Criminalização de movimentos sociais avança na mídia

Por Marco Aurélio Weissheimer (da Carta Maior)

Processo é mais agudo no Rio Grande do Sul e se intensificou após ação na Aracruz. A RBS lançou uma cruzada midiática, apresentando o

O processo de criminalização dos movimentos sociais é, a cada dia que passa, uma realidade concreta em boa parte da mídia brasileira. Há uma escalada de adjetivos e associações no ar, sendo a mais recente delas a tentativa de associar organizações como o MST e a Via Campesina a quadrilhas de foras-da-lei e, mesmo, ao terrorismo. A ação das mulheres da Via Campesina no horto da empresa Aracruz Celulose, no dia 8 de março, funcionou como uma espécie de senha para o lançamento de uma nova e pesada ofensiva nesta direção.

No dia do aniversário de Eldorado de Carajás, o Jornal Nacional, da Rede Globo, forneceu um exemplo paradigmático dessa ofensiva. Apresentado logo no primeiro bloco, o caso de Carajás rapidamente evoluiu para as ações do MST no dia, para o caso Aracruz e, depois, para o noticiário policial, encerrando com uma matéria sobre um atentado terrorista que ocorreu naquele dia. Esse fenômeno é mais claro ainda no RS, onde ocorreu a polêmica ação na Aracruz.

O Grupo RBS lançou uma verdadeira cruzada midiática, apresentando o MST e a Via Campesina como uma espécie de braço da Al Qaeda no campo brasileiro. Em sua edição desta terça (25), o jornal Zero Hora diz em sua manchete: “Promotores tentam rastrear dinheiro do Exterior para o MST”. “A quebra de sigilo objetiva investigar se há financiamento internacional irregular ou desvio de finalidade de verbas públicas”, acrescenta.

Na matéria interna, de duas páginas, o jornal cobra do governo gaúcho a promessa de cortar o repasse de verbas para a Via Campesina. “A decisão de romper todos os contratos do governo estadual com entidades ligadas à Via Campesina, como represália à destruição do laboratório da Aracruz Celulose, segue no terreno das promessas”, diz o texto assinado por Humberto Trezzi. “Após 45 dias da determinação do então governador em exercício Antonio Hohlfeldt de romper os contratos, o governo do Estado suprimiu apenas um convênio”, acrescenta.

Após afirmar que “os favelados são o novo rebanho” do MST, a matéria fala sobre a internacionalização do movimento, mencionando as suas relações com os zapatistas, Cuba e Venezuela. As bandeiras do MST, diz o texto “foram empunhadas no bunker do líder da Organização Para Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, quando ele estava cercado por militares israelenses. São hasteadas na Cuba comunista de Fidel Castro, onde o MST mantém 92 estudantes de Medicina. São louvadas diariamente na Escola de Formação Campesina Terra e Homens Livres, entidade criada pelo MST na Venezuela. Em sintonia, são vistas bandeiras cubanas e venezuelanas em invasões, como a da Fazenda Coqueiros, em Coqueiros do Sul”.

E conforme indica em sua manchete, o jornal aponta aquele que seria “o caminho das pedras” para estrangular os movimentos: estancar suas fontes de recursos, dentro e fora do Brasil.

Reação da Via Campesina –
A Via Campesina divulgou uma nota, no final da tarde desta terça, contestando as denúncias feitas pelo Ministério Público e denunciando o processo de criminalização. Repetindo o que o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, havia dito na segunda, a nota sustenta que as denúncias “visam responder à pressão dos meios de comunicação, patrocinados pela Aracruz, em especial o Grupo RBS”. A nota afirma:

“A denúncia apresentada pelo Ministério Público é baseada em suposições do promotor e não tem base jurídica. São denúncias infundadas que visam a responder à pressão dos meios de comunicação, patrocinados pela Aracruz, em especial o Grupo RBS, que têm agido sistematicamente de modo a criminalizar e a perseguir os movimentos sociais do Rio Grande do Sul. Em juízo, com tranqüilidade, a Via Campesina irá provar o descabimento das denúncias e espera que o Poder Judiciário se paute mais pelo interesse público do que pela pressão das grandes empresas e da grande imprensa”.

