Quem é Gabriel Chalita, 'secretário-guru' de Alckmin

O jornalista Mário Sérgio Conti é autor de um artigo revelador sobre a futilidade que ronda a condução da política educacional do governo de Geraldo Alckmin.

Mas antes de falarmos do artigo de Conti, vale registrar que o jornal Folha de S. Paulo publicou na edição de ontem (30/3) uma matéria informando que o governador tucano abandona o mandato para disputar a presidência da República deixando para trás 76 escolas feitas de material metálico, as chamadas "escolas de latão", que o prefeito de São Paulo, José Serra, não se cansa de condenar em suas aparições na TV dizendo que são "herança dos petistas".

 

De acordo com a reportagem da Folha, as gestões de Mário Covas e Geraldo Alckmin, entre 1998 e 2002, construíram 150 colégios provisórios feitos de chapas metálicas. Eles abrigam no mínimo 800 alunos, que reclamam dos colégios por esquentarem muito no verão e serem frios demais no inverno.

 

A previsão mais otimista é que, em três anos, todas as escolas de latão tenham sido substituídas, mas há os mais pessimistas que prevêem a desativação total em 2010.

 

Auto-ajuda da piro espécie

 

Feito este registro, voltemos ao texto de Mário Sérgio Conti que também trata da administração tucana na área da educação.

 

Com o sugestivo título de "Gabriel Chalita: fracasso", Conti relata a desagradável experiência que teve ao se debruçar —por sugestão de um amigo que costuma votar em candidatos tucanos— sobre a "obra" do secretário de Educação do governo de São Paulo, Gabriel Chalita que, aos 36 anos, publicou 39 livros, sendo o primeiro deles aos doze.

 

"Comprei cinco livros de Chalita. Concentrei-me nos de educação: Histórias de professores, Pedagogia do amor, Educação – a solução está no afeto e Educar em oração. Não resisti e comprei também a biografia de Lu Alckmin (também escrita por Chalita). Gastei 194 reais. Seus livros não ficam na estante de educação. Estão na de auto-ajuda…", informa Conti para iniciar seu relato cômico das futilidades e mediocridades que encontrou nos livros do jovem secretário escolhido por Alckmin para comandar a pasta da Educação.

 

"Eu olhava os livros, os livros me olhavam, e nada. Não passava das capas, das contracapas e das orelhas, nas quais Chalita sorria, segurando o queixo, o cabelo com laquê, o ar de bom moço, de genro que uma senhora de Santana pediu a deus.", prossegue Conti, lamentando que a essa altura já tinha se arrependido de gastar os R$ 194,00.

 

Após finalmente arrumar coragem para encarar a leitura dos livros de Chalita, Conti faz o seguinte diagnóstico: "Eles não se prestam à análise. De nenhum tipo: filosófica, estilística, sociológica, literária…" Diante desta constatação, Conti recusa-se a tecer maiores comentários  sobre os livros. Mas oferece aos leitores que tiverem curiosidade e estômago, trechos da "sabedoria' educacional chalitiana. São pérolas do tipo: "O amor é um sentimento nobre que tem a capacidade de fazer a pessoa humana feliz. Todos nascem para a felicidade, esta é uma verdade universal."

 

Os vestidos de Dona Lu

 

Mas o livro que parece mais ter incomodado o jornalista Mário Sérgio Conti é o que trata da primeira-dama. "Seis lições de solidariedade com Lu Alckmin" é o título da pretensa "biografia" que Gabriel Chalita preparou para a chiquíssima esposa do governador.

 

Conti reclama que o livro não traz uma linha sobre o nebuloso caso envolvendo a separação religiosa de Lu Alckmin e o envolvimento da família com a Opus Dei. A "obra" concentra-se na trajetória filantrópica da primeira dama. "É um registro de experiências pessoais e sociais vividas por Lu que mostram a capacidade de transformar a vida das pessoas a partir da solidariedade", diz um trecho da apresentação do livro.

 

E não é apenas nos livros de Chalita que a vida pessoal  dos Alckmin aparece em todo seu esplendor. Ainda ontem, a esposa do governador foi personagem de uma outra história envolvendo uma estranha "filantropia".

