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José Varella: O índio da praça Brasil

“Salve, ó terra e ricas florestas,/Fecundadas ao sol do equador!”/“Ó Pará, quanto orgulho ser filho,/De um colosso, tão belo e tão forte;/Juncaremos de flores teu trilho,/Do Brasil, sentinela do Norte.” .O hino do Estado do Pará, com letra de Arthur Porto

A cidade de Belém conta sua história de luta através de bairros temáticos. O Marco, por exemplo, fala da guerra do Paraguai; o Jurunas não quer esquecer as nações indígenas da “terra dos Tapuias” conquistada e o Umarizal é panteão da memória de heróis paraenses da integração nacional.


 


 


O símbolo maior do “Pará velho de guerra” (expressão popular cheia de orgulho nativo) é o Índio, decidido a lutar até a morte para ser dono da sua terra natal e cidadão brasileiro pleno. Este índio ancestral habita a mente e o DNA do povo paraense incorporado usos e costumes, mas sobretudo à religiosidade popular. Jorge Amado foi muito feliz ao saudar o romancista da Amazônia, Dalcídiio Jurandir, com o honroso apelido de “índio sutil” durante recepção ao autor marajoara, em 1972, na solenidade de entrega do prêmio “Machado de Assis”. O índio velho de guerra, nada sutil aliás, mas analfabeto de pai e mãe; está materializado em bronze sobre alto pedestal da praça Brasil.


 


 


 


Por ironia do acaso, ícone da Cabanagem latente levantado em face do Tribunal do Trabalho como a lembrar aos juízes a história social da região… Sendo o trabalho escravo o fantasma do “desenvolvimento” que ainda hoje assombra a consciência nacional embatucada no labirinto amazônico da mudança de paradigma econômico sob pressão internacional e da Mudança Climática. Tragédia humana que, de fato, é fio condutor da invenção da Amazônia por colonos de “corda e baraço” [laço e enforcador, sob tiros de arcabuz e dentes de cães farejadores ancestrais da raça fila brasileiro] em busca de tesouros lendários, tais como o El-Dorado, o misterioso País de Ofir e o tal “rio das Amazonas”…


 


 


Para edificar tal monumento da resistência nativa na praça Brasil e entoar o Hino do Pará velho de guerra foi preciso conquistar territórios indígenas, extinguir povos inteiros e reduzir a Babel linguística ao império da língua de Camões a peso de palmatória e ladaínha, a fim de construir a região, que a grande maioria dos brasileiros ainda não conhece como deveria conhecer e defender. Enquando o mundo,  mais ignorante ainda neste assunto do que todos analfabetos do país do carnaval, quer dar lições em lugar de aprender com quem sabe. Já foi dito que só se ama o que se conhece: venham, pois, o Brasil e o mundo à ilha-ecomuseu do Marajó conhecer a céu aberto ruinas do tempo arqueológico da Amazônia profunda…


 


 


Para esta viagem filosófica de um turismo inteligente, a ser inventado para descoberta da história do Futuro, o primeiro passo do “retorno ao país natal” será talvez o Umarizal (a floresta que virou asfalto e edifício), celebrado pelo poeta da negritude amazônica, Bruno de Menezes; na memória da cidade morena. O bairro conta, pelos nomes de suas ruas, como a partir de 14 de Abril soldados mestiços e povo raso unidos romperam o cordão umbilical com a metrópole portuguesa e o velho mundo para se voltar, definitivamente, ao novo continente no, então, império do Rio de Janeiro.


 


 


A praça Brasil faz conexão de espaço e tempo entre o Telégrafo [outrora, Telégrafo Sem Fio, aliás São João do Bruno] e o Umarizal: este bairro é reduto do poeta Bruno, aquele outro sobrevive no romanceiro de Dalcídio, o “índio sutil”… O Telégrafo manda recado da “criaturada grande” (populações tradicionais das ilhas, espancadas pelo êxodo rural e apinhadas nos subúrbios à beira d'água) aos burgueses do engarrafamento do transe histórico. Já o surdo batuque do Umarizal diz aos desmemoriados os feitos dos patriotas paraenses sufocados pelas forças coloniais nas prisões de Belém e como alguns deles continuaram a luta na ilha do Marajó para, enfim, proclamar a Adesão do Pará à Independência do Brasil, com toda formalidade, na heróica vila de Muaná, dia 28 de Maio de 1823. E, como, ao contrário de Muaná, vingou o cambalacho de Belém entre coloniais e o mercenário inglês, na “data magna” de 15 do desgosto do povo, começo da grande insurreição regional de 1835…


 


 


A memória do índio da praça Brasil. em Belém do Pará; entretanto, nos leva a um passado mais antigo: a paz do Nheengaíbas (Marajoaras). Feito histórico inigualável na história do Povo Brasileiro, desgraçadamente ofuscada na historiografia oficial lusobrasileira, entre chuvas e esquecimento. Mostra aos passantes como colonizadores e missionários puxaram a brasa para sua sardinha, em luta pela conquista do território e de braços para o trabalho, deixando ao relento os verdadeiros amazônicas, sem eira nem beira na História.


