Saúde para quem? Desabastecimento e epidemias em São Paulo

A pesquisa “Viver em São Paulo”, divulgada em janeiro de 2018 pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ibope Inteligência, apontou que 84% dos paulistanos utilizam algum tipo de serviço público de saúde. É o maior percentual de toda a série histórica – e um aumento de dez pontos percentuais em relação à edição anterior da pesquisa.

Por Zizia Oliveira*

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Ainda que voltado exclusivamente à cidade de São Paulo (SP), o levantamento indica que, com o agravamento da crise social e política no País, cresceu o número de pessoas que recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS). Entre os serviços que registraram maior demanda estão a distribuição gratuita de medicamentos (de 51% para 69%), o atendimento ambulatorial (56% para 65%), a consulta com especialistas (36% para 48%), o atendimento de emergência (de 28% para 34%) e serviços odontológicos (de 15% para 32%).

Conforme a pesquisa, a avaliação geral dos equipamentos de saúde é negativa em termos de acolhimento, acesso e qualidade. Sem contar a cada vez mais frequente falta de medicamentos. Em 2016, apenas na cidade de São Paulo (SP), houve uma alta de 30% na procura por medicamentos em postos de saúde, levando ao desabastecimento.

O governo estadual, responsável pela distribuição de medicamentos de alto custo, não se preparou para receber novos usuários no SUS. Em 2017, remédios para pacientes transplantados chegaram em São José dos Campos três meses depois do previsto. No bairro do Cambuci, na capital paulista, pacientes com esclerose múltipla atendidos pela Farmácia de Alto Custo do Estado sofreram com atrasos de até dois meses.

Falha na prevenção

Em 2017, Minas Gerais sofria uma epidemia de febre amarela. O governo paulista começou a notificar alguns casos e indicou a vacinação ao norte e ao nordeste do estado de São Paulo – regiões que fazem divisa com Minas. Mas, com o passar do tempo e a notificação de mortes de primatas, o estado também passou a viver um surto de febre amarela, sobretudo nas cidades de Mairiporã e São Paulo.

Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, os desmatamentos, aliados a grandes eventos em condomínios fechados na Serra da Mantiqueira no final de 2017, foram o estopim para que a epidemia se alastrasse na capital paulista. Todos os casos registrados foram de febre amarela silvestre – uma variante da doença passível de prevenção primária por imunização ativa da população. O problema é que, por décadas, os sucessivos governos do PSDB não implantaram uma política forte de vigilância em saúde.

Na realidade, além da falta de política preventiva, inexistem no estado de São Paulo medidas sanitárias adequadas para enfrentar grandes epidemias – a não ser quando irrompem crises. Ou seja, tarde demais. No entanto, é fundamental promover ações preventivas e sanitárias constantes, sobretudo em tempos de arboviroses oriundas da picada do mosquito aedes aegypti, como a chikungunya, a zika vírus e a dengue. A isso devem de somar investimentos em ciência e tecnologia, visando à imunização e à erradicação dessas arboviroses na sociedade.

A decisão política da gestão foi o fracionamento de doses da vacina para atender à população. Mas o fracionamento não tem uma previsão de durabilidade e garantia da efetividade do tempo em que o indivíduo fica protegido pela vacina. Há indicadores não precisos de que a prevenção pode durar até oito anos – o que nos leva a crer que, daqui uma década ou menos, poderemos viver uma nova epidemia de febre amarela em São Paulo.

Propostas

Em governos tucanos, a saúde é tratada como um verdadeiro balcão de negócios, a começar pelos interesses mercadológico das organizações sociais (OS’s) em manter as parcerias público-privadas. Pequenos e médios município paulistas se mantêm dependentes do governo estadual, reféns do repasse de recursos contingenciados, liberação de emendas e concessão de outros benefícios.

Essa lógica de gestão em saúde precisa mudar – e com urgência. O SUS precisa funcionar como de fato preconiza a Constituição, nos artigos 196 a 200:

– Uma política pública redistributiva, cuja finalidade é a universalização do direito à saúde a todos os cidadãos e cidadãs, mediante o acesso a ações e serviços ofertados pela gestão pública. É um sistema financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes, sempre submetido ao controle social.

– A garantia do acesso da população a serviços de qualidade, com equidade, integralidade e em tempo adequado ao atendimento das necessidades de saúde, de modo a considerar os determinantes sociais, atendendo às questões culturais, de raça/cor/etnia, gênero, orientação sexual, identidade de gênero e geração, através do aprimorando das políticas de atenção à saúde, vigilância em saúde e assistência farmacêutica e a consolidação das redes regionalizadas de atenção integral às pessoas no território, e por uma sociedade sem manicômios, por nem um retrocesso na reforma psiquiátrica antimanicomial.

– Garantia da fixação dos profissionais de saúde, principalmente nas regiões mais periféricas das regiões metropolitanas, em áreas rurais e de difícil acesso, com maior valorização da força de trabalho do SUS.

– Ampliação da participação comunitária e garantia da natureza deliberativa de Conselhos e Conferências, e sua participação na definição de orçamentos, transparência na alocação e uso dos recursos públicos, monitoramento e combate a desvios;

– Aplicação da prioridade constitucional das ações preventivas em saúde, combinado com direito constitucional a proteção à saúde, com o fortalecimento do saneamento básico, da saúde ambiental, da saúde do trabalhador, da vigilância epidemiológica e a vigilância sanitária.

– Combate a qualquer redução no orçamento da saúde nos próximos anos, acompanhando a tramitação das leis orçamentárias para que não seja desrespeitado o princípio constitucional da vedação de retrocesso.

Dados sobre a saúde de São Paulo

• Orçamento total aprovado na LDO para 2018: 22.438.922.175,00.
• Número de profissionais da saúde (Adm. direta, indireta e OSS) 128.500 – mês de referência Junho de 2017.
• Pessoal e encargos sociais: 5.623.746.792,00
• Orçamento das OSS’s – hospitais – para 2018: 5.605.926.938,00
• Orçamento das OSS’s – ambulatórios – para 2018: 3.104.439.950,00
• Hospitais adm. direta: 57
• Hospitais com adm. Organizações Sociais de Saúde: 36
• Unidades básicas de saúde: 27 – Adm. direta
• Ambulatório médico de especialidades com adm. OSS: 55
• Rede Lucy Montoro – Centros de reabilitação: 16