 

O deputado estadual Romeu Tuma (PMDB-SP) quer que o governador Geraldo Alckmin dê explicações oficiais sobre o guarda-roupa da primeira-dama. Ele apresentou um requerimento de informações na Assembléia Legislativa pedindo que o governador confirme se o estilista Rogério Figueiredo presenteou Lu Alckmin com 400 peças de alta-costura e questiona: "Se cada vestido de Rogério Figueiredo custa de R$ 3 mil a R$ 5 mil, é aceitável que a primeira-dama receba presentes orçados entre R$ 1,2 milhão e R$ 2 milhões?"

O deputado Tuma também questiona se "convém ao governador, assim como à sua esposa, receber presentes caros" e pergunta: "Como fica seu discurso sobre a ética com relação ao problema criado pelos confortos proporcionados de graça à sua esposa, d. Lu Alckmin, pelo estilista?". A primeira-dama não responde a questões sobre guarda-roupa porque, de acordo com sua assessora, Cristina Macedo, ela "não fala sobre sua vida pessoal".

 

Confira abaixo a íntegra do artigo de Mário Sérgio Conti, publicado originalmente no site NoMínimo:

Gabriel Chalita: fracasso

Um amigo, que costuma votar em candidatos tucanos, sugeriu que eu lesse e escrevesse a respeito da obra de Gabriel Chalita. O argumento dele é que os livros de Chalita poderiam revelar, por tabela, alguma coisa do pensamento e da ação de Geraldo Alckmin, o candidato do PSDB à presidência. Seria útil, disse o amigo, comparar as idéias de Chalita sobre educação com a de outro intelectual tucano que estuda o assunto, o filósofo José Arthur Gianotti. Conhecendo meu espírito de porco, ele alertou: "Tem que ser um artigo sério, sem ironias".

Achei boa a idéia. Em suas entrevistas de candidato, o governador de São Paulo diz que é contra a distribuição de renda, apesar do Brasil ser um campeão em desigualdade. No seu raciocínio, a distribuição de renda deve ser feita por meio da melhoria da educação. Seria útil, então, analisar as idéias do político que ele colocou à frente da secretaria estadual da Educação, para vislumbrar o que está na base do pensamento do tucano em relação ao tema.

O que eu sabia de Chalita era quase nada. Sabia o que Diogo Mainardi contou em sua coluna na "Veja", há uns dois meses. Que, aos 36 anos, publicou 39 livros, o primeiro deles aos doze. Que sua última obra é uma biografia da mulher de Alckmin chamada "Seis lições de solidariedade".

Comprei cinco livros de Chalita. Concentrei-me nos de educação: "Histórias de professores", "Pedagogia do amor", "Educação – a solução está no afeto" e "Educar em oração". Não resisti e comprei também a biografia de Lu Alckmin. Gastei 194 reais. Seus livros não ficam na estante de educação. Estão na de auto-ajuda, ao lado de um autor chamado Içami Tiba. Procurei o único livro de auto-ajuda que li, "Como fazer amigos e influenciar pessoas", de Dale Carnegie. Estava lá. Está lá desde 1936, quando foi lançado, ajudando gente a fazer amigos e influenciar pessoas.

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Aí a "Folha" e o "Estadão" publicaram anúncios com Chalita. Anúncios de página inteira. Com uma baita foto do autor. Nele, a editora Gente, que ninguém conhece, celebra a entrada do seu autor na Academia Paulista de Letras. Atenção, não é a Brasileira, que dias antes elegera o cineasta Nelson Pereira dos Santos para ascender ao panteão dos imortais, é a Academia Paulista de Letras. O prefeito do Rio, Cesar Maia, disse que a propaganda era de estarrecer. "Uma foto de camisa azul e pose de dândi, quase galã, com rosto liso, cabelo arrumado, laquê suave e relógio de pulseira combinando com a camisa. Nem Paulo Coelho ou agora Nelson Pereira dos Santos mereceram tanto. No mínimo a editora Gente deveria ser auditada em suas relações com o setor público". Um publicitário me informa que as páginas nos jornais paulistas devem ter custado, por baixo, mais de 300 mil reais. Como diz o outro: aí tem.

