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Carajás, 10 anos: entidades promovem ato público contra impunidade

Em protesto contra a violência e a impunidade, diversas entidades promovem o ato público “17 de Abril — 10 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás”. A manifestação, na Praça da Sé, em São Paulo,

Entidades de direitos humanos, comissões pastorais, sindicatos, movimento hip hop, autoridades políticas e movimentos sociais participam do ato. Trata-se de um protesto contra a conivência do Poder Judiciário em relação à violência contra trabalhadores do campo e da cidade. Nestes dez anos, a única conclusão a que se chegou foi a impunidade dos 155 soldados envolvidos no caso. Três julgamentos já foram realizados e, devido a irregularidades, o processo se arrasta e ainda não foi concluído.

No ato público desta segunda, os manifestantes distribuirão jornais sobre os 10 anos de Eldorado dos Carajás e cartões postais endereçados à ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, designada para o julgamento do recurso do coronel Mário Colares Pantoja e do major José Maria Pereira Oliveira, condenados a 228 e 154 anos de prisão, respectivamente, pelo Tribunal do Júri.

Serão relembrados a violência polícial, o Massacre do Carandiru (e a absolvição do Coronel Ubiratan pelo Tribunal de Justiça-SP), a violência na Febem, o extermínio de moradores de rua, o assassinato de sindicalistas e missionários, as mortes por exaustão no corte de cana do agronegócio e os massacres relacionados à questão agrária. Uma manifestação simbólica representará as mortes em todos esses episódios de violência. Ao final, milhares de cruzes e velas serão depositados ao redor do Tribunal de Justiça, em sinal de luto e protesto contra a impunidade.

O processo –
O massacre de Eldorado do Carajás teve repercussão ímpar, pelo número de mortos, pelas circunstâncias das execuções sumárias e em função do número de policiais envolvidos. A construção da impunidade teve início minutos após o fim do massacre. Mesmo sabendo da ilegalidade, os policiais removeram todos os corpos da cena do crime e impossibilitaram a realização de perícias eficazes para a localização dos autores dos disparos.

Dois promotores de Justiça, que insistiam na tese de que era obrigação do Ministério Público do Estado do Pará investigar a responsabilidade do governador do Estado e do alto escalão no massacre, foram afastados do pelo então procurador-geral de Justiça, Manoel Santino do Nascimento. No segundo mandato do governador Almir Gabriel, Nascimento foi secretário especial de Governo.

O encarregado do inquérito, coronel João Paulo Vieira, também isentou Almir Gabriel e toda a cúpula do governo de qualquer responsabilidade pelo massacre. Também foi “premiado”, a exemplo de Nascimento, com a nomeação para chefe da Casa Militar. O inquérito policial instaurado por determinação do Superior Tribunal de Justiça para apurar a responsabilidade de Almir Gabriel foi arquivado a pedido da Procuradoria Geral da República.

Mesmo tendo sido afastadas pessoas com envolvimento importante no massacre, em função da intensa pressão do MST e da sociedade, conseguiu-se que pelos menos os policiais militares diretamente envolvidos com as execuções sumárias e lesões fossem processados judicialmente.

Confira a cronologia do processo:

Junho de 1996 –
Início do maior processo em número de réus da história criminal brasileira — 155 policiais militares. Nestes 10 anos, o processo ultrapassou o número de 10 mil páginas.

16 de agosto de 1999 —
primeira sessão do Tribunal do Júri para julgamento dos réus em Belém, presidida pelo juiz Ronaldo Valle. Esta sessão encerrou-se com a absolvição dos três oficiais julgados — coronel Mário Colares Pantoja, major José Maria Pereira de Oliveira e capitão Raimundo José Almendra Lameira. Foram três dias de sessão com cerceamento dos poderes da acusação, impedimento da utilização em plenário de documentos juntados no prazo legal, permissão de manifestações públicas de jurados criticando a tese da acusação e defendendo pontos de vista apresentados pela defesa. Por fim, o juiz Ronaldo Valle, em decisão polêmica, apresentou questionamento aos jurados que distorceu o resultado da votação do Conselho de Sentença, obtendo assim a absolvição dos três réus pelo placar de quatro votos a três. Com a pronta reação do MST e dos advogados e promotor, os julgamentos dos demais 152 réus foram imediatamente suspensos.

