O bom exemplo da China e o mau exemplo do Brasil

A notícia de que o governo chinês celebrará o fim da pobreza no país em 2020 suscita algumas questões. A começar pela natureza do seu sistema de produção, um socialismo que incorporou inovações teóricas e reforçou as bases em que ele começou a ser edificado com a Revolução de 1949. A experiência até à fase de reforma e abertura, iniciada em 1978, foi um duro aprendizado.

O país se livrara do sistema semicolonial e semifeudal para iniciar o caminho da independência, liberdade, paz, unidade, força e prosperidade, como disse Mao Tse-tung ao proclamar a fundação da nova China. Mais 475 milhões de pessoas passaram para o campo socialista, simbolizadas na bandeira com um retângulo vermelho e cinco estrelas (operários, camponeses, pequenos burgueses e burguesia nacional), gravitando em torno da estrela maior, o Partido Comunista.

Ao proclamar as reformas e a abertura, o líder comunista Deng Xiaoping iniciou o processo que trouxe desenvolvimento rápido para o país e deu contribuição significativa ao desenvolvimento de todo o mundo. O Brasil foi um dos países que mais se beneficiaram com o progresso chinês.

Além do mercado para as commodities, que puxou o agronegócio brasileiro gerando divisas e desenvolvimento tecnológico, houve a aliança estratégica para a multipolaridade que redefiniu a geografia política e comercial no mundo. A atuação da China em conjunto com o Brasil, como representantes dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), marcou uma nova época no cenário político internacional.

Foi um movimento que dinamizou as relações políticas, revolvendo as velhas bases em que o comércio internacional se assentou no pós-Segundo Guerra Mundial, controladas com mão de ferro pelo poderio econômico e militar dos Estados Unidos. Organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC) foram submetidos ao peso dessa aliança.

Os lances da batalha na OMC entre países ricos e em desenvolvimento, sucessora da Rodada Uruguai ainda no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), por regras comerciais menos injustas, foram memoráveis. E isso permitiu tanto à China quanto ao Brasil – e a outros países da órbita dos BRICS – melhoras significativas nos saldos das suas pautas de exportação e importação.

Esses resultados foram determinantes para as politicas internas desses países. O Brasil saiu do mapa da fome, acabou com o desemprego em massa e elevou a renda dos assalariados, sobretudo os de menor poder aquisitivo. A China, que resgatou mais de 850 milhões de pessoas da pobreza desde o início das reformas econômicas – o país proporcionou mais de 70% da redução global da pobreza desde os anos 1980 -, alcançou êxitos em todos os âmbitos – sociais, tecnológicos e institucionais –, inimagináveis há não muito tempo.

O esteio dessas políticas chama-se Estado nacional. Países do porte do Brasil e da China precisam fazer valer os seus potenciais, não aceitando imposições de quem se acha no direito de arbitrar o que convém aos outros. Exatamente o oposto do que vem fazendo o governo Bolsonaro – o Brasil volta a ostentar indicadores de miséria, resultado do descaso com a inclusão social –, se submetendo vergonhosamente à política da Casa Branca que China, Brasil e outros aliados tanto combateram no passado recente.