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Veto de Serra sucateia Lei de Fomento à Dança

O projeto de Lei de Fomento à Dança Contemporânea (nº 508/04), reivindicação dos movimentos artísticos aprovada na Câmara de São Paulo no fim do ano passado, acabou sucateado pelo governo municipal. A lei previa a garantia de R$ 6 milhões para este ano. M

Agora, o vereador que apresentou o projeto, José Américo (PT), pretende articular na Câmara a derrubada do veto do prefeito, para garantir que a dança receba mais atenção do governo municipal. O projeto é uma reivindicação do movimento Mobilização Dança, formado em 2003. O Mobilização é uma articulação de companhias e grupos de dança e dançarinos que debatem e lutam por políticas públicas para a arte da dança.

 

José Américo afirma que o governo Serra jogou um balde de água fria na arte. A Administração diz que não tem como disponibilizar mais do que R$ 1 milhão. “Esse desmonte descaracteriza o projeto por completo. O nosso objetivo é deflagrar a dança em São Paulo, conseguindo abarcar o maior número de grupos possíveis”, explica Américo.

“Pensávamos em beneficiar 30 ou 40 companhias e grupos com os R$ 6 milhões. Mas agora, esse dinheiro dá para uns dez. Não adianta dividir esse milhão entre todos. Não vai servir para muita coisa”, completa o vereador.

 

O Mobilização Dança luta para a profissionalização das companhias e artistas. Por serem marginalizados, muitos bons dançarinos abandonam a dança e seguem para outras áreas ou até mesmo desistem da arte. Essa realidade existe em todos os grupos do Mobilização.

 

“Não temos condições de pagar os dançarinos nos ensaios. Muitos deles não têm dinheiro para pagar a condução. Além disso, tantos deixam de ensaiar para poderem fazer outros serviços para levantar dinheiro. Já vi dançarino que deixou de ensaiar porque de vez em quando conseguia bicos para animar festinhas de criança. Essa é a nossa realidade. Precisamos nos profissionalizar para evoluir cada vez mais”, afirma Maura Baiocchi, fundadora da TaanTeatro, que participam da articulação.

 

Wolfgang Pannek, também cia TaanTeatro, lembra a necessidade histórica de se debater políticas públicas de fomento à Cultura. “Se já é difícil discutir a Arte como um todo, imagine para a dança. A dança não é uma coisa decorativa. Tratamos de reflexões e estudo do corpo. Debatemos evolução e transformação. Propomos discussões que outras artes não podem fazer”, destaca.

 

Fábio Brazil, do grupo Caleidos, lamenta o fato da dança ser tão marginalizada no Brasil: “É impressionante como um país que se vende pela dança não tem um projeto de investimento para a área. O Brasil se expressa dançando. Há muito preconceito. Vêem a dança como algo que não seja inteligente. Como se não fosse uma arte”.

 

Na periferia – As irmãs Eliana Cavalcante e Sofia Cavalcante que também se articulam no Mobilização lembram que, em 2004, conseguiram um financiamento de R$ 900 mil da prefeitura de São Paulo. A verba gerou uma mostra de 280 espetáculos de dança, em um período de dois meses, nos CEUs da capital. A experiência nas periferias foi o que motivou as companhias a articularem o Mobilização Dança.

 

Fábio Brazil diz que o fomento serve como um fermento e que com a verba que deve ser repassada, a lei deveria ser chamada de “lei do faminto”, ao invés de lei de fomento. Ele acredita ainda que deva ser criada uma dinâmica de público: “A dança contemporânea pouco aparece porque não tem exposição. Mas toda propaganda política tem uma menininha vestida de rosa dançando balé. Apenas queremos o nosso espaço. Uma pequena mostra que fizemos provou que as pessoas se interessam e muito pelo assunto. Precisam apenas conhecer a dança”.

 

“Não estamos pedindo verba como se o poder público fosse um balcão de negócios. Estamos reivindicando direitos. Procuramos diferenciar. Não estão preocupados com a inteligência da população. Nós queremos levar idéias através da dança. E que outras pessoas possam fazer isso. A arte educa naturalmente”, aponta Eliana.

 

Prefeitura – O secretário municipal de Cultura, José Carlos Kalil, não concedeu entrevista sobre o assunto à CARTA MAIOR. A assessoria de imprensa da Secretaria informou que a Administração contratou na semana passada a bailarina Iracity Cardoso para cuidar da questão na pasta de Cultura.

 

A assessoria informou que Iracity estaria tomando conhecimento de todas as questões da dança na cidade e que, após isso, se manifestaria, nessa semana, à imprensa. Integrantes do grupo Mobilização Dança e o vereador José Américo estiveram com Kalil, no começo de março, discutindo a regulamentação e os recursos disponíveis. Mas o secretário disse que não teria como conseguir mais verbas.

 

Nesta terça-feira (04), um novo encontro está marcado. Mas a perspectiva dos integrantes do Mobilização não é boa. “Espera-se de um dirigente cultural uma posição de defesa da Arte e da Cultura. Espera-se engajamento e não o conformismo das amarras de um orçamento”, disse Wolfgang Pannek.

 

Para Brazil, o fomento funciona como fermento. E R$ 1 milhão não adiantaria grandes coisas para a dança. “Existe uma latência democrática completamente excluidora nessa ação da prefeitura. Celso Frateschi (ex-secretário) era mais sensível, pois ele compreendia a nossa realidade”.

 

O vereador José Américo diz que é difícil conseguir a derrubada de um veto na Câmara, mas que é possível sensibilizar seus colegas. O grupo de Mobilização Dança está organizando agora uma manifestação em defesa da Lei de Fomento, prevista para o dia 28 de abril, no Dia Internacional da Dança, além de continuar a articulação com parlamentares.

 

Fábio Brazil conclui lembrando que “a ignorância no debate de políticas culturais é azul, amarela e vermelha. Isso não está restrito a alguns partidos. É um problema de todos. Algumas pessoas são mais sensíveis, mas falta um projeto maior. É preciso compreender a arte para além do mercado, longe da renúncia fiscal e da política do balcão de negócios”.