PSB espera carta de Lula com compromisso pelo desenvolvimento

Com a verticalização das eleições, a direção do PSB precisa de um gesto concreto para justificar às bases regionais a coligação formal de apoio à reeleiç&a

por Nelson Breve, da Agência Carta Maior

Nascido há 74 anos de uma dissidência do movimento tenentista que percorreu o país com a Coluna Prestes na década de 1920, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) está diante de um dilema que poderá definir o futuro da legenda nas próximas décadas. Alinhar-se formalmente na coligação que apoiará a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, correndo o risco de permanecer eternamente à sombra do Partido dos Trabalhadores (PT) na disputa partidária do país. Ou ficar livre para fazer as alianças estaduais necessárias para ultrapassar com folga a cláusula de barreira eleitoral, formando uma bancada com cerca de 60 deputados federais, o que colocaria o partido na primeira divisão da política nacional.

Os dirigentes do PSB e do PT acreditam na possibilidade de aliança formal para dar sustentação à candidatura do presidente Lula. Mas as dificuldades para um entendimento que permita conciliar a dinâmica nacional com o processo de formação dos palanques estaduais podem tornar inviável a coligação. A direção do PSB espera do presidente um gesto simbólico que facilite o convencimento das bases regionais, que deverão ser prejudicadas em caso de apoio formal a Lula. O gesto simbólico seria a divulgação de um documento que oficialize o compromisso do governo com objetivos mais ousados de crescimento econômico. Além disso, o PSB oferece o ex-ministro Ciro Gomes como candidato a vice-presidente e espera receber o apoio do PT a seus candidatos ao governo de cinco estados e ao senado em outros dois.

A versão desenvolvimentista da Carta ao Povo Brasileiro é também uma reivindicação do PCdoB para justificar aos seus militantes o apoio a um segundo mandato de Lula já no primeiro turno da disputa. Os três anos de política econômica conservadora deixaram socialistas e comunistas com pouca disposição para defender nas ruas mais quatro anos de juros altos e crescimento baixo. Com a Carta ao Povo Brasileiro, que emblematicamente foi divulgada com uma versão em inglês três meses antes da eleição de 2002, o então candidato Lula prometeu ao mercado financeiro que não entraria na aventura de desarmar o tripé do câmbio flexível/metas de inflação/dívida pública líquida controlada por metas fiscais (superávit primário).

O documento reafirmando o Compromisso com o Desenvolvimento é a senha que os militantes de esquerda esperam para se lançar com entusiasmo na campanha pela reeleição de Lula. No entanto, o presidente tem dificuldades políticas para formalizar essa sinalização antes que a composição das alianças regionais se torne irreversível. O primeiro obstáculo é a estratégia de só assumir a candidatura em junho. Uma carta com compromissos para um segundo mandado seria considerada a oficialização da candidatura, o que poderia restringir os movimentos do presidente, que está promovendo seu governo com um cronograma intenso de viagens pelo país antes do início oficial da campanha eleitoral.

Outro obstáculo à formalização de um compromisso com o desenvolvimento seria a perspectiva de causar turbulência no mercado financeiro. Os especuladores estão à espreita, farejando oportunidades para ganhar dinheiro com o nervosismo de investidores inseguros. Com a inflação estabilizada em um patamar razoável, o cenário internacional relativamente tranqüilo, as contas externas satisfatórias e a perspectiva de queda nas taxas de juros, o terrorismo da vez foi deslocado para o gasto público. Qualquer sinal de aumento nas despesas governamentais, ainda que justificado, está sendo apontado como descalabro administrativo pela narrativa hegemônica dos formadores de opinião, que fazem coro com os porta-vozes da oposição. Portanto, qualquer compromisso com o desenvolvimento, sem uma dose eficaz do antídoto da comunicação, pode se tornar mais um incômodo para o governo administrar.

