Fausto Nilo: “Eu brinquei com a indústria da música”

O arquiteto, poeta e letrista cearense Fausto Nilo diz como funciona seu processo criativo para compor, revela que "brincou" com a indústria da música e fala sobre a cidade de Fortaleza.

Muito além de um arquiteto, Fausto Nilo é um artista. Um artista não só da música e da poesia, mas também da própria arquitetura. Um arquiteto que constrói canções ou o letrista que transforma concreto em poesia. A vida dedicada a duas profissões não o deixa decidir qual a preferência. "Não sou um dublê e não faço uma ou outra por hobby", esclarece. Mas apesar disso, prefere não receber a alcunha de intelectual. "Nunca me dediquei somente a estudar, minha vida sempre teve muitas outras coisas interessantes; a boemia e a conversa com os amigos, por exemplo".

O FAZER LETRAS
Muitas vezes demora mais de um ano para terminar a letra de uma música porque não consigo achar a frase ideal. Outras vezes, a música fica pronta em poucas horas. E acho engraçado que em outras oportunidades, escuto uma música minha no rádio e me pergunto o motivo de ter usado determinada frase. 90% do que escrevi, fiz sobre uma melodia. Vou cantando aquele som, fazendo com que ele tenha palavras, uso a escrita só para não perder a palavra. Às vezes eu acho a primeira frase de uma canção, às vezes a última.

INDÚSTRIA DA MÚSICA
Eu brinquei com a indústria da música. Eu fiz letras para grandes guitarristas do país e sempre misturei referências brasileiras, coisas que pareciam descontroladas, mas que tinham sentido. Músicas como Zanzibar e Elefante foram marcos de um trabalho experimental, do uso do imaginário surreal e consegui provar que o povo brasileiro tinha sensibilidade pelo sucesso das músicas. Eu realmente brinquei com a indústria da música e é a primeira vez que falo isso publicamente.

O PESSOAL DO CEARÁ
Fagner, Ednardo, Belchior e Amelinha, nacionalmente, são muito importantes para a música, mas para o Ceará a importância é enorme. Eles deixaram carreiras universitárias para lutar pela música e conseguiram com muita luta. Antigamente, para entrar no meio musical, as coisas eram mais convencionais e uma novidade era difícil de ser aceita. Mas eles tiveram sucesso e cantaram os compositores cearenses. Aproveito para deixar claro que não gosto desse nome Pessoal do Ceará, que foi dado em São Paulo como questão de marketing. A conotação do nome é de exclusão e acho que esse título prejudicou mais do que ajudou. Nunca houve um manifesto e o trabalho era do Brasil.

O FIM DAS PEQUENAS COMUNIDADES
Cresci na minha casa aberta à rua. As cidades tinham um tamanho medido pela capacidade da nossa caminhada, assim, eram pequenas. Isso dava sentido e fazia valer a vida compartilhada, com interação entre as pessoas. E duas criações acabaram por destruir as comunidades: a indústria, que trouxe movimento grande e distante e claro, os meios de transportes motorizados. O que eu vivi na minha infância no interior não existe mais.

ARQUITETO E LETRISTA
É um privilégio muito grande vencer nessas duas profissões. Existe um certo preconceito com pessoas que têm duas atividades. É comum tratar uma delas como diversão, mas para mim, isso não funciona. Eu me dedico com muita paixão aos dois trabalhos e por isso trabalho até 13 horas por dia, incluindo sábado e domingo. Ainda bem que não gosto de praia e adoro trabalhar.

SAÍDA DA TERRA
Depois que me formei, na primeira turma de arquitetura da Universidade Federal do Ceará fui para Brasília ser professor por 3 anos. Tive um período em São Paulo trabalhando no metrô como arquiteto e morei no Rio de Janeiro por 15 anos e depois voltei. Vivi no Rio os melhores anos da minha vida. Ganhei muito dinheiro, vivia num limbo.

FORTALEZA
O centro urbano de Fortaleza está destruído. É uma das cidades do Brasil que menos cuidou de seu patrimônio. É muito complicado educar a população para que preserve. É um problema sério de Fortaleza. Deixam de aproveitar os principais recursos como ordenadores do crescimento para o nosso desfrute, a orla, os rios Maranguapinho e o Cocó. Se a elite compreendesse que não é bom colocar os pobres tão longes e ver que a cidade podia desenvolver-se com um projeto urbanístico com uma dispersão urbana, ou seja, você cresce espalhando, e deixando vazios, que são locais de proteção ambiental, de impossibilidade de construção. Não vejo isso acontecer nem vejo nenhum acontecimento que advogue isso.

DRAGÃO DO MAR
Nosso projeto, como previa o concurso, visou colocar o prédio em convívio com a vizinhança. Mas é evidente que um prédio apenas não têm poder para revitalizar um local todo. Mas o Dragão ajudou a não derrubar vários sobrados que ali estão. A questão é complexa e quero aproveitar para deixar claro: não houve destruição de nenhum prédio histórico para a construção do Dragão do Mar.

Fonte: jornal O POVO