Uma deputada bolsonarista postou: “E o Instagram sumiu mesmo com o número de likes. Tudo para a gorda feminista peluda do cabelo roxo não ficar deprimida ao ver o desempenho da coleguinha na rede”.
Por Urariano Mota*
Publicado 18/07/2019 11:22 | Editado 13/12/2019 03:29
Como responder ao preconceito fascista que sobrevive no século 21? Procuro um caminho e não o encontro agora. Mas enquanto uma resposta não vem, copio breve trecho do meu romance O Filho Renegado de Deus, que fala de uma certa Maria falecida em 1958.
Para as gordas feministas, tudo mesmo.
Nessa vista do que ela poderia ser, estranho é que o seu companheiro não se materializa aos olhos. Ela é como uma felicidade sem o seu objeto, a mulher feliz com um companheiro que não se vê. E a causa não é difícil nem inexplicável. Mesmo na abstração, mesmo no sonho mais livre, as linhas da realidade exigem um vínculo, uma determinação que não é exata nem férrea nem opressora, mas é presente. As maiores possibilidades, mesmo as de maior fantasia, sempre partem de um terreno, de uma terra conhecida. Mesmo na visão do que o meu coração precisa, até quando a vemos feliz junto a seu companheiro encantado, o lugar desse homem está sem ninguém. Melhor, está sem nada, pois jamais recebeu hóspede, morador ou inquilino. Maria era gorda.
Havia antes na sociedade, ainda há, o conceito anterior à experiência de que as pessoas eram e são tais quais as formas exteriores. Assim, um homem de cara feia, forte, seria um homem perigoso, um criminoso potencial, como diria um Lombroso simplificado. Quem visse Maria, antes de mais nada via a mulher gorda. E numa posição anterior até à mulher, via a gorda. E essa vista apreendia uma pessoa risível, ridícula, incapaz, e, apesar disso, dotada de qualidades simpáticas, de apreciadora da boa mesa. No entanto, Maria mal possuía uma mesa, vale dizer, apenas possuía uma tábua sobre quatro pés, o lugar onde se punham calorias, farinha e gordura de banha de porco, nada de fino gosto e melhor elaboração. Simpática, sim, mas a sua simpatia era a de gostar e de amar pessoas, de abraçar gente, como se com elas celebrasse os últimos dias de vida. Para um meio sexualizado pela brutalidade, essa não era uma qualidade feminina, queremos dizer, de fêmea, para uma concessão a esse gênero de sexualizar a mulher. Esse modo de simpatia não era percebido, não lhe viam o pertencimento a um todo erótico, amoroso, sensual. Ela era simpática porque todos os gordos são simpáticos, isto é, cômicos, engraçados. Gordos folgazões, comilões, fracos, coitadões, por comida farta. Gordos inofensivos, palhações. Com a diferença que, sendo mulher, contrariava a condição número 1 da mulher: ser boceta conforme as musas do cinema. Se não iguais, porque impossível, que guardassem pelo menos um corpo de miss.
Ela jamais seria Miss Maria. Era uma senhora que iria brilhar até a idade provecta de 30 anos. Cintura larga, busto largo, braços largos, pernas largas, pés largos. E com estatura baixa, o que a fazia ainda mais cheia. A uma senhora assim não estavam reservados encontros idílicos, amorosos, sensuais, sensuais!, não nos matem de rir. Que comédia. O beco, o bairro, a cidade inteira poderia explodir numa gargalhada se soubesse o calor do carinho que Maria guardava”
* Urariano Mota, jornalista, é autor dos romances Soledad no Recife, O Filho Renegado de Deus e A Mais Longa Duração da Juventude. É colaborador do Prosa, Poesia e Arte.