Abril de 2000 –
Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a anulação do julgamento, decisão mantida em um segundo julgamento em outubro de 2000. Antevendo a anulação, o juiz Ronaldo Valle solicitou o afastamento do caso. Dos 18 juízes criminais da Comarca de Belém, 17 informaram ao presidente do Tribunal de Justiça que não aceitariam presidir o julgamento, informando como razão, na maioria dos casos, simpatia pelos policiais militares e aversão ao MST e aos trabalhadores rurais.

Abril de 2001 –
Foi nomeada nova juíza para o caso, Eva do Amaral Coelho, que designou o dia 18 de junho de 2001 como data para o novo julgamento dos três oficiais absolvidos em agosto de 1999. Contudo, alguns dias antes do início da sessão, Eva determinou a retirada do processo da principal prova da acusação — um minucioso parecer técnico da Unicamp, subscrito pelo professor Ricardo Molina, que, em conjunto com um CD-ROM de imagens digitais, comprova claramente que os responsáveis pelos primeiros disparos contra os trabalhadores foram os policiais militares. Novamente o MST reagiu à situação anormal, obrigando a juíza a rever sua posição. Em virtude disso, Eva suspendeu o julgamento marcado para o dia 18 de junho e não apresentou nova data para sua retomada.

14 de maio a 10 de junho de 2002 –
O julgamento dos acusados pelo massacre de Eldorado do Carajás foi retomado dias. Após cinco sessões de julgamento, dentre os 144 acusados julgados, apenas dois receberam condenação (coronel Pantoja e major Oliveira), com o benefício de recorrerem em liberdade. Em decorrência dos benefícios estendidos aos dois únicos condenados, as testemunhas de acusação não compareceram mais ao julgamento, devido ainda a ameaças de morte e por não acreditarem na seriedade do processo. Conforme informações publicadas pela imprensa do Pará, os jurados eram pressionados por pessoas ligadas aos acusados no sentido de votarem pela absolvição. Pelo menos uma jurada suplente teve a coragem suficiente para confirmar a ocorrência de tais fatos. Durante cerca de 20 dias, os principais jornais do Pará publicaram matérias informando em detalhes as intimidações e ameaças de morte que estariam recebendo as principais testemunhas da acusação, principalmente duas, Raimundo Araújo dos Anjos e Valderes Tavares. Nada foi feito em relação à proteção e salvaguarda de tais testemunhas, tampouco as autoridades do Poder Judiciário do Pará cogitaram suspender o julgamento, que estava comprometido, pelo clima de hostilidade e intimidação existente contra as testemunhas de acusação e jurados.Prevendo a situação, o MST não aceitou participar de um julgamento em que não estivessem sequer garantidas a segurança e a tranqüilidade das pessoas fundamentais para a acusação. Tanto a defesa quanto a acusação apresentaram recursos de apelação para o Tribunal de Justiça do Pará.

Novembro de 2004 –
A 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Pará julga numa só sessão todos os recursos da defesa e da acusação e mantém a decisão dos dois julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri, absolvendo os 142 policiais militares e condenando apenas o coronel Pantoja (228 anos de prisão) e o major Oliveira (154 anos de prisão).

22 de setembro de 2005 –
Pantoja é posto em liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal, que lhe concedeu habeas-corpus.

13 de outubro de 2005 –
Major Oliveira é posto em liberdade por decisão do Supremo Tribunal Federal, que estendeu a ele o habeas-corpus em favor do coronel Pantoja. Atualmente, aguarda-se o julgamento do Recurso Especial apresentado ao STJ e posteriormente do Recurso Extraordinário apresentado ao STF.

O MST reivindica que sejam mantidas as condenações do coronel Mario Colares Pantoja e do major José Maria Pereira de Oliveira; que eles sejam submetidos imediatamente ao cumprimento da pena a que foram condenados; e que os 142 policiais militares que participaram ativamente do massacre sejam submetidos a novo júri.