DM entrevista Lucas Marques, Secretário de Juventude do PCdoB-GO

Em sua edição do último sábado (07), o jornal Diário da Manhã conversa com o dirigente estadual acerca de suas visitas a Cuba, China e Coréia do Norte. Confira abaixo a entrevista completa, no texto de Renato Dias:

Lucas Marques

Ele conheceu Cuba, China e Coreia do Norte. Os últimos supostos redutos do socialismo realmente existente. Ex-presidente da União Estadual dos Estudantes, seção de Goiás [UEE-GO] e também da União da Juventude Socialista [UJS], o ‘enfant terrible’ Lucas Ribeiro, um marxista insubordinado de 28 anos que cultiva indefectível cavanhaque bolchevique, é taxativo. Cuba faz uma revolução permanente desde 1959 e se reinventará com a morte de Fidel Castro e o reatamento com a Casa Branca, observa. Com as ferramentas do marxismo, desfaz o que classifica como a ‘caricatura’ que os conglomerados de comunicação constroem da Coreia do Norte. Mais: apesar disso, admite que existem, sim, novos gulags no País e fuzilamentos por motivações políticas. Em suas viagens e aventuras utópicas revolucionárias, constatou que a China possui um projeto nacional de desenvolvimento que é avesso à liturgia do ‘Deus Mercado’, do neoliberalismo, já que exige forte intervenção do Estado na economia.
Veja a íntegra da entrevista:

Diário da Manhã – O que deve mudar, em Cuba, com a morte de Fidel Castro?

Lucas Ribeiro – Cuba está em permanente transformação desde a revolução cubana em 1959. Foi assim com a tomada do poder pelos guerrilheiros, com a adoção do socialismo via referendo. Os cubanos só se proclamaram formalmente socialistas na constituição de 1976, embora já o aplicasse antes. Esses referendos que reafirmam o caráter socialista ocorrem com certa frequência. Do ponto de vista econômico, após o bloqueio, o País foi amparado pelo bloco socialista europeu da antiga URSS. Com o colapso do Leste Europeu eles se abriram para o turismo e flexibilizaram parcerias privadas em segmentos específicos. As transformações são constantes. Há uma parte da historiografia ligada à oposição em Miami que sempre colocou a revolução cubana como um projeto pessoal do Fidel Castro, e que com seu desaparecimento físico Cuba iria abaixo do dia pra noite, mais ou menos como ocorreu com a Iugoslávia de Josip Broz Tito. Em Cuba o sentimento é justamente o oposto, há um entendimento de que a revolução não tem dono, que é uma construção permanente do povo cubano, e foi com essa concepção que Fidel Castro deixou o poder em 2006, que abandonou todas as funções públicas em 2010 e é assim que recebem a anos, mas sabendo que há outras lideranças sendo preparadas pra assumir o país, logo mais Raúl Castro também deixará suas ocupações de dirigente. O desafio do povo cubano é defender o legado da revolução e levá-la adiante.

DM – Como Barack Obama entra para a notícia da sua morte, com respeito ao papel de liderança que ele desempenhou por todos esses História com a reaproximação entre a Casa Branca e Havana ?

