“Fundamentalismo neoliberal é o mais perigoso que assola o país”

Desde que assumiu, a gestão Michel Temer tem promovido mudanças no BNDES, que reduzem o papel da instituição e minam sua atuação como indutora do desenvolvimento. “Ao invés de usar o banco como instrumento para sair da crise, o governo decidiu usar a crise para saquear e desmontar o BNDES”, denunciou o economista Arthur Koblitz, vice-presidente da Associação dos Funcionários do banco (AFBNDES). Para a entidade, interesses econômicos e ideológicos estão por trás do ataque.

Por Joana Rozowykwiat

Arthur Koblitz Thiago Mitidiari BNDES - Foto: Clécio de Almeida/Vermelho

Em visita à sede do Portal Vermelho, nesta segunda-feira (2), Koblitz e o presidente da AFBNDES, Thiago Mitidieri, falaram sobre os rumos adotados pelo comando do banco, desde a chegada de Temer ao poder. Para eles, a mudança foi menos nas políticas do BNDES e mais na relação do governo com a instituição.

“O que a gente viu foi o governo contra o BNDES. Ao invés de olhar para o banco como instituição que poderia dar respostas à crise, o que o governo fez foram coisas no sentido de diminuir a sua importância e o seu tamanho”, criticou Mitidieri.

Como exemplo, ele citou a devolução antecipada, por parte do banco, de R$ 100 bilhões ao Tesouro Nacional, além do fim da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) – que balizava os financiamentos concedidos pelo BNDES desde 1994 – e a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), com critérios que a aproximam dos parâmetros praticados no mercado, encarecendo, portanto, o financiamento.

O presidente da AFBNDES lembrou ainda que, em 2016, o governo federal pagou uma propaganda oficial, que circulou em página inteira nos jornais, cujo título dizia: “Vamos tirar o Brasil do vermelho para voltar a crescer”. O texto, focado em criticar a herança fiscal deixada pelas gestões petistas, acusava o BNDES de emprestar US$ 8,3 bilhões com juros subsidiados para obras em Cuba, Venezuela, Argentina e Angola, enquanto “o Brasil permanece com infraestrutura precária”.

“Eram os mesmos ataques vulgares que vemos nas redes sociais: que o banco só apoiava as grandes empresas, que dava dinheiro para a Venezuela. Tivemos uma reunião com Maria Sílvia [então presidenta do banco] para perguntar como pode o governo atacar uma instituição que é dele, que está sob seu comando”, contou Mitidieri, certo de que a instituição na qual trabalha estava desde então sendo usada numa disputa política.

Para Koblitz, a crise serviu como uma oportunidade para promover a mudança de trajetória no banco. “Eles pensaram: ‘vamos usar a crise para dizer que temos uma relação de endividamento muito alto e, portanto, o BNDES tem que devolver o dinheiro que a gente passou para ele. Vamos aproveitar para falar que a crise é devido aos subsídios que foram dados nos empréstimos do BNDES. E vamos agora mudar a taxa de juros do BNDES para que esses subsídios não possam mais ocorrer’”, disse.

A AFBNDES já vinha alertando para os prejuízos que o país teria em decorrência da encolhimento do papel do BNDES. Segundo a entidade, sem a atuação do banco como incentivador do crescimento, poderão ser agravados, por exemplo, os processos de redução da capacidade industrial brasileira, aumento do desemprego, perda de postos de trabalho qualificados e depreciação da ciência, tecnologia e inovação.

E a quem interessa enfraquecer o banco de fomento? De acordo com os dirigentes da associação de funcionários, aos neoliberais e ao mercado financeiro.

“Há o interesse [econômico] e há a ideologia. O desmonte dos bancos públicos é uma agenda não finalizada dos anos 1990 O Brasil passou por todo aquele processo [neoliberal], mantendo um instrumento colossal de política econômica, os bancos públicos, diferente do que aconteceu em outros países da região [América latina)]. Agora, trata-se de acabar com essa anomalia, a ideia é latino-americanizar o Brasil no mal sentido, tirando isso da gente”, analisou o vice-presidente da AFBNDES.

Segundo ele, o BNDES é uma “ofensa” para algumas pessoas, que seguem à risca o receituário do Estado mínimo. “Eu diria que o fundamentalismo mais perigoso que assola o país é o fundamentalismo de mercado, neoliberal. Tem pessoas com convicções extremas sobre isso”, colocou. Koblitz defendeu que o desmonte dos bancos públicos é do interesse do sistema financeiro não só brasileiro, mas também internacional.

“É assim: o Lula foi preso, a bolsa sobe; vem uma notícia que desagrada ao mercado, a bolsa cai. Quem está por trás disso tudo é o mercado financeiro. E, nesse governo atual, essa figura do mercado estava encarnada no Henrique Meirelles – que agora saiu – e no Ilan Goldfajn, do Banco Central, que são os caras que mais trabalharam para essa política de desmonte do BNDES. Quem sustenta eles são o mercado financeiro”, criticou Mitidieri.

Na sua avaliação, um sinal de que os financistas de fora do país também estão de olho no enfraquecimento dos bancos públicos se deu durante os debates em torno da aprovação da TLP.

“Na época, o [então presidente do BNDES] Paulo Rabello fez uma crítica à TLP, dizendo que ela era muito nervosa [muito volátil], e houve uma reação desproporcional, como se cutucasse a onça com vara curta. Veio uma avalanche de colunistas, de pessoal que trabalha em bancos, em corretoras, escrevendo nos jornais defendendo a TLP de forma agressiva. E me surpreendeu que um cara da Organização Mundial do Comércio (OMC) e outro do Banco Mundial se pronunciaram, defendendo a TLP, dizendo que o subsídio tinha que acabar. Então acho que é uma articulação global”, apontou.

Os representantes da associação avaliaram que, ao contrário do que dizia Maria Silvia e a mídia tradicional, não houve melhorias no banco depois da troca de presidente no país. “Começaram a dizer que agora o BNDES apoia a pequena empresa, agora está preocupado com o meio ambiente, agora é transparente. Mas é tudo cascata, quase nada mudou. O banco já tinha o fundo Amazônia e uma área de meio ambiente, por exemplo. E a adição de medidas de transparência é praticamente nula”, afirmou Koblitz.

Thiago Mitidieri destacou que o Fundo Amazônia foi fundado quando Marina Silva era ministra do Meio Ambiente de Lula, e o banco criou o cartão BNDES – que facilita o acesso das micro, pequenas e médias empresas a limites de crédito para financiar a compra de máquinas, equipamentos, veículos e serviços – em 2002. “O discurso de que a gestão estava promovendo esse tipo de mudança foi uma cascata total. Era gestão de marketing”, completou Koblitz.

Nos próximos dias, o Vermelho publicará outros trechos da conversa, na qual Mitidieri e Koblitz falaram também sobre a tentativa de criminalização da atuação do BNDES e sobre como ficam os investimentos de longo prazo no país, diante do desmonte do banco de fomento.