“A Via Campesina do Rio Grande do Sul reafirma sua disposição em lutar contra as monoculturas de eucalipto, da mesma forma que sempre lutou contra outras monoculturas predatórias ao meio-ambiente, à vida dos trabalhadores do campo e à saúde da população. Não somos contra a ciência, mas temos clareza que toda ciência tem por trás um projeto político. Por isso, somos contra os desertos verdes, as enormes plantações de eucalipto, acácia e pinus para celulose, que cobrem milhares de hectares no Brasil e na América Latina. Onde o deserto verde avança a biodiversidade é destruída, os solos deterioram, os rios secam, sem contar a enorme poluição gerada pelas fábricas de celulose que contaminam o ar, as águas e ameaçam a saúde humana. A ação das mulheres da Via Campesina, realizada no Dia Internacional da Mulher, será um marco para as futuras gerações na defesa da vida na Terra”.

“Esperamos que o Ministério Público do Rio Grande do Sul, assim como nos Estados de Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia, demonstrem a mesma agilidade em apurar os verdadeiros crimes cometidos pela empresa Aracruz, por agressão aos povos indígenas, quilombolas e camponeses, por desrespeito à legislação ambiental e pelos efeitos nocivos sobre a biodiversidade e os recursos hídricos das regiões onde se instala. Esta mesma empresa será julgada no Tribunal Internacional dos Povos às Transnacionais Européias e ao Sistema de Poder das Corporações na América Latina e Caribe, evento da sociedade civil que será realizado em Viena (Áustria), de 10 a 13 de maio. Lembramos que o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul acaba de pedir à Justiça que impeça o plantio de eucalipto no Parque Nacional da Lagoa do Peixe, por conta dos comprovados efeitos nocivos provocados por esta monocultura”.

Por fim, a nota divulga o manifesto em apoio às mulheres da Via Campesina que está circulando pelo mundo e recebendo diversas assinaturas de personalidades, intelectuais, artistas e representantes de movimentos sociais.

Mulheres acampadas contestam denúncias –
Uma comitiva de aproximadamente 100 trabalhadoras rurais sem terra, acampadas em Coqueiros do Sul (RS), esteve na Promotoria de Justiça de Carazinho, na manhã desta terça-feira, para exigir a apuração sobre as origens das denúncias de um ex-acampado veiculadas pela imprensa nas últimas semanas. As mulheres entregaram um abaixo-assinado repudiando as denúncias e pedindo providências da Justiça.

“São denúncias que atentam violentamente contra a nossa moral e a inocência de nossos filhos e filhas. Acreditamos que tenham sido arquitetadas por terceiros e que o ex-acampado esteja sendo manipulado, para que as faça a fim de desmoralizar a nós mulheres e à nossa causa”, afirmam as mulheres no documento entregue à Justiça. No dia 14 de abril, um ex-acampado, que, segundo o MST, havia sido expulso do acampamento por problemas de alcoolismo e de comportamento, fez denúncias contra os sem-terra acampados em Coqueiros do Sul.

Entre as denúncias, o ex-acampado disse que haveria consumo de drogas e presença de armas dentro do acampamento. Essas denúncias, protestaram as mulheres, foram amplamente divulgadas principalmente pelo grupo de comunicação RBS e reproduzidas nacionalmente pela Rede Globo, sem que fossem comprovadas. “De tanto ouvir a repetição destes fatos, mesmo sem nos conhecerem, as pessoas passam a acreditar que são verdadeiros”, disseram no documento encaminhado à Promotoria. Além disso, elas também entregaram uma denúncia de violação dos direitos humanos que teria sido cometida pela Brigada Militar na ação de desocupação da fazenda Guerra, no dia 11 de março.

Como prova material entregaram a cópia de uma filmagem feita por acampados, mostrando a queima de alimentos e a noite em que as famílias foram submetidas a intensos barulhos. Denúncia semelhante já foi protocolada na Promotoria de Justiça do Estado há mais de um mês pela Comissão Pastoral da Terra, mas ainda não teve resultado.