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“Risco Estados Unidos” cresce com falência da GM

A General Motors, ao pedir proteção da Lei de Falências nesta segunda-feira (1º), tornou-se a maior empresa industrial do mundo a quebrar. Mas é apenas a quarta maior na lista das falências dos Estados Unidos. Das dez maiores, nove ocorreram nesta déca

O gráfico ao lado mostra a sequência das dez maiores empresas americanas que pediram falência. Veja como elas se concentram em fois períodos críticos, 2001-2002 e os últimos nove meses (1987 foi outro ano duro para o capitalismo do Tio Sam, com o crash da bolsa em outubro).



Em maio, 242 falências por dia



Quando os grandes quebram, é sinal de que a crise é grave, já que em crises “normais” eles até se fortalecem, engolindo os concorrentes mais fracos. Significa também que um número muito maior de falências está ocorrendo na base da pirâmide empresarial, fora dos holofotes da mídia.



Nesta terça-feira, foi anunciado o total de falências empresariais nos EUA durante o mês passado: 7.514, uma média de 242 por dia. O número foi 40% maior que o de maio do ano passado… e exatamente o dobro do mesmo mês de 2007.Nos EUA os simples cidadãos podem abrir falência, e faliram em massa com a crise das hipotecas. No ano passado estas quebras de pessoas físicas chegaram a 1,1 milhão, contra 800 mil em 2007, quando a crise hipotecária começou a fazer estragos (em 2006 foram 590 mil). Este ano calcula-se que chegarão a 1,6 milhão, o maior número desde a mudança da lei em 2005.



Falência ou concordata?



Aqui vale fazer um parêntese para examinar se é preciso falar em falência no caso da GM por exemplo. Quase tudo que tem sido publicado a respeito no Brasil prefere um termo mais brando – concordata.



Chama a atenção este desafinamento entre a mídia brasileira e a do resto do planeta. Nestes tempos de Google, o próprio internauta pode facilmente verificar como o resto do mundo descreve o que houve com a GM.



Nos próprios EUA e outros países de língua inglesa, todos só falam “bankruptcy” Os franceses usam “faillite”.Os italianos “fallimento”. Os espanhóis empregam em geral “quiebra”, enquanto os hispano-americanos falam “bancarrota”. Nossos irmãos portugueses usam “falência” mesmo (consultei os maiores jornais, Público, Diário de Notícias e Jornal de Notícias, a principal agência, Lusa, e o grande portal que é o Sapo).



Sobre concordatas e jabuticabas



Por que então usar “concordata”? A figura jurídica da concordata nem tem tradução nessas línguas. Embora tenha raízes que remontam ao Direito Romano, só existia no Brasil – como a jabuticaba, como dizem certos colunistas desta mesma mídia quando querem achincalhar algo que só existe no Brasil. E nem no Brasil existe mais, suprimida que foi pela Lei de Falências, sancionada em 2005 após 11 anos de tramitação.



A única desculpa alegada para o uso do termo é que a GM se socorreu do parágrafo 11 da Lei de Falências (Bankruptcy Act) dos EUA, e não do parágrafo 7. Ou seja, a empresa continua a existir, não some do mapa como a maioria das 7 mil que faliram em maio. Mas isso não é novidade, é como faz toda grande empresa que se preza, e mais ainda um gigante como a General Motors, a maior produtora de automóveis do mundo entre 1927 e 2007, que já chegou a responder por metade da frota de carros do país.



Uma estatização envergonhada



Examinemos mais de perto o que ocorreu: a GM de fato tentou obter algo que teria alguma semelhança com uma concordata, um acordo com os seus credores, que lhe permitisse reescalonar as dívidas e seguir adiante.



Tentou mas não conseguiu. Jogou a toalha na quarta-feira passada, diante da negativa de 90% dos credores. Então, nesta segunda-feira, 1º de junho, quando se esgotou o prazo fixado pela justiça, que trata do caso, foi obrigada a recorrer à Lei de Falências junto à Corte Federal em Manhattan.



Ocorre que, neste mesmo dia outro movimento se deu. Uma nova e ainda maior injeção de dinheiro do Tesouro dos Estados Unidos, para promover o que o presidente Barack Obama, pessoalmente envolvido na negociação, chamou de “nova GM”.



A diferença essencial entre a “velha” e a “nova GM” é a propriedade. Ao contrário do que ocorria nas concordatas brasileiras pré-2005, ou nas atuais recuperações judiciais, a GM mudou de dono. O que não é pouca coisa, já que diz respeito à mais sacrossanta das instituições capitalistas.



Quem são os novos donos da General Motors? O bolo divide-se assim:
60% –  o Tesouro do Estado americano, que entra no negócio com um total de US$ 50 bilhões;
17,5% – UAW (United Auto Workers), o sindicato dos trabalhadores do automóvel;
12,5% – capitais estatais do Canadá e da província canadense de Ontario, onde a GM atua há 91 anos;
10% – uma parcela dos credores.



Houve portanto o que só pode ser chamado de estatização da empresa que por mais de sum século foi um dos mais fortes ícones do capitalismo estadunidense. Mas foi uma estatização envergonhada, e de certo modo trucada. Além do que a história está longe de acabar.



Três meses de turbulências



O próprio Obama explicitou, já na segunda-feira, que o governo estava se tornando um “proprietário relutante”. Disse ainda que seu objetivo era “ter uma atitude de não interferência e retirar-se rapidamente”.



A parte dos truques começa pela rapidez. Um processo de falência dessa dimensão e cumplicidade costuma levar meses ou anos nos EUA. A Casa Branca e o Judiciário porém encontraram um jeitinho e ele deve se consumar em 25 dias.



Além disso, a “nova GM” carrega apenas parte da “velha GM” – aquela parte que ainda é lucrativa (por exemplo a filial brasileira) ou que se acredita que pode passar a ser num prazo curto. A “velha GM”, que continuará a existir, ficará com as dívidas e os ativos micados.



Mas mesmo a “nova GM”, ainda tem 60 a 90 dias de turbulência a atravessar para se postrar viável nestes tempos da Grande Crise – acabam de sair os números das vendas em maio, que foram 34% menores que as de 12 meses atrás; e isso ainda foi comemorado, pois esperava-se um tombo de 37%.



A reestruturação custará caro e será paga pelo andar de baixo. Dos 2.600 revendedores da GM no país, 1.100 receberão o cartão vermelho. A estimativa de fábricas que fecharão varia entre 11 e 20, a maior parte em torno de Detroit, sede da GM e outros gigantes do automóvel, hoje reduzida a uma cidade fantasma. As demissões devem liquidar em torno de 21 mil postos de trabalho.



Mesmo assim ninguém tem certeza de que vai dar certo, inclusive por que a GM não é a única. A Chrysler, terceira maior automobilística americana, recorreu à Lei de Falências em 30 de abril. O Bank os America, o Citibank, o Bank of America e outros oito dos 19 grandes bancos, que ficaram devendo no “teste de stress”, ainda lutam para conseguir o dinheiro faltante para se viabilizarem, algo em torno de US$ 74 bilhões. É todo um sistema que faz água, e as aflições dos oligopólios bilionários dão apenas uma pálida idéia do que acontece embaixo deles.