Uma alternativa a essa segunda carta, seria o documento com as diretrizes para o programa de governo a ser aprovado pelo Encontro Nacional do PT no fim deste mês. Uma referência a metas maiores de crescimento em eventual segundo mandato explicitaria o compromisso sem comprometer o presidente, uma vez que seria referência para qualquer candidato apoiado pelo PT. Outro indicativo desse compromisso estaria evidente nos parâmetros macroeconômicos considerados pelo projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2007 enviado ao Congresso na semana passada. As projeções estariam considerando um crescimento médio de 5% na economia do país nos próximos três anos. Praticamente o dobro do que foi obtido no último triênio.

Caso o obstáculo da sinalização seja contornado, ainda restará acertar o dos palanques regionais e a candidatura a vice. Embalado pela candidatura do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho à Presidência, o PSB obteve 5,1% dos votos nacionais para a Câmara de Deputados em 2002. Manter esse porcentual sem um candidato encabeçando a chapa nacional é o grande desafio do partido na eleição deste ano. Se superar a cláusula de barreira, o PSB poderá atrair para a legenda parlamentares de partidos de esquerda que não consigam superar a cláusula de barreira (PPS, PDT e PV são os mais ameaçados, além do PCdoB).

Ter mais de 5% dos votos nacionais em pelo menos nove estados significa manter uma fatia razoável no tempo da propaganda eleitoral obrigatória, além de um naco maior do Fundo Partidário. Quem conseguir superar essa barreira se tornará referência para a migração de parlamentares para legendas mais estruturadas, que certamente ocorrerá. A direção nacional do PSB acredita que consegue eleger 45 deputados federais usando seus melhores quadros nos estados para puxar votos, a começar do próprio Ciro Gomes, no Ceará. Outros 15 seriam atraídos posteriormente, dando ao partido uma bancada próxima da que o PT espera eleger.

Com mais de 10% das cadeiras da Câmara, o PSB entraria para o clube dos partidos que decidem votações. Conseqüentemente, seria mais respeitado seja na base do governo ou na oposição. Esse capital estaria em risco com a formalização da aliança nacional com o PT. Em grandes colégios eleitorais como São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco, as dificuldades para apoiar um candidato do PT ao governo estadual são muito grandes. Mesmo no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal, onde os dois já foram aliados, os ressentimentos e desentendimentos provocados pela falta de diálogo podem tornar inviáveis as coligações.

Para convencer as bases regionais de que vale a pena correr o risco de não ultrapassar a cláusula de barreira, os dirigentes do PSB esperam ouvir do próprio presidente Lula um compromisso de solidariedade política. Ao invés de tentar sufocar o PSB para manter a hegemonia no campo da esquerda, o PT se comprometeria a garantir um espaço político efetivo, tanto na coordenação da campanha, quanto na composição do governo em um eventual segundo mandato. Esse acordo passaria pelo apoio do PT aos candidatos a governador do PSB em cinco ou seis estados. Começando pelos que o PSB governa.

O Rio Grande do Norte, com a reeleição de Wilma Farias, e o Maranhão, onde o governador José Reinaldo não disputa a reeleição, mas apóia o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Edson Vidigal. Outras opções seriam as candidaturas do ex-governador e ex-senador João Capiberibe, no Amapá, do ex-senador Ademir Andrade, no Pará, e do ex-prefeito de Sobral Cid Gomes, no Ceará.

Mais complicado que esses arranjos locais deverá ser encaixar Ciro Gomes na vaga de vice na chapa principal da eleição. Os dirigentes do PSB cansaram de ler notas na imprensa dizendo que Ciro é o vice dos sonhos de Lula. Mas o presidente nunca tratou do assunto com os interessados. Até porque seria uma descortesia com o atual vice, José Alencar (PRB). Além disso, o presidente ainda acalenta esperanças remotas de incluir o PMDB na coligação, o que dispensaria composições com quaisquer outros partidos.