Vijay Prashad: O triunfo dos comunistas na Índia

Os resultados estão aí, semanas após a votação e dias de expectativa. Os comunistas triunfaram em dois dos principais municípios de esquerda. Em Bengala Ocidental (população de 80 milhões), que a Frente de Esquerd

Em Kerala (população de 31 milhões), a Frente de Esquerda Democrática ganhou dois terços dos assentos (o CPIM prevaleceu em 61 das 98 cadeiras asseguradas pela aliança). A Frente Democrática Unida teve de contentar-se com 42 assentos. Em Tamil Nadu, a esquerda apoiada pela Aliança Democrática Progressista voltou ao poder e, pela primeira vez, os comunistas ganharam assentos no estado nordestino de Assam.

O CPIM percorreu um longo caminho. O movimento comunista indiano emergiu em 1920 como uma ala da luta indiana pela libertação contra o domínio britânico e na luta internacional para criar uma revolução proletária contra o capitalismo. Homens e mulheres corajosos lançaram-se na construção de uma organização que trabalhou ao lado e no interior de sindicatos, lutas de massa e de vários esforços por reformas sociais. O seu pequeno número não os desencorajou, porque eram dotados pela crença de que a sua ideologia havia agarrado a dinâmica da história, e portanto que a sua vitória era inevitável. Para nós, na era da reação, é fácil montar uma crítica teórica da sua fé na teleologia (a marcha da história em direção a um fim conhecido), mas o que realmente não apreciamos é como esta idéia (de que a Revolução tem de triunfar) lhes deu a energia necessária para avançar com o que constituía uma tarefa árdua e perigosa.

Em 1929 o Domínio Britânico (British Raj) prendeu trinta e um dos principais líderes comunistas e sindicais, e processou-os na cidade indiana de Meerut. Estes prisioneiros, o núcleo do Partido Comunista, permaneceram na prisão até 1933. Isolados e ameaçados com a prisão perpétua, estes prisioneiros no entanto mantiveram suas esperanças intactas. Sabendo muito bem que a esperança não é por si mesma uma estratégia, redigiram uma declaração geral sobre o estatuto da política indiana. "A revolução", escreveram das suas celas de prisão, "deve ser popular". Não valeria a pena substituir "uma classe exploradora por outra". Comparados com a burguesia imperial, os industriais indianos eram fracos, de modo que eles se aliaram ao movimento indiano pela liberdade. Quando a força das massas os ameaçassem, argumentaram os prisioneiros de Meerut, eles pegariam em armas pela contra-revolução. Ao invés de simplesmente colocar os ombros da classe operária no carro da revolução burguesa, os prisioneiros argumentaram por um movimento de massa rumo à revolução popular. Ness ínterim, os comunistas "devem alcançar alguma forma de governo democrático popular e a abertura para o povo de possibilidades imediatas de avanço em assuntos que o afetam, no saneamento, saúde, habitação, educação e avanço social e cultural em geral".

Desde a década de 1920, o movimento comunista indiano cresceu, contraiu-se, cresceu outra vez, descartou-se das direções de Moscou, e incubou quadros e lideranças marxistas ferozmente independentes. Em 1957, o Partido Comunista sob a liderança do incomparável E.M.S. Namboodripad ganhou as eleições no estado de Kerala; dois anos depois o [partido do] Congresso, de Nehru, utilizou todos os meios necessários para expelí-los dos seus gabinetes. Em 1967, os comunistas retornaram ao governo do estado.

Uma luta de linhas dentro do movimento comunista desde a década de 1940 em frente dividiu aqueles que acreditavam que o [partido do] Congresso podia ser um aliado na revolução indiana (a linha de Moscou) e aqueles que acreditavam que no partido Congresso, sendo próximo à burguesia indiana, não se podia confiar. Estes últimos tornaram-se o CPIM numa grande divisão em 1964 (os dois partidos agora trabalham estreitamente juntos, sendo o CPIM o partido maior). Entre 1918 e 1922, o movimento comunista mundial havia articulado os três caminhos principais rumo à revolução:

(1) Edward Bernstein advogava a transferência gradual de poder executivo do estado, retendo ao mesmo tempo as principais instituições da democracia parlamentar;

(2) Karl Kautsky apelava à manutenção das instituições parlamentares burguesas, juntamente com a criação de mais foruns populares para a participação das massas;