Tem politicagem. Cesar Maia, aliado de José Serra, ridicularizou o anúncio porque Chalita foi um dos mais atilados defensores da candidatura de Alckmin. O secretário da Educação disse que Serra não poderia sair da prefeitura para concorrer à presidência porque o seu cargo passaria para as mãos do vice-prefeito Gilberto Kassab, do PFL, o partido de Cesar Maia.

Tem mais politicagem. Diante da repercussão ruim dos ataques de Chalita ao PFL, e do seu anúncio extravagante, assessores de Alckmin se apressaram a informar, em off, que o secretário da Educação não teria nenhum papel na sua campanha à presidência. E muito menos num eventual ministério do tucano. Já Chalita procurou gente da imprensa para reclamar da maneira como vinha sendo tratado. E passou a espalhar que será candidato a senador.

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A essa altura, me arrependera de ter gasto 194 reais nos livros. Não há nada mais chato, e desimportante, que as querelas entre PFL e PSDB, secretário de Estado e vice-prefeito, candidatos a isso e aquilo. Tudo lixo. Eu olhava os livros, os livros me olhavam, e nada. Não passava das capas, das contracapas e das orelhas, nas quais Chalita sorria, segurando o queixo, o cabelo com laquê, o ar de bom moço, de genro que uma senhora de Santana pediu a deus.

Criei coragem. Movido pela curiosidade, comecei por "Seis lições de solidariedade com Lu Alckmin". Curiosidade despertada por uma reportagem de Eliane Brun e Ricardo Mendonça, na revista "Época", sobre os laços de Alckmin com a Opus Dei. Os repórteres entrevistaram um primo de Alckmin, o qual diz que a relação do governador com a prelazia do Vaticano "se iniciou com a necessidade de anulação do primeiro casamento de dona Lu Alckmin. 'Ela casou-se e foi para Londres com o marido. Quando chegou, descobriu que ele vivia numa comunidade hippie. Voltou para o Brasil e namorou meu primo', conta. 'Como meu tio é muito católico, queria um casamento religioso. Foi aí que entrou o Opus Dei, para obter a anulação.' A prima Maria Lúcia nega que a Obra tenha intercedido junto ao Vaticano. 'Foi um reconhecimento de nulidade do matrimônio e não vejo nenhuma possibilidade de o Opus Dei ter definido isso', afirma".

Conseguir a nulidade de um casamento católico é um processo longo e intrincado. O Código Canônico é rígido. Ele admite a nulidade em situações bem específicas. O rapto, a incapacidade sexual de uma das partes, o homossexualismo, a imaturidade, a ausência de batismo, ou da idade legal, de um dos cônjuges, são motivos de anulação. Eles têm que ser provados num tribunal vaticano. O que teria Chalita a relatar sobre a experiência de Lu Alckmin com o assunto?

Ele não tem nada a dizer. "Seis lições de solidariedade" não tem uma palavra sobre comunidade hippie em Londres, o primeiro casamento da senhora Alckmin e a sua anulação. O livro não merece comentário. Como ele não trata de educação, e me impus não ser irônico, não há o que escrever a seu respeito.

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Enfrentei os outros livros. Das primeiras às últimas páginas. Com dificuldade. Também não tenho o que declarar a respeito deles. Eles não se prestam à análise. De nenhum tipo: filosófica, estilística, sociológica, literária. Não há como abordá-los. Chalita e eu não pertencemos ao mesmo universo. Não que eu seja superior a ele. Chalita representa os tempos que correm, é um político de sucesso. Eu não tenho nada a ver com isso. Fracassei.

Cabe apenas uma observação, tangencial ao tema. O PSDB nunca chegou a ser um partido. Foi um agrupamento de caciques regionais, que cedeu a legenda à escória que forma a base da política nacional. Entre os caciques, havia homens públicos de experiências diversas. Gianotti e Fernando Henrique Cardoso foram intelectuais representativos da USP. José Serra foi líder estudantil, teve de se exilar, estudou em boas universidades. Mario Covas teve ligações com sindicatos de Santos, foi cassado. Não discuto a política que eles defenderam e praticam. O PSDB deles acabou. O que resta agora é o PSDB de Alckmin, Chalita, da turma de Pindamonhangaba.

