Mostra em SP revela o vigor das civilizações pré-colombianas

Pela primeira vez o público brasileiro aproxima-se de suas raízes pré-colombianas, na visão em mão dupla que a mostra oferece: coloca em perspectiva um continente onde floresceram os mais diversos povos e também aponta pa

Há registros de que floresceram há mais de cinco mil anos, na América Central, no Caribe e na América do Sul, uma gama de culturas altamente diversificadas e sofisticadas. Toda a região estava povoada – e, se hoje a maioria de nós lembra imediatamente de incas, maias e astecas, o fato é que numerosíssimos povos desenvolveram-se nesse período – entre eles os Chavin, Paracas, Nasca, Vicus, La Tolita, Tarasca, Huasteca, Diaguita, Mochica, Chimu, Zapoteca, Olmeca, Valdívia, Marajoara e Mapuche. Na grande maioria, civilizações de cosmovisões similares, que tiveram a natureza, o ritual e a organização social como tripé de suas vivências políticas e econômicas.

É o incrivelmente rico legado destes povos, pouco conhecido pelos brasileiros, que o público de São Paulo vai conhecer de perto, a partir do dia 16 de maio, quando o Centro Cultural Banco do Brasil inaugura a mostra “Por Ti América"; a exposição, que ocupará todo o prédio, apresenta cerca de 250 peças vindas de nove Museus e instituições de seis países da América – Brasil, Chile, Colômbia, Guatemala, México e Peru – e fecha uma trilogia que começou com “África”, em 2003, prosseguiu com “Antes” (sobre a Pré-História do Brasil) em 2004 e agora lança o olhar sobre a América antes da chegada de Colombo.

A mostra já recebeu mais de um milhão de visitantes desde que foi aberta em outubro no Rio de Janeiro, onde bateu todos os recordes de visitação, e em Brasília; fica em SP até 16 de julho.

União e diversidade –
Além de trazer aos olhos do público os objetos arqueológicos, “Por Ti América" quer levantar a discussão da própria idéia de união e pluralidade continental, a partir das descobertas da arqueologia. Também estarão na berlinda os tradicionais clichês: além de mostrar que os povos pré-colombianos eram muito mais numerosos e diversificados do que o senso comum imagina, toda a construção da mostra enfatizará a espetacular sofisticação intelectual expressa, por exemplo, no domínio da matemática e da astronomia, na tecnologia metalúrgica, nas técnicas de irrigação e manipulação genética da agricultura e na codificação da linguagem em formas de escrita não alfabéticas, usadas desde o segundo milênio A.C.

“Por Ti América” procura derrubar o isolamento da América Portuguesa que, desde os tempos do domínio colonial, permaneceu longe dos outros povos de língua espanhola”, resume o coordenador, Alex Chacon. A curadora da mostra, Marcia Arcuri, lembra que “o século XVI deixa de ter tanta importância na história da América em vista das evidências de ocupação que originaram, pelo menos, há mais de 18 mil anos”. E é apenas a partir do século XIX que a formação das nações trouxe à baila, com a formação sócio-política dos estados, o desenho que hoje vemos.

Conhecer as civilizações –
Ao contrário do que se pensa, as civilizações pré-colombianas não são ágrafas – a codificação e o registro estão presentes em formas diversas da escrita alfabética. Em muitos momentos da exposição serão mostradas essas codificações, Muitas peças trarão esses códigos, “em que desenhos que parecem ‘abstrações’, nós ou pintura corporal aparecem como ferramentas do registro e da linguagem codificada”, exemplifica Marcia Arcuri.

A exposição é, naturalmente, de base multidisciplinar. “História, arqueologia, matemática, astronomia, lingüística e sociologia são algumas das disciplinas dedicadas a buscar da montagem deste painel”.

A coordenação é de Alex Peirano Chacon (designer, que assinou, em 2004, a exposição sobre os índios Ticuna também no CCBB) e a curadoria, da arqueóloga da USP Marcia Arcuri. “É o primeiro passo em larga escala de uma instituição cultural brasileira no sentido de aproximar o público de suas raízes pré-colombianas”, aponta a curadora.

As quatro grandes regiões da américa –
Um corte em quatro grandes regiões foi o recurso da mostra para reunir sob cinco temas a imensa área de abrangência das populações pré-colombianas. Assim, cinco eixos temáticos abarcam comparativamente objetos e abordagens das regiões: Mesoamérica, Andes, Circuncaribe e as Terras Baixas da América do Sul — esta última abrange as regiões amazônicas brasileiras.

Os módulos temáticos e as quatro regiões são os dois eixos que se entrecruzam na montagem da exposição. Dentro de cada módulo estarão representados povos das quatro regiões. Os temas dialogam entre si em vários módulos, de várias maneiras (as dualidades complementares vida-morte, dia-noite, fogo-água, frio-quente, por exemplo, aparecem tanto na abordagem da religião quanto nas narrativas de criação ou nas práticas rituais). Serão mostradas técnicas similares, sistemas de codificações similares etc.

Antes de mergulhar nos módulos em si, que passam por mitos de criação, pelo desenvolvimento tecnológico e cultural, e falam da importância dos registros, o visitante percorre um espaço de introdução à arqueologia das Américas – cronologia, diversidade de assentamentos, ocupações realizadas de diversas maneiras, nas diferentes regiões culturais.

Coordenador de “Por Ti América", o designer Alex Peirano Chacon colheu, para ambientar a exposição, as impressões visuais mais delicadas e impactantes das culturas pré-colombianas, e projetou as salas para abrigar as peças sob vitrines emolduradas com os grafismos produzidos pelos vários povos. Muitas peças de altíssimo valor histórico contam o que foram estas culturas. “Mas transportar a vastidão e o impacto da arquitetura de alguns dos povos ou trazer de sítios arqueológicos pinturas murais e códices era impossível”, conta Alex. “Resolvemos em parte esta questão com o recurso das projeções”.

Alex Peirano também utiliza na forma de apresentação símbolos – “como o milho, que é um dos elementos que unificam as culturas pré-hispanicas, importantíssimo insumo alimentar que foi incrivelmente modificado pelos ameríndios até tomar o tamanho que hoje conhecemos. O cultivo possibilitou a formação de estoques de alimentos capazes de abastecer populações numerosas estruturadas em cidades e em decorrência, estratificações sociais”. No México, o ciclo da germinação do milho formata “o panteão das deidades”.