(3) Lenin apelava à destruição da forma parlamentar, e a criação de uma estrutura de democracia proletária do tipo soviético. Os sovietes tiveram apenas uma breve entrada na história russa. Eles emergiram na Revolução de 1905, tal como a Comunca veio da energia virtuosa da luta da classe operária em 1871 em França.
O partido leninista tinha de preparar o terreno, à espera do momento do levantamento; então, escrevia Lenin em 1917, o Partido deve tratar a insurreição como arte. A pressão espontânea dos de baixo com um Partido preparado ao lado, argumentou Lenin, moldaria a forma organizacional da democracia proletária. Num debate sobre o eurocomunistmo em 1978, Perry Anderson observou que apesar de a extrema esquerda fazer uma crítica muito forte aos dois primeiros caminhos, ela "fez relativamente pouco trabalho para desenvolver e proporcionar qualquer forma contemporânea para a terceira opção. O resultado é que um grande ponto de interrogação permanece em suspenso sobre a terceira alternativa, a qual é a da tradição clássica do socialismo revolucionário".

No seu primeiro congresso, em 1964, o CPIM destacou que o regime do [partido do] Congresso nunca permitiria que a esquerda chegasse ao poder através "só de métodos parlamentares. Portanto, o caminho que nos conduzirá à liberdade e à paz, à terra e ao pão, tem de ser procurado em outro lado". Alguns ativistas do CPIM entraram na luta armada em 1967, e tornaram-se maoístas (chamados naxalitas, muitos deles retornaram à luz brilhante da legalidade durante as últimas duas décadas). A maior parte, entretanto, trabalhou por vitórias eleitorais e a construção de outras instituições políticas não eleitorais. A luta eleitoral não podia ser evitada por um certo número de razões, argumentou o CPIM: "Além de permitir a solução de número limitado de problemas locais, sua existência e funcionamento trará maior moral às massas democráticas por toda a parte e assim fortalecerá o movimento democrático. Elas tornam-se uma arma nas mãos das massas na luta contra as políticas anti-povo do governo central. Ao mesmo tempo, intensificará mais uma vez a luta entre as forças do progresso e da reação dentro do próprio partido governante".

Fora da arena eleitoral, o CPIM construiu suas organizações aliadas (sindicatos, organizações estudantis, organizações de mulheres, organizações de alfabetização e assim por diante) e trabalhou pela intensificação de instituições paralelas para socializar a democracia: o panchayat [1] (auto governo local). A constituição indiana determina a democracia direta através dos panchayats como um resquício da herança de Gandhi no movimento de libertação. Nenhum outro partido encarou o sistema do panchayat seriamente. Para a esquerda, em Bengala e Kerala, o sistema panchayat foi o seu instrumento para a criação do poder dual. Em 1978, novamente no poder em Bengala, o CPIM publicou um panfleto sobre os panchayats que apresentava a sua lógica: "Só quando o povo da aldeia tornar-se politicamente consciente ele será capaz de desempenhar as importantes funções a serem transferidas para os panchayats. Na democracia parlamentar burguesa, o homem comum não tem papel político depois de lançar o seu voto nas eleições. Estamos determinados a dar-lhe um papel contínuo no desenvolvimento rural. Quando o aldeão comum houver percebido este papel, ele será capaz de adquirir auto-confiança e tomar iniciativas coletivas para mudar a vida dos pobres e da classe média rural. Se mesmo com o limitado poder à nossa disposição podemos alcançar certas coisas nas aldeias, deveríamos ser capazes de conseguir um despertar das massas entre o povo rural. A consciência coletiva e o pensamento reacendará o chama da vida dos aldeões pobres". A estratégia rural do CPIM incluía uma reforma agrária maciça e um esquema dos direitos dos arrendatários. Isto é muitas vezes discutido, mas não é dada a devida atenção ao papel dos "panchayats vermelhos" no desenvolvimento de novas alternativas para o proletariado rural assim como para os camponeses médios.

Desde 1977 até o mês passado, o CPIM tem vencido na Bengala rural com vitórias eleitorais esmagadoras. Um repórter que viajou pela Bengala rural no mês passado descobriu que mesmo quando os pequenos agricultores e arrendatários sem terra tinham muitas queixas (sobre estradas más, eletrificação deficiente, cuidados de saúde medíocres) eles votariam pela esquerda. Hidai Sheikh, um agricultor de cinquenta anos, disse que "o CPIM é a única alternativa viável que temo. Apesar de tudo, em tempos de necessidade, eles estão sempre aqui junto de nós". Na aldeia Fakirpara, de Murshidabad, Gulehara Begum e sua nora disseram: "O CPIM é como nosso parente". O repórter Suhrid Sankar Chattopadhyay, escrevendo no Frontline de Chennai, concluiu que o CPIM "conseguiu integrar-se completamente à vida do povo rural".

