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Brasigois Felicio: A mulher madura

*

 Amo a mulher balzaquiana


– a que sobreviveu


a loucas paixões,


pois ela sabe a dor das perdas


e conhece o áspero caminho


dos desencontros.


 


 


Tenho um pendor secreto


pelos sentimentos profundos


das sufocam na memória


coisas indizíveis


a si mesmas.


 


 


 


 


Seu olhar esquivo


está sempre a fugir


como a cercar


o querer profundo


da chama de viver


que nelas arde mais


do que nas vidas apaziguadas,


como fogo inconsumível


de arredios arrependimentos.


 


 


 


Bem mais vazias de conteúdo


são as que tiveram


vidas esvaziadas


de vertigens inconfessáveis.


 


 


 


Amo a mulher que vive


a ocultar turbulências


de gestos tresloucados


e acidentes de discurso


mas de vez em quando


queda-se em longos silêncios


grávidos de decisões heróicas.


 


 


 


 


Seus passos seguros


são os de quem viveu


profundamente


as previsíveis calamidades


da pátina dos dias.


 


 


 


Compadeço desta mulher que passa


às seis em ponto da tarde


e nem sabe se está no parque


tão absorta segue


em sua tristeza insabida


 


 


 


Um gesto simples,


uma palavra amorável


poderia reacender


em sua alma morta


a prontidão para o Encontro.


 


 


 


Talvez por isto


nas horas mudas


(que são quase todas)


de sua vida magra


rara e feita


de uma secura de pedra


suspira profundamente,


sem que ninguém perceba


a solidão acesa


em que viaja,


densa e silente,


como quem deu adeus


a toda esperança.