Lucas Ribeiro –
O fim das relações entre Estados Unidos e Cuba, em 1961, foi um problema criado e sustentado pelos EUA. Os cubanos sempre tiveram abertura para o diálogo, desde que ele fosse feito em condições de igualdade. Barack Obama tentou fazer da reaproximação uma marca positiva para o seu desgastado mandato, como a liderança que tomou a iniciativa de cessar meio século de hostilidades. O balanço do governo Obama é negativo, tanto internamente como externamente: o primeiro presidente negro que representava a esperança de uma “América” menos violenta falhou, foi o único a entrar e sair depois de dois mandatos afundado em guerra e conflito, não cumpriu as promessas de paz, pelo contrário, desestabilizou ainda mais o Oriente Médio na Síria, Líbia, Iemêm, deteriorou as relações com a Rússia, através do gabinete de Hillary Clinton resgatou a política intervencionista de golpes de Estado na América Latina, derrubou os governos de Honduras em 2009, Paraguai, em 2012, e Brasil, 2016. O militarismo tem um custo alto e ele está entregando a economia americana com problemas, crise interna, morte de negros pela polícia, uso político das instituições de segurança, espionagem interna e externa, etc. Reatar relações com Cuba foi um gesto “simpático” e uma forma de entrar para história resolvendo um conflito internacional de grande relevância e alivia a imagem ruim do seu mandato, mas é claro que isso precisa ser visto de forma contextualizada, antes do Golpe no Brasil e a eleição do Maurício Macri, na Argentina, a situação não era favorável para os EUA que precisavam sair do isolamento, a aliança progressista liderada ideologicamente por Cuba e Venezuela e economicamente pelo Brasil aliado aos BRICS era um problema enorme pra Casa Branca que se via cada vez menos influente na região. Cuba é um país de grandes possibilidades, a construção do porto de Mariel pelo Brasil promete dinamizar a economia e o comércio da região de forma intensa, os industriais e grandes produtores nos EUA querem ganhar dinheiro e pra isso vale inclusive negociar com comunistas, já fazem isso inclusive com os chineses. Em resumo, essa decisão histórica faz parte da política que visa aumentar influência na América Latina e Caribe, os cubanos sabem disso, muda-se a estratégia, mas o objetivo é o mesmo.

DM – Yoani Sanchez diz que Cuba é um País de capitalismo de Estado controlado por um cla familiar. Leonardo Padura Fuentes afirma que a ilha é socialista. Qual a sua análise?

Lucas Ribeiro – Socialista sem dúvida nenhuma, o que é afinal “capitalismo de estado”? Ao longo do século XX esse foi um conceito trabalhado por diversas correntes marxistas, trotskystas, anarquistas e até pela escola austríaca ele foi debatido, quando se faz uso desses conceitos é preciso identificar quem está “atirando”, isso diz muito das intenções. É preciso saber que os conceitos de Estado e sociedade são diferentes no socialismo e no capitalismo. A parte política que é geralmente esquecida nessas análises, se debate muito economia e deixam a política de lado, é socialismo também quando se aprimoram os meios de participação direta, do debate, da democracia, da representatividade, etc., e hoje há em Cuba níveis satisfatórios em maior ou menor grau da maioria desses elementos, porém não assusta escutar isso da Yoani Sánchez. Ela não é uma teórica da economia e tem objetivos claros de fazer propaganda negativa de tudo que ocorre em Cuba, é o que dá dinheiro para ela, suas análises são ruins e superficiais, o que é “clã familiar”? Raúl ser eleito e assumir a liderança do país por meios legítimos? Ou a filha de Fidel Castro ir pra Miami nos anos 90 por não gozar de privilégios na ilha? Isso é uma bobagem sem fundamento, Miguel Díaz-Canel que tem se destacado e pode ser futuramente o novo presidente cubano não tem laços familiares com a família Castro. Yoani não tem mais sido útil nem como ferramenta pra oposição, faz análises de conjuntura que são ruins e inverossímeis, passa informações imprecisas para seus aliados, por isso está sendo descartada até por Miami, a tendência é que caia cada vez mais no ostracismo, o atual momento histórico em Cuba não deixa espaços pra personagens como ela. Já para tipos como Leonardo Padura o terreno é fértil, artistas de enorme talento que estão ganhando reconhecimento no mundo, fazendo críticas quando necessário, o que é natural, vivendo a realidade cubana que não é perfeita e nunca me pareceu reivindicar isso. Agora mesmo estreou no NetFlix uma série baseada na sua obra literária policial, “Quatro Estações em Havana” que é uma preciosidade.

DM – Como é a Coreia do Norte?

