“Estado policialesco ganha força criminalizando a política”

Em artigo publicado no site Congresso em Foco, os ex-presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcello Lavenère, Roberto Batochio e Cezar Britto, criticaram a intervenção do governo Michel Temer na segurança pública do Rio de Janeiro.

Lavenre Batochio e Britto - Reprodução

Intitulado “Tragédias: alertas, para não repetir”, o artigo afirma que “o Estado policialesco ganha força, criminalizando a política e o direito de defesa, necessário se faz o alerta para os riscos decorrentes de um decreto presidencial que flerta com o autoritarismo”.

“O Brasil precisa livrar-se do hábito de varrer para debaixo do tapete da História as suas abjeções”, diz outro trecho do texto. Para eles, a intervenção reintroduz no cenário político brasileiro a figura do governador-interventor e, em consequência, priva o governador eleito das competências e atribuições institucionais.

“Com a mesma caneta intervencionista, reinsere a gestão militar em atividade que é de natureza civil por excelência (art. 2º, parágrafo único) e, como no Estado Novo e na ditadura civil-militar, subordina a política estadual ao querer absoluto do poder presidencial”, destaca.

O artigo enfatiza que ao apontar tais desvios não quer dizer, pelo menos por enquanto, que a finalidade do decreto é “reviver os tempos sombrios, que é necessário sempre nominarmos de ditadura civil/militar e foram sepultados pela Constituição Federal de 1988”, ou outros períodos obscuros da história.

“Cabe-nos apenas, também e por ora, externar algumas preocupações sobre os acontecimentos que soam como já antes vividos pela cidadania brasileira e que, por isso mesmo, não merecem e não podem ser reprisados”, afirmam os ex-presidentes da OAB, que integram o Conselho Federal da entidade.

Eles apontam uma série de irregularidades do decreto que transformam a medida em inconstitucional. Entre as quais, a ausência de fundamentação quanto às reais motivações da precipitada intervenção, conforme artigo 93, inciso X, a Constituição.

Citam ainda a ausência de esclarecimento sobre a alteração do status da atuação do aparato militar em ações conjuntas nos moldes até então praticados, também utilizada em razão do “grave comprometimento da ordem pública”; e a impossibilidade de transformar a intervenção federal em intervenção militar na gestão pública, em conflito com o artigo 142 também da Constituição.

Para os advogados, a própria natureza da proposta de combate à violência pelo uso da força em indisfarçado “Estado de Guerra”, é uma “experiência reconhecidamente fracassada em todos os países que a adotaram”.

“Não se pode esquecer, ainda, que tratar a cidadania brasileira como inimiga externa não encontra amparo nos valores republicanos adotados pela Constituição de 1988. Ainda mais quando o governo central, antes mesmo de iniciar a sua gestão militar, anuncia que pretende quebrar princípios e garantias fundamentais, a exemplo de retirar do Poder Judiciário, como estabelecido expressamente em todos os atos institucionais, a apreciação individual e prévia dos mandados judiciais constritivos”, frisa.

E acrescenta: “As instituições militares pertencem ao país e não a um grupo político. Desde a redemocratização, têm sido exemplares no cumprimento de seus deveres, alheias aos embates e ao varejo do jogo político-partidário. Daí a improcedência de transformá-las, em seu conjunto, em instrumento de um jogo eleitoral sem regras definidas e com resultados imprevisíveis para a preservação do próprio Estado Democrático de Direito”.