Feira literária mobiliza argentinos

Por Ivana Jinkings (especial para Carta Maior)

A 32ª Feria Internacional del Libro de Buenos Aires funciona durante 3 semanas, de 18 de abril a 8 de maio. São 54 editoras participando do espa&ccedi

Arrogantes, fanfarrões e irresponsáveis são apenas alguns dos muitos qualificativos que costumam ser atribuídos aos argentinos. Verdade ou falácia, a imagem que fazem de si mesmos e sua propalada mania de grandeza já foi incorporada ao repertório local. Nem a situação dramática do país nos últimos anos abalou a auto-estima dos nossos vizinhos do rio da Prata, ou fez que perdessem a pose.

Os argentinos não têm mais o melhor jogador do mundo (perder o posto para o brasileiro Ronaldinho deve ser a parte mais dolorosa dessa história), também já não podem orgulhar-se de ter sua moeda equiparada ao dólar, e a economia – apesar da sensível recuperação pós-2001 e da negociação vitoriosa da dívida externa – continua a reproduzir o modelo neoliberal herdado dos governos anteriores (se bem que esteja melhor do que outro país latino-americano que conhecemos de perto…). Em compensação, ostentam agora o que talvez seja um recorde mundial: o de organizar a feira de livros de maior duração, a Feria Internacional del Libro de Buenos Aires, que funciona durante exatas 3 semanas, de 18 de abril a 8 de maio. No Brasil temos um parente próximo na grandiloqüência temporal (e – por que não lembrar? – naquela auto-imagem generosa também…), a feira de Porto Alegre, obra dos irmãos gaúchos d’além fronteira.

A 32ª edição da feira que promete “El libro del autor al lector” – neste ano o lema adotado é “Los libros hacen historia” – acontece no prédio de exposições La Rural, organizada pela Fundación El Libro. Esta, na melhor tradição argentina, congrega seis associações ligadas ao setor, como a Câmara do Livro, associações de escritores, de livrarias e de gráficos, entre outras. São 1.424 os expositores anunciados (contra 1.399 do ano passado), de 35 países diferentes, distribuídos nos 36 mil m² da feira.

Os estandes, mesmo os maiores, são sóbrios, nada que lembre os castelos de néon armados nas nossas bienais do livro pelas gigantes do mercado. Mas aqui, como no Brasil, o metro quadrado de exposição custa o mesmo preço para o multinacional grupo Planeta ou para a pequena Ediciones de la Flor. Com uma diferença a favor: há uma saudável proliferação de livrarias independentes na feira, como a Nuestra América, a Antígona e a Mascaró. Nelas, o tom dissonante dá-se pela presença expressiva de livros das pequenas casas editoriais, que não participam oficialmente pelos altos custos dos estandes. Títulos das minúsculas Herramienta ou Ediciones Luxemburg ganham espaço de exposição privilegiado pelas mãos desses livreiros, compensando em parte o avanço progressivo das megaeditoras.

Na Feira de Buenos Aires 'hay de todo un poco': além das “jornadas profissionais”, que acontecem nos três primeiros dias do evento, há encontros com autores famosos – Hanif Kureishi, Laura Esquivel, Arturo Pérez Reverte –, outros quase desconhecidos – mas boas promessas, como Gabriela Bejerman –, e ainda récitas, videoconferências, oficinas, espetáculos teatrais. O ingresso é barato (custa 4 pesos de segunda a quinta e 6 de sexta a domingo) e o acesso por metrô é muito fácil.

No espaço brasileiro, organizado pela Embaixada do Brasil em Buenos Aires, encontram-se obras de 54 editoras. Além dos títulos expostos, promove-se uma série de eventos, como mesas-redondas, leituras de poesia, apresentação de autores que estão sendo traduzidos na Argentina, como Milton Hatoum, e nomes da nova geração de poetas, como Joca Reiners Terron. Mas o grande destaque desta edição foi a participação de Ana Maria Machado, que visitou escolas onde se ensina português. Entre os editores, a presença mais constante e expressiva fica por conta dos convidados da Liga Brasileira de Editores (Libre), representada por Aluizio Leite Neto, da Boitempo; Cristina Warth, da Pallas; Camila Perlingeiro, da Pinakotheke; Marta Martins da Silva, da Cuca Fresca; e Gabor Aranyi, da Veredas.

