Uma cisão no comunismo iraquiano

O iraquiano Abu Salam, que veio a Brasília falar da resistência contra os ocupantes, viajou como porta-voz do Partido Comunista do Iraque-Comando Central, que atua clandestinamente no Iraque. Ele falou ao Vermelho sobre as origens e

O Partido Comunista do Iraque foi fundado em 1921, ainda sob a ocupação colonial britânica. Salam recorda que o partido teve momentos de notável protagonismo na sua trajetória, em especial na Revolução de 1958, que pôs fim à corrompida monarquia do rei Faruk. A Revolução proclamou a República, nacionalizou o petróleo e criou uma moeda nacional no lugar da libra esterlina. Durante meses, depos da Revolução, o povo e os comunistas estiveram no controle de regiões inteiras do país.
O “Outro Lado” se posiciona
O partido, porém, dividiu-se. Corria a década de 1960, uma época em que o movimento comunista mundial viveu o impacto da guinada à direita de Nikita Kruchev, o conflito sino-soviético e uma forte turbulência. No mundo árabe, somava-se a isto a derrota fulminante derrota para Israel na Guerra de 1967, que os vencedores batizaram, com menosprezo, “Guerra dos Seis Dias”. No Iraque, chegava ao poder o Baath [o partido de Saddam Houssein], propondo a aproximação com o bloco soviético.
“Uma parte do Partido Comunista ficou com o governo do Baath enquanto nós éramos contra, combatíamos o governo. O governo do Baath até assassinou alguns companheiros”, informa Salam. A organização se cindiu. A maioria da direção seguiu a linha pró-Baath, enquanto os seus contestadores passaram a ser chamados “o Outro Lado”, e conquistaram posições no movimento estudantil e sindical. O PCI-Comando Central estruturou-se em 1968.
Sucedeu-se um período de perseguição. Muitos comunistas do PCI-CC foram forçados ao exílio, na Síria, no Irã, no Leste Europeu, ou se refugiaram nas montanhas habitadas pelos curdos, no norte do Iraque.
Enquanto o PCI-CC vivia estas dificuldades, o PCI oficial passava a viver também as suas. “Após um certo tempo, o governo [do Baath], depois de usar o partido para obter acordos com a União Soviética, etcetera, jogou-o fora”, relata Salam.
Elogio da ocupação americana
Mudaram então as posições. O PC oficial passou ao anti-baathismo extremo. A tal ponto que, em nome da derrubada de Saddam Houssein, justificou e apoiou a intervenção militar americana de 2002. No dia 9 de abril de 2002, quando Bagdá sucumbiu aos mísseis, bombardeiros e tanques dos ocupantes, Mousa proclamou que aquele dia “completava a obra do 14 de Julho de 1958”. Em seguida, Mousa participou do primeiro governo porovisório diretamente instalado pelos ocupantes. Nas eleições organizadas pelos americanos em janeiro passado, os candidatos dessa sigla se apresentaram na coalizão do partido de Ahmed Chalabi, principal aliado dos EUA no momento da ocupação.
Outra foi a escolha do PCI-Comando Central. “Nós chamamos o povo a dizer não às forças estrangeiras”, resume Salam. “Não temos objeção a ninguém que se oponha à ocupação. Hoje, não há nada mais importante para o nosso país e o nosso povo”, afirma Abu Salam.
O lugar dos comunistas na resistência
Nos primeiros meses após a ocupação, criou-se durante seis a oito meses uma situação que Salam descreve como “terra de ninguém”. O PCI-Comando Central chegou a ter um jornal circulando livremente. Depois, sobretudo em seguida à Batalha de Faluja (2003), a ditadura dos ocupantes recrudesceu.
Mas ao mesmo tempo, organizou-se a resistência, que não cessou por um só dia. Formou-se a Frente Árabe Iraquiana, que, conforme Salam, reúne “islâmicos, nacionalistas e esquerdas”. Entre estas, está o PCI-CC, e está também o PC- Kader, havendo segundo Salam uma estreita relação entre estas duas formações comunistas.
A mesma coalizão compreende ainda a Frente Patriótica, de Jabar al Kuwasi. E também uma parte do Baath (o partido de Saddam Houssein), entre outras organizações e grupos militares, de diferentes origens e dimensões, unidas pelo desejo comum de dexpulsar o invasor.
De Brasília,
Bernardo Joffily

Para mais opiniões de Abu Salam, veja "Um comunista iraquiano em Brasília: 'Resistir é o nosso dever'" (http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=2730).