Política externa: fracasso ou sucesso?

Por Emir Sader*

A política externa brasileira é um fracasso ou um sucesso? Depende do ponto de vista de quem a analise. Para quem preferiria que o Brasil e a América Latina tivessem aderido à Alca, ela é um fracasso,

Esta política privilegiou as relações com os EUA e teria implementado a Alca a partir de janeiro de 2005, com todas as nefastas conseqüências de um acordo de livre comércio em que a presença da maior potência capitalista do mundo detêm 75% do PIB da região e significaria não a integração, mas a subordinação total das economias do continente à dos EUA.

Alca ou América do Sul

Para quem preferiria este caminho para o Brasil e a América Latina, a política externa brasileira é um fracasso, porque foi graças à firme defesa dos interesses do continente que a proposta da Alca feita pelos EUA não foi aprovada, enquanto seguiram adiante os projetos de integração regional, como o Mercosul, a Comunidade Sul-Americana de Nações e o gasoduto continental.

Enquanto isso, países que assinaram o Tratado de Livre Comércio com os EUA renunciam até mesmo ao direito elementar de legislar sobre meio ambiente, além de ficar completamente à mercê da competição devastadora das empresas estadunidenses. Seria um passo irreversível para a renúncia até a políticas monetárias próprias, facilitando a dolarização das economias do continente. Além de que fortaleceria ainda mais um mundo unipolar sob hegemonia imperial dos EUA, que militariza os conflitos e busca impor, de forma prepotente, sua "guerra infinita" ao resto do mundo. Tudo isso foi brecado, na América Latina, pela política externa brasileira, abrindo espaço para os processos de integração regional, que precisam ser estendidos e aprofundados.

Abertura indiscriminada ou G-20

Da mesma maneira, o surgimento do Grupo dos 20, na reunião da OMC em Cancún, resultado das mobilizações dos que lutamos por um outro mundo possível, desde Seattle, passando por todos os Fóruns Sociais Mundiais, e da ação de governos que lutam por políticas de defesa dos globalizados contra os globalizadores e teve na política externa brasileira seu principal ator governamental, significou o reaparecimento de uma articulação dos países do sul do mundo, que havia deixado de existir há praticamente duas décadas.

Para quem está a favor das políticas de livre comércio, levadas a cabo pela grandes potências mundiais, que controlam a OMC, responsáveis pelo aumento da concentração da riqueza, da desigualdade e da miséria no mundo, a política externa brasileira colecionou mais um fracasso. Deveria ter se somado à abertura indiscriminada de mercados para que importássemos ainda mais produtos das potências centrais do capitalismo, em detrimento dos produtos e serviços dos países da periferia.

Para os que acreditam que a reversão das relações de poder no mundo, que o combate à desigualdade e à miséria no mundo, que a construção de um mundo multipolar passam pela organização dos países do sul do mundo, foi um sucesso, que precisa ser fortalecido e aprofundado.

Estratégia sul-americana

Para quem preferiria que o Brasil fosse uma ponta de lança da política imperial estadunidense, apoiando o golpe militar contra Hugo Chávez na Venezuela, que atuasse de forma prepotente contra a legítima nacionalização do gás boliviano, que apoiasse a intervenção militar dos EUA na Colômbia, assim como suas agressões e ameaças a Cuba, à Venezuela e à Bolívia, a política externa brasileira é uma decepção e um fracasso. Para quem considera positivo o surgimento da Alba, da Comunidade Sul-Americana de Nações, do gasoduto continental, da Telesul, da Petrosul, da Petrocaribe, deve entender que o Brasil, participando diretamente ou não, é um elo essencial na criação e manutenção desses espaços de articulação autônoma em relação à hegemonia estadunidense, ao articular um amplo arco de alianças que vai da Bolívia, Venezuela, Cuba, até Uruguai e Argentina, passando pelo nosso país.

A continuidade e o aprofundamento dessa política é a variável determinante em um futuro de integração e soberania regional na América Latina. Sua substituição desejada pelos que acreditam que seja um fracasso representaria a conquista pelos EUA de um aliado regional, que lhes falta hoje – contam com Uribe, que é mais um problema que uma solução -, para buscar desarticular os projetos de integração regional, implantar a Alca, cercar e isolar a Bolívia, a Venezuela e Cuba, estender suas bases militares pela região e militarizar os conflitos. Para isso precisam afirmar que a política externa brasileira fracassou e tem que ser substituída.

Para quem está pelo Mercosul e pela Comunidade Sul-Americana de Nações em lugar da Alca, para quem quer negociações pacíficas e equilibradas dos conflitos em lugar de intervenções militares, para quem quer Parlamento do Mercosul e moeda única da região em lugar de Tratados de Livre Comércio, bases militares e dolarização, a política externa brasileira é um sucesso, que tem que ser consolidado e estendido.

* Professor de sociologia da USP e
da Uerj (Universidade do Estado do
 Rio de Janeiro), colunista da
Agência Carta Maior