Lucas Ribeiro – A República Popular Democrática da Coréia é um país comum, bem distante da caricatura que o ocidente tem conseguido disseminar com êxito. As pessoas têm bom nível de escolaridade e formação cultural, moram, comem e se vestem bem, vão ao teatro, cinema, andam de Skate, bebem cerveja, cortam o cabelo a seu gosto, namoram, casam, trabalham, etc. É um país socialista, diferente dos outdoors iluminados e da poluição visual que estamos acostumados, se vê pinturas e obras de arte no metrô, nas ruas, pontos de ônibus, as fazendas não são separadas por cercas, a propriedade e a produção são coletivas. As ruas da capital Pyongyang são amplas com boulevares de três pistas, tudo muito limpo e arborizado, a arquitetura é uma mistura do estilo tradicional soviético do pós-guerra com uma organizada estética futurista, há vários monumentos gigantescos exaltando os trabalhadores, artistas e a história do país. Não há violência urbana, assaltos, problemas relacionados ao tráfico de drogas, se alcançou um nível de civilidade e bem estar que ainda estamos procurando por aqui. A sociedade se organiza em grupos de jovens, trabalhadores, estudantes, artistas, e participam ativamente da vida pública do país. O bloqueio econômico traz escassez de bens e serviços que estão em certa medida sendo contornados pelo governo. O país é dividido e o sul, conhecido como Coréia do Sul, é ocupado militarmente pelos EUA, que mantém mais de 30 mil soldados na região com uma política de vigilância e perseguição a grupos de esquerda.

DM – Quando ocorreu a divisão entre as Coreias?

Lucas Ribeiro – Muitos acham que a divisão da Coréia foi mais ou menos como a da Alemanha, num acordo entre as potências envolvidas, mas a história foi um pouco diferente. Foi acordado em Moscou na Conferência de Ministros de Relações Exteriores que EUA e URSS trabalhariam pela criação de um governo provisório unificado e que em 5 anos eles se retirariam da Coréia, os movimentos que lutavam por soberania se reuniram em Seul e fundaram o país em 6 de setembro de 1945, como o nome de República Popular da Coréia, de uma forma completamente arbitrária 2 dias após a fundação, em 8 de setembro de 1945, os EUA invadiram o país até o paralelo 38, dividindo-o em norte e sul, começou uma perseguição implacável aos movimentos populares, dados de pesquisadores americanos dão conta de que 30 mil pessoas que defendiam a soberania do país foram mantidas presas, sufocando qualquer tentativa de oposição, desde então os americanos nunca mais saíram da Coréia. A tensão causada pela ocupação e a vontade de reunificação desencadeou em 1950 o início da guerra da Coréia, que se só teria uma conclusão em 27 de julho de 1953, com 440 mil coreanos mortos. A manutenção do norte socialista foi uma derrota inédita para os EUA, o General Mark Clark que assinou o armistício disse ter ganho a nada invejável distinção de ser o primeiro Comandante do Exército dos Estados Unidos a assinar um acordo de armistício sem vitória. Ainda que derrotados, os americanos permanecem ocupando o sul da Coréia.

DM – Ainda existem campos de reeducação e de trabalho forçado?

Lucas Ribeiro – Ao que tudo indica sim, o sistema penitenciário na Coréia tem o trabalho obrigatório e os estudos como ferramenta de reintegração do infrator na sociedade.

DM – Fuzilamentos ocorrem ?

Lucas Ribeiro – Existe pena de morte vigente no país para crimes de alto poder ofensivo e terrorismo, mas com baixo índice de criminalidade e com crimes de intensa violência cada vez mais raros. A pena capital quase não é aplicada, principalmente se compararmos a outros países que a adotam. Porém, na Coréia não há uma política de extermínio de determinados grupos da sociedade, como fazem por exemplo com os negros nos EUA , mesmo alguém de grande poder e prestígio não está blindado da justiça, em 2014 ficou famoso o caso do julgamento e condenação de Jang Song-thaek, tio do presidente do Partido do Trabalho da Coréia e do Comitê de Estado da República Kim Jong Un.

