Por que a direita não aceita Lula nos palanques de Dilma?

Na crônica das eleições presidenciais posteriores a 1945, a classe dominante brasileira defronta-se com uma situação que, para ela, é inusitada: Lula pode, em sua sucessão, repetir o feito de Getúlio Vargas em 1945, e eleger seu candidato – no caso, candidata. Esta talvez seja uma das explicações para a perplexidade e ira da oposição conservadora contra a participação do presidente Lula nos palanques da campanha eleitoral, defendendo a eleição de Dilma Rousseff.

Em 1945, Getúlio Vargas assumiu posições democráticas e nacionalistas, aproximou-se dos trabalhadores e foi deposto por um conluio entre chefes militares de direita e a embaixada americana no Rio de Janeiro. Mas seu apoio ao marechal Dutra, na eleição presidencial daquele ano foi decisivo, ajudando-o a acumular os 3,3 milhões de votos, mais do que a soma de todos os outros candidatos, que tiveram 2,6 milhões. O candidato da UDN, o brigadeiro Eduardo Gomes, ficou com 2 milhões, numa derrota inesperada para a direita liberal que tentou contestar a vitória alegando pela mídia patronal que a intervenção de Getúlio foi demagógica. Qualquer semelhança com o que acontece hoje, 65 anos depois, não é mera coincidência…

Mas Dutra fez um governo reacionário, com uma política econômica liberal nociva para a nação e para os trabalhadores. Assim, em 1950, Getúlio voltou a ser eleito. Foi a senha para uma intensa campanha da direita contra o novo presidente, que culminou com seu suicídio em 24 de agosto de 1954. Mas o sonho dos golpistas de controlarem a presidência foi desfeito pelo verdadeiro levante popular animado pela divulgação da Carta Testamento de Vargas. E, na eleição que escolheu o novo mandatário, em 1955, a direita foi outra vez derrotada com a escolha de Juscelino Kubitschek, que a UDN via como herdeiro de Getúlio.

Uma nova chance conservadora veio em 1960, com a escolha de Jânio Quadros para o mais alto cargo da nação, sob o lema da moralidade e da luta contra a corrupção. Mas o novo presidente permaneceu pouco mais de seis meses no cargo, e renunciou no dia 25 de agosto de 1961. Foi substituído por João Goulart, outro herdeiro de Getúlio odiado pela direita e pela embaixada dos EUA. Ele foi deposto pelo golpe de Estado de 1º de abril de 1964, que deu início à longa série de generais presidentes que acabou com a democracia no Brasil e impôs governantes escolhidos a dedo pela cúpula das Forças Armadas.

O Brasil só voltou a ter eleições diretas para presidente em 1989. Elas foram convocadas pelo presidente José Sarney dentro do cronograma da institucionalização democrática sob a égide da Constituição de 1988. Mas no final do governo a popularidade de Sarney era tão baixa que ele não teve a menor condição de influir na escolha de seu sucessor.

Aquela eleição assistiu ao primeiro embate que teve Lula como candidato. Ele perdeu para Fernando Collor de Mello, que se apresentou como campeão da moral, do estado mínimo e das privatizações. Mas Collor foi afastado, acusado de corrupção, sendo sucedido pelo vice, Itamar Franco.

Não se pode dizer propriamente que Itamar tenha conseguido eleger seu sucessor. Embora tenha terminado o governo com boa aprovação popular, a inflação era alta e o Plano Real, que conseguiu dominá-la, foi lançado no início da campanha eleitoral de 1994 (o real começou a circular no dia 1º de julho), e a eleição de Fernando Henrique Cardoso navegou na onda otimista criada pela nova moeda.

O otimismo logo se esvaiu; a política neoliberal de FHC privatizou estatais, desmontou o Estado, não teve competência para enfrentar crises econômicas internacionais, estagnou a economia, aumentou o desempregou e empobreceu o país. Ela demoliu a popularidade inicial do presidente, que chegou ao fim com meros 26% de aprovação popular. E não elegeu seu sucessor: em 2002 a vontade popular levou Lula à presidência que, hoje, com mais de 80% de aprovação popular, tem chances reais de ajudar a fazer de Dilma Rousseff a nova presidente do Brasil.

Neste mais de meio século que nos separa de 1945 o conflito programático na disputa pela Presidência da República sempre envolveu o confronto de dois programas. Um, o da direita neoliberal, que favorece o grande capital financeiro, a ligação com o imperialismo norte-americano e as restrições à democracia e à participação popular. Contra ele, as forças políticas mais avançadas e democráticas opuseram a busca do desenvolvimento autônomo da nação, o fortalecimento da indústria, a robustez do mercado interno, a valorização do trabalho e da renda dos brasileiros e o fortalecimento da participação popular.

Marcados pela impopularidade, os governos da direita foram incapazes de fazer seus sucessores (exceto durante a ditadura militar de 1964…). E, historicamente a direita sempre pregou o golpe contra presidentes que, como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart e, agora, Lula, defenderam projetos nacionais em desacordo com seus interesses conservadores. Foi um longo período de instabilidade e crise permanente em que, antes de Lula, apenas Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso foram presidentes civis eleitos que terminaram seus mandatos dentro dos prazos constitucionais.

A direita tem uma adesão mística à imagem de presidentes neutros em relação à luta eleitoral, com comportamento majestático e que não entram no confronto político aberto e claro, como se fossem monarcas com prazos de governo fixados em lei. É uma imagem que não corresponde ao seu próprio comportamento truculento, e de seus porta-vozes midiáticos, que se voltam contra governantes que não seguem sua cartilha antidemocrática e pretensamente apolítica. Mas isso, tudo indica, está ficando para trás no cenário brasileiro.