São Paulo de Jamil a Haddad

A vida em uma cidade diversa como São Paulo nos prega todo tipo de surpresa. Há pouco mais de 30 anos, quando tive meu primeiro trabalho com registro em carteira como ajudante de soldador em uma metalúrgica no ABC, meu instrutor se chamava Salian Challa. Ele era filho de libaneses e proferia a fé no islã, e nós discutíamos muito sobre fé e vida, uma vez que naquele período, além de praticamente uma criança, eu vinha de família cristã.

Muitos anos se passaram e pude absorver outras influências no trabalho e na luta política. Seja como assistente do cartunista mineiro Henfil, quem me ensinaria que um cartunista não deveria crer em deuses nem astronautas, pois poderia perder a essência do ofício, que é a critica. Ou com o italiano Mino Carta, que foi meu primeiro patrão no ofício de jornalista. Ou com Clovis Moura, com quem dividi a realização do primeiro livro destinado a questionar o racismo do mercado de trabalho brasileiro.

Nessas décadas, conheci e convivi com o japonês de Yroshima Fausto Kataoca, judeus, e gente de todas as nacionalidades e regiões, algo que só uma cidade como São Paulo pode proporcionar. Porém, foi com meus irmãos negros que mais convivi na luta ideológica contra o racismo, pois nesse caldeirão racial sempre foi perceptivo para mim que nós somos os mais discriminados em qualquer roda.

No final de semana antes das eleições, estive de volta ali em São Mateus, periferia da cidade, ao lado de dois descendentes de árabes: Fernando Haddad e Jamil Murad. Um deles sem dúvidas o melhor Prefeito que esta cidade já conheceu, responsável entre outras coisas pelo maior programa de ação afirmativa e inclusão racial no serviço público da América Latina, que destina vagas a negros em todos os cargos, inclusive os de Secretário, o qual ocupo junto a mais três colegas afrodescendentes. Quando Ministro da Educação, também foi responsável pela criação de programas fundamentais para a inclusão de negros nas universidades.

O outro, Jamil Murad, médico, parceiro, amigo com quem pude aprender muito da arte da paciência e da tolerância na luta política. Talvez o principal responsável pela cidade de São Paulo ter um cartunista, um jornalista negro, à frente da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial. E alguém que, por mais incrível que pareça, depois de décadas de convívio, há poucos anos descobri ser primo de primeiro grau do meu grande amigo Salian Challa, aquele que me ensinou o primeiro ofício de soldador. Neste último domingo, estava na mesma região ajudando na campanha de reeleição para vereador do Jamil, que é imprescindível para o triste momento de tanta violência e intolerância pelo qual passa a política brasileira.

Coincidências e histórias que só uma cidade como São Paulo pode proporcionar.



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