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Para não desperdiçar totalmente o que gastei nos livros de Gabriel Chalita, transcrevo adiante alguns dos seus trechos. Bom proveito.

 

"Ser professor é semear em terreno sempre fértil e se encantar com a colheita. Ser professor é ser condutor de almas e de sonhos, é lapidar diamantes."

"Já se tentaram várias fórmulas, regimes políticos e sistemas filosóficos para organizar de outro modo o triângulo pai-mãe-filho. Os comunistas tiveram suas novidades nesse sentido. O nazismo ensaiou o plantel dos espécimes perfeitos. Nada substitui o velho lar. A educação por conta do Estado e de instituições não funciona. A falência do sistema família-lar, pai, mãe, filhos solitários, passou a ser comum a partir não somente da liberdade sexual, isto é, do sexo sem repressão, como também da separação pelos cônjuges, aceita ou tolerada, entre sexo e amor."

"Não há fórmulas nem receitas; cada um de nós deve cultivar o discernimento para saber se curvar como o caniço ou manter-se firme como o carvalho."

"Ninguém foi obrigado a seguir Cristo, não havia lista de presença nem chamada, e mesmo assim, a multidão se encantava com seus ensinamentos – ele tinha o que dizer e acreditava no que dizia, por isso foi tão marcante."

"A educação física, como bem diz o nome, é uma educação para o trabalho com a habilidade do físico, do corpo, da mente."

"A vida em sociedade é necessária e essencial. O ser humano não consegue se desenvolver sem o outro. As relações são difíceis, complicadas, mas ninguém duvida de que não há como viver sem elas."

"O amor é um sentimento nobre que tem a capacidade de fazer a pessoa humana feliz. Todos nascem para a felicidade, esta é uma verdade universal."

"Não podemos esperar que as novas gerações modifiquem o que está errado se não despertarmos para o fato de que cabe a nós, desde já, dar o exemplo. Para isso, nossos pensamentos e ações devem ser um misto de altruísmo, capacidade de doação e amor ao próximo."

"As mulheres do sertão, mesmo as que moram na roça ou na periferia das grandes cidades, são como sacerdotisas de uma ordem extremamente rígida, que exige lágrimas diárias como prova de fidelidade e devoção. Na Região Nordeste, o ritual das lágrimas se prolonga numa espécie de comoção coletiva. As mulheres se juntam para rezar o rosário e entoar cânticos, louvores e promessas feitas em uníssono. E assim, gradativamente, vêem o chão se molhar não com as esperadas gotas de chuva, mas com as lágrimas que traduzem emoção e esperança."

"Temos em Cinderela um dos ícones dos injustiçados e dos oprimidos. A representação de uma mártir capaz de suportar e, no final do seu calvário, sobrepujar as injustiças e os sofrimentos mais diversos, ocasionados pela rivalidade fraternal e pela maldade – vilanias que se configuram como as temáticas centrais do conto ao lado de seu contraponto, a bondade. Em meio a esse turbilhão de provocações, Cinderela permanece pura de coração."

"O conhecimento é humilde. Quanto mais se conhece, mais se percebe o quanto falta para alcançar seu cume. Lugar que talvez nunca seja atingido, embora isso não nos dispense da subida. O cume nos aguarda como a flor aguarda o beija-flor, e como a noite aguarda a aurora."

"Vejo meus amigos reclamando da falta de atenção de seus pais. Tenho amigos que não têm pai. Outros, que não têm mãe. Outros, que têm os dois, mas não têm nenhum. Vão crescendo sem afeto, sem cuidado, sem presença. E é difícil viver assim."

"Juventude é juventude. Ontem. Hoje. Sempre. Jovens destemidos em posição de batalha. De batalhas corretas. De temas certeiros. De desbravadores que não se deixam abater pelas feras que rondam a travessia. Se é preciso enfrentá-las, dizem presente, os que são jovens."