 


 


Todavia, aquele índio indispensável para a terra dar seus frutos havia história e civilização autóctones: pelos menos, desde o ano 500 da era cristã com a transformação do barro dos começos do mundo amazônico na singular Cultura Marajoara (a primeira cultura complexa da Amazônia). A paz do Marajó de 1659 – negociada legalmente com delegação de poder real à Companhia de Jesus, conforme a lei de liberdade dos índios, de 9 de abril de 1655 –  este ano vai completar 350 anos, certamente, em brancas nuvens.


 


 


Quando, depois de Pedro Teixeira e seus 1200 arqueiros e remadores Tupinambás a levar a bandeira da União Ibérica e assinalar os confins da fronteira ambicionada por Portugal, em nome da coroa portuguesa (viagem de Belém do Pará a Quito (Equador), de 1637 a 1639); o payaçu Antônio Vieira e Piié Mapuá à frente de federação de sete cacicados (Mapuá, Aruã, Anajá, Piixi-Pixi, Mamaianá, Camboca, Guaianá e outros) negociaram e concluiram as pazes depois da guerra de expulsão dos estrangeiros (1623-1647), entre mil e uma peripécias dignas de romance e filme; no dia 27 de agosto de 1659. O palco foi a improvisada igreja do Santo Cristo, simples maloca construída pelos índios especialmente para solenidade de que o missionário deu notícia em carta à corte de Lisboa.


 


 


Nada mais natural, que sendo o rio dos Mapuá (Breves) lugar de memória da integração do rio das amazonas ao antigo estado do Maranhão e Grão Pará, e que desde 2007 o Plano Marajó / Território da Cidadania venha consolidar a adesão popular ao Brasil independente e democrático, assim que se faça da Reserva Extrativista Florestal do Mapuá o ecomuseu dos Nheengaíbas tendo já na praça Brasil a estátua altaneira do cacique marajoara…. Descontada a célebre lábia do Padre Antônio Vieira, resta o fato incontornável da passagem do Pará ao rio Amazonas à sombra de remos e arcos das aldeias nheengaíbas de Arucará (Portel) e Aricará (Melgaço), as quais não se poderia fazer sem pacificação das Ilhas (1659) e os canhões de Gurupá (1623), ainda que silenciosos, porém ameaçadores; sobre a ruína sonolenta de Mariocai e a lembrança da fuga dos concorrentes europeus dos portugueses frente a tupinambás endiabrados pelos maracás dos pajés, até a altura das ilhas Jurupari (Afuá).  Onde a história claudica a geografia dos lugares (ave, Milton Santos!) ampara o direito e a razão.


 


 


Deste modo, as crianças passando pela praça Brasil para ir à escola como o alter-ego Alfredo do “índio sutil” (no romance “Primeira Manhã”, de Dalcídio Jurandir) cantarão o hino parauara com outra história no coração e no pensamento:


 


 


Hino do Estado do Pará


 


 


Salve, ó terra de ricas florestas,
Fecundadas ao sol do equador!
Teu destino é viver entre festas,
Do progresso, da paz e do amor!
Salve, ó terra de ricas florestas,
Fecundadas ao sol do equador!


Ó Pará, quanto orgulho ser filho,
De um colosso, tão belo e tão forte;
Juncaremos de flores teu trilho,
Do Brasil, sentinela do Norte.
E a deixar de manter esse brilho,
Preferimos, mil vezes, a morte!


Ó Pará, quanto orgulho ser filho,
De um colosso, tão belo e tão forte;
Juncaremos de flores teu trilho,
Do Brasil, sentinela do Norte.
E a deixar de manter esse brilho,
Preferimos, mil vezes, a morte!


Salve, ó terra de rios gigantes,
D’Amazônia, princesa louçã!
Tudo em ti são encantos vibrantes,
Desde a indústria à rudeza pagã,
Salve, ó terra de rios gigantes,
D’Amazônia, princesa louçã!


 



Muitas águas rolaram e muita chuva caiu sobre o índio da Praça Brasil. Mas, já vai melhorando o tempo… A regularização fundiária em favor do Povão é um primeiro passo para tirar a gente da beira para o centro da História. O Museu do Marajó se espande depois de chuvas e trovoadas. A academia do peixe frito dá o grito do tipiti e os gados do rio: o tempo começa a circular. Mas, o pior cego é aquele que não quer ver o peso da cultura popular.