Digna de nota a atuação da conselheira cultural da Embaixada do Brasil, Claudia Buzzi Freire, à frente do estande verde-e-amarelo. Claudia não apenas organizou o espaço, a seleção das editoras e dos títulos (levando em conta a diversidade e a qualidade das obras, preocupação infelizmente ainda rara no poder público), mas também é responsável direta por cada detalhe da programação, no geral, bastante sensível à difusão de nossa produção.

Uma troca de experiências das mais interessantes aconteceu entre editores da Libre e da associação Letras Argentinas (que reúne Paidós, Libros del Zorzal, Siglo XXI, Beatriz Viterbo, Interzona, Ediciones de la Flor, Adriana Hidalgo, Norma), que poderá ser o embrião de uma profícua cooperação entre editoras independentes dos dois países.

Buenos Aires é uma cidade cheia de livrarias e os argentinos sempre foram considerados, dentro da América Latina, leitores privilegiados. Relativizando mais essa crença, uma pesquisa feita pela revista 'Ñ', do jornal 'Clarín' (publicada neste sábado, 22), mostra que cerca de 30% dos argentinos não leu nenhum livro nos últimos seis meses, ainda que 40% garanta ter lido entre uma e três obras nesse período. Mesmo que nove entre cada dez pessoas afirmem possuir livros em casa, um número que se aproxima ao da metade da população não comprou sequer um volume nos últimos meses.

Se se discrimina por sexo e idade, a pesquisa da revista 'Ñ' revela que as mulheres são melhores leitoras do que os homens e que os menores de 24 anos e os maiores de 50 são os que se dedicam mais ao prazer do livro. A classe média baixa e os setores mais pobres são os que mais empurram para baixo os números e a queixa principal dos que não lêem é a falta de tempo (fator alegado antes mesmo que os altos preços de capa).

Jorge Luis Borges, Ernesto Sábato e Julio Cortázar encabeçam a lista dos autores argentinos preferidos pelos leitores. Até aqui, nenhuma novidade. Já entre os estrangeiros citados, escritores da estirpe de Gabriel García Márquez e Pablo Neruda – primeiro e segundo mencionados – co-habitam a preferência dos portenhos com o nosso Paulo Coelho… Mas, aos defensores da eficiente e globalizante “cultura de mercado”, não trago somente boas notícias. Dan Brown (de O código Da Vinci) teve de se contentar com um modesto 12º lugar no ranking dos mais lidos autores estrangeiros, bem atrás de nomes como Mario Benedetti, Edgar Allan Poe, Agatha Christie, Mario Vargas Llosa, Eduardo Galeano, Humberto Eco. Sinal de que nem tudo está perdido no país de Borges.

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O fim de semana esticado pelo feriado de 21 de abril fez que nossos compatriotas invadissem a outrora sucursal européia na América Latina, muito mais atraente agora que o peso deixou de valer 1 dólar. Uma rápida passada pela calle Florida e, por instantes, pode-se imaginar estar numa espécie de Oscar Freire paulistana, em que, no entanto, os passantes bem vestidos não se envergonham de pechinchar. O idioma oficial na rua mais famosa de Buenos Aires desde sexta-feira é o português. Ou melhor, aquela língua intermediária entre a nossa e a deles, o tão falado “portunhol”. Brasileiros esbaldam-se nas promoções de cashmere, bolsas, sapatos e casacos em couro, vinhos, alfajores. Parece que só mesmo à feira do livro a maior parte dos grupos de turistas se esqueceu de ir, ávida por fazer boas compras. Não sabem o que perderam. Nas ruas e avenidas do prédio da Rural, há excelentes ofertas em pesos. E, por aqui, ainda se fala o castelhano, com forte sotaque portenho.