O superávit primário e a desaceleração da economia nacional

O superávit primário do setor público consolidado (conceito que reúne União, estados, municípios e empresas estatais) chegou a R$ 104,637 bilhões nos primeiros nove meses de 2011, resultado significativamente maior que os R$ 76,938 bilhões registrados em igual período de 2010 e bem próximo da meta estabelecida para o ano, ampliada após a posse de Dilma para R$ 127,9 bilhões.

Em setembro, a economia entre receitas e despesas do setor público (excetuando juros) foi de R$ 8,096 bilhões, de acordo com informações do Banco Central (BC). Tanto dinheiro não foi, porém, suficiente para cobrir os gastos com juros, que chegaram a R$ 17,267 bilhões, gerando um déficit nominal de R$ 9,171 bilhões, coberto com a emissão de novos títulos da dívida pública.

A elevação do superávit primário é considerada uma notícia alvissareira pela equipe econômica do governo e agentes do sistema financeiro, que a interpretam como um sinal inequívoco de que o Brasil continua fazendo a coisa certa em matéria de política fiscal, de forma a manter num patamar confortável a relação dívida/PIB.

Mas o povo brasileiro não tem razões para comemorar nem observar tal resultado com os mesmos olhos do mercado. É indispensável notar que ele traduz uma brutal e escandalosa transferência de recursos públicos, que por definição são recursos do povo, para o bolso dos credores das dívidas governamentais, principalmente bancos e grandes investidores. Isto não sai de graça.

Apesar de exibir uma relação dívida/PIB (em torno de 40%) invejável para muitos países (os EUA, por exemplo, devem cerca de 100% do que produzem, a Grécia em torno de 160%, Itália mais que 120% e o Reino Unido 80%), o Brasil é o segundo país que mais gasta com juros em todo o mundo. Estima-se que neste ano 5,5% do valor da produção nacional serão canalizados para tal objetivo.

O primeiro lugar neste triste ranking é ocupado pela Grécia, onde os credores devem se apropriar, até o final de dezembro, de nada menos que 9% do PIB. Os Estados Unidos, com uma dívida pública superior a US$ 14 trilhões, praticamente do mesmo tamanho do PIB e cerca de 28 dívidas gregas, dedicam 1,4% da produção ao pagamento de juros.

A diferença, aberrante, tem sua explicação singela na taxa real de juros. A magnitude do valor dos juros pagos depende mais da taxa do que do tamanho da dívida e o Brasil continua praticando as mais altas taxas de juros do mundo. É o fruto de uma política monetária conservadora, parte da herança maldita do neoliberalismo tucano (ao lado do câmbio flutuante e do superávit primário) consagrada na famosa Carta aos Brasileiros. Uma política que nos é vendida por porta-vozes autorizados do mercado como sábia e indispensável à estabilidade econômica, mas que na realidade é prisioneira dos interesses tão nocivos quanto poderosos do capital financeiro.

São muitos os efeitos colaterais da transferência de riqueza arrecadada do conjunto da sociedade para os rentistas que dominam o sistema financeiro e não precisam produzir nada para acumular capital. Os governos são forçados a poupar sacrificando despesas com a saúde, que vai de mal a pior, educação, infraestrutura, que continua precária, apesar do PAC, e outros investimentos produtivos.

O saldo final do superávit primário é uma redução da taxa de consumo e de investimentos no país. Isto ficou transparente nas medidas adotadas pelo governo no primeiro semestre deste ano com o objetivo de desacelerar o crescimento da economia, um corte cavalar (R$ 50 bilhões) nos gastos públicos, associado inicialmente a cinco rodadas de elevação da taxa de juros.

O agravamento da crise do capitalismo na Europa e nos EUA levou o governo a rever a orientação monetária e iniciar uma política de redução da taxa de juros que ainda é considerada demasiadamente tímida por trabalhadores e empresários do setor produtivo e está longe de tirar o Brasil da liderança mundial dos juros altos.

A desaceleração econômica é um fato que merece ser observado com redobrada preocupação num cenário global carregado de instabilidade e temores de uma nova recessão. O interesse nacional no desenvolvimento será melhor contemplado com maior ousadia na política monetária e ampliação dos investimentos públicos, o que requer a redução do superávit fiscal primário. Os obstáculos ideológicos e políticos neste caminho não são desconhecidos. Refletem os interesses predominantes no sistema financeiro, ecoados na mídia hegemônica, que devem ser enfrentados e superados.