DM – Qual é o tamanho do país, da população, do PIB e a principal atividade econômica?

Lucas Ribeiro – É um país pequeno com pouco mais de 120.000 KM quadrados com população de 24 milhões de habitantes. Tem PIB nominal de 14,4 Bilhões de dólares com crescimento real de 0,5%. O setor industrial é o principal ramo de atividade e responde por metade do PIB, seguido por serviços e agricultura com mais ou menos 25% cada um.

DM – Qual o maior parceiro comercial da Coréia do Norte?

Lucas Ribeiro – A China.

DM – Qual a sua visão sobre a China?

Lucas Ribeiro – A China é um país surpreendente que saiu de uma situação de grandes fraturas internas, guerra, feudalismo e colonialismo na metade do século XX para se consolidar como segunda economia global no século XXI. Ela conseguiu com habilidade sair do isolamento nos anos 70 e hoje todas as principais economias capitalistas se encontram dependentes do gigante asiático. É um exemplo de que é possível através do Estado e de um projeto nacional de desenvolvimento fugir da cartilha neoliberal e se projetar frente aos grandes desafios do mundo. É um país que avança e apesar do encolhimento do PIB nos últimos anos não dá sinais de que vai parar de crescer até superar os EUA econômica e politicamente, tudo isso sem uma política de agressão ou intervenção em países mais frágeis, esse é um pilar da política externa chinesa, não interferir e dialogar com respeito mútuo. Cresce e investe muito no campo militar e espacial, em alternativas de mobilidade urbana, preservação ambiental e é referência no uso de energia solar, é o principal parceiro econômico do Brasil e de muitos outros países na América Latina, África e Oriente Médio, é também a principal líder dos BRICS (Brasil, Rússia, India, China e África do Sul). Sobre ajuda internacional, diferente das políticas orientadas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) nos anos 1990, onde se emprestava dinheiro a países em troca de medidas impopulares que geravam poucos resultados e muitas dividas, quase sempre o montante dos empréstimos desapareciam em esquemas de corrupção, em contraponto a China encontrou alternativas melhores, investe diretamente em infraestrutura e benfeitorias, os chineses costumam dizer que estradas, pontes e hospitais não podem ser depositados em contas na Suíça, tem dado certo e mudado a realidade de muitos países pobres na África, aqui no Brasil anunciaram a construção de uma megaferrovia ligando o oceano atlântico ao pacífico passando pelo Peru. Hoje há em curso no mundo uma disputa de projetos e influência global entre Washington e Pequim, e os chineses estão levando a melhor, a guerra fria voltou com uma nova roupagem made in China.

DM – A China seria capitalismo de Estado, monopólio do poder político pelo PCC e a segunda maior potência do planeta?

Lucas Ribeiro – O que eu disse sobre capitalismo de mercado sobre Cuba também se aplica aqui. É uma situação parecida. A China é hoje um país socialista, mas que sabe que precisa estar inserido no mercado global. Ela ficou isolada por muitos anos e deixar de olhar apenas para sim mesma foi fundamental pra se consolidar como potência. Os principais setores da economia estão sob controle do Estado, e mesmo o setor privado é regulamentado para servir como ferramenta para o desenvolvimento dos interesses nacionais. O resultado disso tem sido positivo, todo ano 30 milhões de chineses têm deixado a pobreza e melhorado a qualidade de vida, com mais acesso a bens de consumo, saúde e educação. Há um esforço de combater e punir o trabalho escravo e as leis trabalhistas avançaram muito na ultima década. Do ponto de vista politico, não há grandes diferenças com Cuba ou Coréia, é uma democracia popular com hegemonia do Partido Comunista onde o poder é exercido de forma direta e participativa em organismos de base, de baixo pra cima. Desde a morte do líder da revolução chinesa Mao Tsé- tung em 1976 o país alterou sua constituição limitando em dois o número de mandatos do presidente, aumentado a alternância e evitando desvios e concentração de poder.

Fonte: Diário da Manhã