Franco-atirador aterroriza soldados dos EUA no Iraque

O Vermelho reproduz artigo do Coronel H, nome fictício de um colaborador do Círculo Bolivariano de São Paulo, sobre o franco-atirador iraquiano Jaba — ou Juba, em inglês — que tem aterrorizado os soldados

Ele é o pesadelo dos soldados dos Estados Unidos no Iraque, e o herói da juventude iraquiana – e ninguém sabe quem ele é. Sozinho, ele já matou mais de 100 soldados da tropa de ocupação. Seus ataques são precisos e letais: uma única bala, e o soldado inimigo se estatela no chão morto. Seu nome e rosto são um mistério, mas no Iraque inteiro, ele é conhecido pelo apelido de "Jaba" (Juba, em inglês). Um mito.

"Foi o tiro perfeito", disse o comandante de batalhão, Tenente-Coronel Kevin Farrell, a respeito de um ataque do franco-atirador que matou um de seus homens — "Arrebentou a espinha". Em entrevista ao The Guardian — o primeiro jornal, e até agora único — do Ocidente a revelar a história de Jaba, o oficial desabafou: "Nós temos diferentes técnicas para tentar pegá-lo, mas ele é muito bem treinado e muito paciente. Ele não atira duas vezes".

O matador sem rosto — possivelmente um veterano de elite do exército de Saddam Hussein, com nervos de aço e que opera sobretudo na área da grande Bagdá — já é considerado um dos maiores franco-atiradores de todos os tempos, no mesmo nível de lendas como o russo Vassíli Záitsev, herói da batalha de Stalingrado e que serviu de inspiração para o filme "Círculo de Fogo" ou o fuzileiro americano Carlos Hatchcock, que matou comprovadamente nada menos que 93 soldados inimigos no Vietnã. Segue os passos de outro legendário atirador iraquiano que atuava logo após a ocupação do país — conhecido por Caçador — sendo que ambos são aficcionados do mortífero rifle russo Dragunov, talvez a melhor arma já desenvolvida para uso de franco-atiradores, capaz de perfurar até os capacetes de kevlar dos soldados estadunidenses. Embora não corra riscos desnecessários, Jaba tem tranqüilidade e presença de espírito suficientes para alvejar inimigos a curta distância quando surge a oportunidade, prescindindo então do alcance de mais de 1 quilômetro dos projéteis disparados pelo Dragunov.

Ainda não se sabe sequer se Jaba é um único franco-atirador, ou uma equipe de franco-atiradores rebeldes, ou ainda se Jaba e o Caçador são a mesma pessoa. O que se sabe é que Jaba, ou os "Jabas", têm seus ataques sempre registrados por seu inseparável cameraman, e transformados imediatamente em videoclipes com direito a trilha musical com canções patrióticas e militares em árabe se tornaram a coqueluche de vendas nos bazares de Bagdá. Os vídeos também podem ser facilmente encontrados e baixados pela Internet por qualquer pessoa, e não dão a menor margem a desmentidos do Pentágono sobre a eficácia dos ataques de franco-atiradores rebeldes. Para evitar que o mito Jaba se espalhe, o recurso do Pentágono foi mais uma vez silenciar a complacente grande imprensa, que desde o início da guerra vem desempenhando um vergonhoso papel de quarta arma das Forças Militares dos Estados Unidos. O que vem sendo fielmente seguido pela grande imprensa também no Brasil, onde uma simples pesquisa sobre as notícias em português a respeito de Jaba nos sites de busca praticamente não traz resultados.

O sucesso extraordinário de Jaba comprova, mais uma vez que o papel dos franco-atiradores nas guerras contemporâneas, as chamadas "guerras de quarta geração" é absolutamente essencial, e que possuem um lugar privilegiado assegurado nas guerras do futuro. Desprezados e odiados pelos demais soldados, os franco-atiradores comprovaram possuir uma eficácia letal nos campos de batalha — e ainda mais significativa que sua capacidade de infligir baixas ao inimigo é o seu poder avassalador de devastar o moral dos exércitos inteiros, por mais profissionais e motivados que sejam. O nome "Jaba" provoca uma sensação de pânico e impotência no exército mais poderoso do mundo, e contra isso há pouca coisa que possam fazer. Mesmo a tecnologia mais moderna de detecção e rastreamento, usada em profusão pelas tropas de ocupação do Iraque, é incapaz de localizar e eliminar franco-atiradores — uma missão equivalente a encontrar uma agulha num palheiro, e que só uma categoria muito especial de soldado consegue desempenhar com êxito: outro franco-atirador. O desnorteado Alto Comando das tropas de ocupação tem enviado equipes de elite de franco-atiradores — e os franco-atiradores do exército e dos fuzileiros navais americanos têm a reputação de serem os melhores e mais bem treinados do mundo — para caçar Jaba e seus colegas, mas até agora o resultado tem sido apenas um: mais vitórias do mito iraquiano, entre elas uma espetacular: uma equipe de quatro franco-atiradores de alto nível dos EUA mortos de um em seguida ao outro em Ramadi – todos com tiros na cabeça.

Para caçar um franco-atirador, batalhões inteiros e as mais modernas aeronaves são inúteis — é preciso outro da mesma espécie. Os duelos de franco-atiradores são um jogo onde quem perde paga com a vida, e constituem o teste supremo de resistência física e mental — podem durar dias, semanas ou até meses, e o mais leve movimento irá denunciar a sua posição para o oponente — o que significa xeque-mate na realidade crua desses caçadores de troféus humanos.

