O padrão espúrio do bolsonarismo

Não há mais dúvida de que a máscara de “mito” que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República atualmente ilude apenas uma parcela cada vez menor da sociedade. A maioria, atestam as pesquisas, já compreende que as promessas feitas na campanha eleitoral se mostraram disparatadas e são desmentidas cotidianamente. A parcela do povo que acreditou em seu discurso se vê às voltas com um retrato desfigurado do governo que imaginava e começa a mudar de atitude.

Isso ocorre porque o que deveria ser seu programa de governo aparece para o público como uma realidade cotidiana de trapaças. Uma delas apareceu no jornal Folha de S. Paulo desta quarta-feira (29), revelando uma verdadeira feira de ofertas de recursos orçamentários para os parlamentares, condicionados ao voto favorável à “reforma” da Previdência Social.

Cumpre esclarecer, antes de tudo, que os deputados e senadores se elegem com o compromisso de trabalhar pelos interesses de suas bases. Nada mais natural do que os pleitos por recursos para melhorias — em todos os aspectos — nas suas regiões. Mas isso deveria ser um exercício democrático, sem a chantagem de condicioná-los a uma agenda que traz imensos prejuízos para o povo.

Ao proceder assim, o governo troca a relação política pela chantagem. Em vez de fazer funcionar o chamado presidencialismo de coalizão, às claras e com transparência, com a participação dos partidos que apoiam o seu programa — como ocorre em todas as democracias representativas —, Bolsonaro opta por esse descalabro, essa barganha deslavada.

De acordo com o jornal, a oferta é de R$ 10 milhões extras por semestre, para cada deputado fiel, totalizando um acréscimo de R$ 40 milhões até 2020 na verba que os congressistas podem manejar no Orçamento. Para os líderes partidários que aportarem votos de seus deputados o valor é de R$ 80 milhões. O fiador do balcão é o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. “A promessa de liberação de todo o dinheiro até 2020 visa atrair mais deputados, tendo em vista que esse é o ano das eleições municipais”, segundo a Folha, que, afirma, teve acesso ao documento da proposta.

Esse procedimento não é da “nova” nem da “velha” política. Trata-se simplesmente dos métodos de uma plataforma que só pode se viabilizar pela trapaça. Afora a ala que vê o bolsonarismo com viseiras dogmáticas — aqueles setores que formam o cerne da sua ideologia de extrema direita —, ninguém acredita na mitologia que prometeu a redenção do país, que seria tirado do antro de perdição representado pelo ciclo de governos progressistas dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff para levá-lo ao paraíso da moralidade.

O grande dilema de Bolsonaro é fazer o que prometeu. Isso inclui a famigerada entrega de R$ 1 trilhão da aposentadoria do povo para os senhores do rentismo, as privatizações selvagens e a liquidação da legislação sindical e trabalhista. O estrago que essa plataforma política causa parece fora de qualquer dúvida para quem ausculta a realidade do povo e do país. Ela só pode vir a ter alguma chance com esses métodos espúrios e com o autoritarismo pronunciado de Bolsonaro.

Não sem motivos, os bolsonaristas pregadores da "moralidade pública" têm misturado arrogância, grosseria, ignorância e, mais que tudo, uma irrefreável apologia ao autoritarismo ao defendê-lo. A democracia está contra eles. O progresso e a verdade estão contra eles. Suas condutas os fazem figuras subqualificadas e desmascaram a condição autoimposta de escolhidos para restaurar a ordem e a moralidade. O que está em jogo, na verdade, são projetos para o país. Esse padrão bolsonarista precisa ser demolido por uma ação política com o vigor correspondente à sua amplitude.