Os impasses da Rodada de Doha

Eleições no Brasil e no México, além do fim do fast-track obtido pelo governo Bush, em 2007, dificultam acordo sobre a Rodada de Doha. Movimentos sociais e ONGs mobilizam-se contra destravamento das negociaç&otilde

Depois de mais uma semana de reuniões sobre a Rodada de Doha na sede da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, um tom resignado tomou conta dos discursos dos negociadores. O próprio diretor-geral da entidade, o francês Pascal Lamy, veio à imprensa dizer que a nova rodada de acordos multilateriais, iniciada em 2001 com o objetivo de liberalizar o comércio dos setores agrícola, industrial e de serviços, chegou a "uma fase política muito delicada".

Uma questão-chave que pressiona os prazos, segundo Lamy, é que em julho de 2007 expira o Trade Promotion Authority (TAP), mais conhecido como fast- track, e que concede uma autorização ao presidente dos Estados Unidos para que ele aprove acordos comerciais sem passar pelo Congresso. Ou seja, se as negociações não avançarem até o final de 2006, “o mundo não mudará de rumo repentimente” – disse o diretor-geral, referindo-se a que, no caso de um fracasso nos acordos, as regras multilaterais de comércio serão as mesmas de 1994, quando se inicou a Rodada do Uruguai.

Outro obstáculo a ser enfrentado pela OMC, conforme se escuta dos corredores da entidade, são as eleições brasileiras e mexicanas. A avaliação é que tanto o governo de Lula quanto o de Vicente Fox tenderão a evitar decisões polêmicas às vésperas do pleito – em outubro no Brasil e em dezembro no México. Nesse caso, vale lembrar que a Rodada de Doha é rechaçada por diversos movimentos sociais e ONGs, que avaliam que os acordos, se saírem, serão amplamente desfavoráveis para os países pobres e para a maioria das nações em desenvolvimento.

Mas a possibilidade de que anos de negociações terminem em nada pode ajudar. Nesse tipo de negociação internacional, as partes tendem a segurar suas cartas até o último lance. E é possível que algo de novo chegue à mesa. Durante encontre de representantes do Mercosul com os da União Européia, em Viena, na semana passada, o comissário europeu para o Comércio, Peter Mandelson, sinalizou seu bloco aceitaria um aumento do corte médio nas tarifas para 47%, dependendo das concessões que obtivesse em serviços e bens industriais. A atual proposta é de 39%.

Apesar de manter o otimismo e de dizer que acredita em um acordo em breve, o ministro brasileiro Celso Amorim (Relações Exteriores) insistiu que não abre mão da proposta do G20, o grupo de países liderados por Brasil, Índia e Argentina, de que a redução seja de 54%. Diante das dificuldades que enfrenta para fechar o acordo, um embaixador europeu na OMC comentou com jornalistas que os países da América Latina erram ao focarem seus pleitos na agricultura e correm o risco de perderem mais espaço para a China no comércio global. “A China já possui 400 milhões de consumidores de produtos industrializados, o que é praticamente a população da América Latina”, disse ele, para quem a nova rodada de liberalização deve derrubar os preços de produtos e serviços, diante da maior concorrência.

Além de pressões desse tipo, delegações como a do Brasil e de outras nações em desenvolvimento já sentem o peso das ameaças. No último dia 16, o senador estadunidense Charles Grassley, do Partido Republicano, declarou que pode requerer a remoção de Brasil e Índia do grupo de países que conta com benefícios alfandegários ao exportar para os EUA, conforme um sistema de preferências chamado de GSP. O senador, que preside a Comissão de Finanças do Senado, disse que esses dois países precisam ser “mais responsáveis” nas negociações da OMC.

Diante do aumento das pressões, movimentos sociais e ONGs que monitoram a OMC também se mobilizam. No início da semana, ativistas de vários países se reuniram em Genebra para estabelecer uma estratégia de lutas nos próximos meses. Segundo Gilmar Pastorio, coordenador nacional de política agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), a base do movimento está mobilizada contra um acordo comercial que beneficiaria somente as transnacionais. São essas empresas que concentram as exportações de bens agrícolas, afirma ele, que ficarão com quaisquer ganhos obtidos com a redução das tarifas alfandegárias.

Para Iara Pietricowsky, da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip), os movimentos sociais devem ampliar as pressões sobre os governos nacionais, que são, ao final das contas, aqueles que firmarão os acordos. “Nenhum acordo é melhor do que um acordo ruim”, aponta. Para Iara, o governo brasileiro, apesar das contradições que possui, abriu espaços de diálogos com os movimentos, o que pode permitir mudanças de rumos.

Isso seria importante, de acordo com Alexandra Strickner, do Instituto de Política Agrícola e Comercial (IATP, sigla em inglês), porque o Brasil, ao lado de EUA e UE, são os três principais atores responsáveis pelo sucesso ou não das negociações. Apesar de ser crítica do G20 por considerá-lo um instrumento que não defende a totalidade dos interesses dos países pobres e em desenvolvimento, Alexandra vê pontos positivos. “Não podemos cair na fantasia de que podemos tomar de repente um rumo alternativo, mas ao menos o G20 conseguiu mudar a dinâmica das negociações”, apontou.