamento do Ministério para esses cursos passou de 758, em 2011, para 2.881, em 2013.
A expectativa é que sejam criadas mais de 11 mil novas vagas em cursos de medicina até 2017, com foco na melhor distribuição da oferta nas regiões onde há necessidade de ampliar a formação desses profissionais. Está prevista também a ampliação dos cursos de residência, direcionada às especialidades que o SUS mais precisa, como pediatria, medicina da família e comunidade, psiquiatria, neurologia, radiologia e neurocirurgia. A graduação em medicina, aliada à residência, é um importante fator para a fixação do profissional.
Através da lei de oferta, com salários atrativos superiores aos dos grandes centros e a criação de programas como o PROVAB, que busca a interiorização dos profissionais médicos, oferecendo salário que aumentou para R$ 10 mil, especialização em serviço, progressão na carreira, pontuação para uma segunda especialização e residência para médicos que realizarem serviços de atenção primária à população dos municípios do interior e periferias de grandes cidades, o governo já havia dado a possibilidade para os médicos brasileiros que tivessem interesse.
As vagas não foram preenchidas, pois a classe médica se recusa a aderir a tais projetos, alegando falta de estrutura. Ora, muito se pode fazer com uma estrutura básica, se trabalharmos com a atenção primária, preventiva, num sistema efetivo complementado por postos de saúde, UPAs e hospitais de referência regionais. Trazer médicos é apenas uma medida emergencial, que faz parte de um projeto mais abrangente para estruturação de um Sistema de Saúde Pública sucateado e subfinanciado ao longo de muitos governos anteriores, cuja porcentagem dos orçamentos governamentais (federal, estaduais e municipais) destinados à sua manutenção não condiz com um Sistema Universal do porte do SUS.
O Programa Mais Médicos faz parte de um “amplo pacto de melhoria do atendimento aos usuários do SUS”, com objetivo de acelerar os investimentos em infraestrutura e ampliar o número de médicos nas regiões carentes do país, como os municípios do interior e as periferias das grandes cidades. Para melhoria da infraestrutura, o governo federal está ampliando e acelerando investimentos em reformas, ampliação e construção de unidades básicas de saúde, Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e hospitais, totalizando R$ 12,9 bilhões até 2014. Deste montante, R$ 7,4 bilhões já estão contratados para obras de 818 hospitais, 877 UPAs e 16 mil unidades básicas e outros R$ 5,5 bilhões serão aportados até 2014. Os municípios participantes do programa terão obrigatoriamente de acessar esses recursos.
Se dará preferência para a admissão de médicos formados no Brasil; as vagas remanescentes serão disponibilizadas para brasileiros formados no exterior e, num terceiro momento, aos estrangeiros – provenientes de países que possuam mais de 1,8 médico por 1000 habitantes (proporção atual no Brasil). Entretanto, mais uma vez a classe médica se organiza para sabotar a população, através de redes sociais e Conselhos Regionais, planejando se inscrever e não assumir, atrasando o cronograma e a ida de médicos para esses municípios.
Muito tem sido questionado com relação à vinda dos médicos cubanos (como se fossem os únicos estrangeiros aptos a participar do Programa). A qualidade na formação médica cubana, bem como a alta compatibilidade curricular entre os cursos de medicina de ambos os países, já foi atestada pelo governo brasileiro, que realizou visita técnica ministerial à Cuba, em janeiro e fevereiro de 2004, resultando na produção de um relatório pelo MEC e pelo Ministério da Saúde que apontou equivalência curricular superior a 90% entre as diretrizes curriculares dos cursos de medicina cubanos e brasileiros.
Indiscutivelmente o modelo de medicina integral, preventivo, comunitário e humanizado fez com que Cuba fosse reconhecida internacionalmente como um dos melhores sistemas universais de saúde do mundo, pela OMS, gozando dos mais altos níveis de indicadores, o que a coloca na posição 51 no relatório de desenvolvimento da ONU, com um alto desenvolvimento humano e social. Desde 1963, com o envio da primeira missão médica à Argélia, Cuba trabalha no atendimento de populações pobres do mundo, atuando exatamente nas regiões mais problemáticas e sem infraestrutura.
Com relação ao Revalida – exame nacional de revalidação de diplomas de medicina obtidos no exterior, esse ano teremos a possibilidade de estabelecer um parâmetro de comparação, já que os estudantes de sexto ano de medicina das universidades que aderirem ao exame terão que fazer a prova, para que o MEC possa determinar se o grau de dificuldade é o adequado. Esperamos que a prova seja feita dentro dos mesmos critérios, sem pré-seleção dos “melhores estudantes”, para que seja um parâmetro real e justo.
*Cláudia Azibeiro Pomar, médica.