São quatro os requisitos essenciais para se tornar um bom franco-atirador: paciência, sangue-frio, olhar aguçado e mãos firmes. Com essas características, uma pessoa comum pode começar a ser trabalhada através de um treinamento especializado para se tornar a mais eficiente e temível máquina de matar da guerra moderna. Um franco-atirador de elite é capaz de ficar horas imóvel, sem mexer um só músculo, sob sol ou chuva, comido por formigas e urinando nas próprias calças. É capaz de calcular rapidamente o efeito da velocidade e da direção do vento no projétil disparado, e conhecer sua arma tão intimamente a ponto de se tornar uma extensão de seu próprio braço.

Embora os franco-atiradores venham sendo empregados sistematicamente pelo menos desde a Primeira Guerra Mundial, só a partir da Guerra do Vietnã seu potencial destrutivo foi finalmente compreendido e sua posição de destaque foi consolidada nos melhores exércitos do mundo. Porém, foram as guerras de secessão na Iugoslávia que se tornaram um verdadeiro laboratório de ensaio para a teoria e prática da guerra com franco-atiradores. Durante o cerco de Sarajevo, a sua implacável eficácia, que não poupava militares, civis ou mesmo animais, foi celebrizada pelos jornais do mundo inteiro. E na guerra de guerrilhas, o franco-atirador derrubou vários mitos, a começar pela crença de que o único terreno adequado para sustentar uma campanha guerrilheira bem-sucedida é a selva, e que portanto no desértico Iraque a resistência seria inútil e suicida. Essa crença levou inclusive alguns estrategistas militares brasileiros a considerar a floresta amazônica como o cenário ideal para a resistência na hipótese de uma eventual invasão dos EUA, desprezando a luta nas cidades, que na visão equivocada desses estrategistas não apresentaria condições favoráveis a um combate de guerrilhas. Só que, como diria Garrincha, "falta combinar com os americanos antes".

A resistência iraquiana provou que é possível combater um inimigo muito mais poderoso mesmo nos desertos e nas cidades, através de franco-atiradores e de armadilhas com bombas detonadas por controle remoto nas estradas. São os "soldados-fantasmas" do clássico livro de John H. Poole, que, seja nas selvas, nos desertos ou nas cidades, fustigam incessantemente o inimigo evitando o confronto aberto e garantindo a invisibilidade ao se misturarem com a população local. O sucesso dos grupos rebeldes iraquianos só não é maior porque nenhum país estrangeiro teve ainda a coragem de apoiá-los ostensivamente com armas, dinheiro e equipamentos. Os vietcongues, por exemplo, estavam estreitamente ligados ao Vietnã do Norte e eram abastecidos por duas potências, China e União Soviética, além de contarem com o apoio ostensivo de todo o bloco comunista e apoio velado de muitos países não-alinhados. Já a resistência iraquiana só pode contar com o que sobrou do arsenal de Saddam Hussein e com armas contrabandeadas do exterior. Tendo sido capazes de abater dezenas de soldados inimigos com apenas um atirador, faz sentido deduzir que se pudessem dispor de tão somente algumas centenas de rifles Dragunov, já teriam posto as tropas de ocupação para correr.

De qualquer forma, os "soldados-fantasmas" levaram os EUA a um beco sem saída no Iraque, e provavelmente tornarão inviável uma nova aventura imperialista dos EUA. Na Venezuela, potencial futuro alvo de uma agressão estadunidense, o mais secreto programa militar do governo vem selecionando e treinando centenas de franco-atiradores, que em conjunto são capazes de dizimar qualquer exército inimigo que se atreva a ocupar Caracas. Na verdade, os franco-atiradores do Exército venezuelano já têm longa experiência: sua missão tem sido neutralizar os franco-atiradores a serviço da oposição venezuelana, que já no golpe de abril de 2002 foram utilizados para massacrar dezenas de manifestantes chavistas e opositores, a fim de que o governo fosse responsabilizado e o apoio a Chávez se enfraquecesse. Após o fracasso do golpe, os atiradores da oposição continuaram a ser utilizados em uma série de ataques a policiais e militares, além de tentativas de atentados contra o presidente Chávez, até serem derrotados e abatidos pelos egressos do programa de franco-atiradores do governo.

Não há ainda solução eficaz para neutralizar a investida dos soldados-fantasmas. A única estratégia utilizada até agora por Washington é o arrasamento completo das cidades e o massacre de sua população. Foi isso o que Bush procurou fazer em Faluja, porém a repetição de tal estratégia, evidentemente um crime contra a humanidade, levaria a uma condenação cada vez maior à guerra por parte da opinião pública, inclusive nos Estados Unidos.

O fato é que Bush dispõe de um reduzido leque de opções para enfrentar a cada vez mais numerosa e determinada resistência iraquiana. Um punhado de rebeldes, movidos pelo amor à pátria e pelo senso de justiça, e armados apenas com rifles Dragunov, bombas caseiras detonadas a distância e muita determinação, tem conseguido colocar em xeque o Exército mais poderoso de todos os tempos. Nunca a comparação com a história de Davi e Golias foi tão verdadeira.

(Coronel H é o nome fictício de um militar da reserva, colaborador do site do Círculo Bolivariano de São Paulo para assuntos militares)

Este artigo encontra-se no site do Círculo Bolivariano de São Paulo – http://www.unidadepopular.org.