Todas as vezes que a esquerda venceu em Bengala, a burguesia queixou-se de corrupção eleitoral. Desta vez a Comissão Eleitoral executou uma campanha draconiana nas eleições. Enviou pessoal paramilitar de fora do estado e mobilizou observadores em cada cabine de votação. Apesar destas medidas, a esquerda venceu facilmente. Mesmo o vociferante jornal anti-esquerda Telegraph, de Calcutá, teve de admitir em 12 de maio que "a Frente de Esquerda, uma combinação de um certo número de partidos, tem permanecido coesa durante cerca de trinta anos, e executou uma notável transformação do cenário rural através de reformas da terra e ativação do sistema panchayat dos três níveis". Embora a presença paramilitar não fosse propícia à votação, o eleitorado veio em massa (81,6% desta vez, quando fora 75% em 2001). E eles votaram no vermelho. Como admitiu o Telegraph, o povo "votou com os seus pés contra as insinuações [de fraude na votação] sugeridas pela comissão [eleitoral].

O resultados de Kerala mostram que a posição de princípio do CPIM contra a guerra americana sobre o terror e suas tentativas de isolar o Irã assim como a batalha contra o fundamentalismo hindu têve resultados. O distrito Malappuram foi outrora o lar inexpugnável da Liga Muçulmana (um parceiro de coligação do partido do Congresso). P. K. Kunhalikkutyy, da Liga, tentou mobilizar o voto muçulmano sob a bandeira verde, argumentando que os marxistas agora pensam "que podem tomar pessoas dentre nós e destruir nossa unidade". A esquerda ganhou cinco das doze cadeiras na fortaleza da Liga, um sinal seguro do que agora é vista como uma defensora firme de valores seculares e anti-imperialistas.

O comunistas proporcionam apoio parlamentar ao Partido do Congresso, que dirige o atual governo na Índia. Mas a esquerda recusou juntar-se ao governo na pasta do tesouro, porque isto significaria amarrar-se a si própria nas políticas neoliberais do atual Partido do Congresso. Se ela não apoiasse o governo com base num Programa Mínimo Comum, o Partido do Congresso cairia e a direita intransigente, os fundamentalistas, poderiam chegar ao poder. Os comunistas, portanto, desempenham um papel central ao dar ao Partido do Congresso os números para governar, e são sua principal oposição dentro e fora do parlamento. Esta estratégia lançou a extrema-direita na confusão, pois sua incapacidade para articular uma postura antagônica conduziu-a a lutas intestinas crônicas. As vitórias em Bengala e em Kerala fortaleceram os comunistas em Nova Delhi. Isto foi um grande ganho nestas eleições.

A declaração do próprio CPIM após a eleição foi responsável: Os novos governos dos estados "têm a grande responsabilidade de transpor seus manifestos e compromissos para a prática". Há reformas sociais a serem efetudas, e há algumas cautelosas tentativas de atrair investimento para Bengala e Kerala (esta última questão é um assunto particularmente espinhoso, mas, como escreveu Michel Kalecki há alguns anos, "A tragédia dos investimentos é que eles são necessários". Será preciso mais espaço, e um outro artigo, para explicar a estratégia industrial da esquerda indiana).

O caminho indiano para a revolução é árduo. Exige, no curto prazo, o fortalecimento das organizações do poder dual, as panchayats, e a tradução do grande movimento de massas por todo o país em poder político efetivo. A esquerda tem de romper para fora das áreas em que é forte, para o resto da Índia. No meio da vitória recente, estes são seus grandes desafios.

[1] Conselho de aldeia, http://en.wikipedia.org/wiki/Panchayat

Vijay Prashad leciona no Trinity College, Hartford, CT. Seu último livro é Keeping Up with the Dow Joneses: Debt, Prison, Workfare (Boston: South End Press). Seu ensaio Capitalism's Warehouses, foi publicado no livro Dime's Worth of Difference, da CounterPunch. Seu artigo mais recente é uma revisão do livro de Kathy Kelly publicada no número de Dezembro da Monthly Review.

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/prashad05132006.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/.