Mantega versus Meirelles: quem vencerá essa queda de braços?

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que a política econômica do governo Lula, se reeleito, permanecerá com os mesmos “fundamentos”, mas a tônica pode mudar. São palavras que desafiam o mantra liberal.

Por Osvaldo Bertolino

Mantega argumentou que os “fundamentos” da economia usados nesta administração revelaram-se eficientes para conduzir o Brasil para um novo ciclo de desenvolvimento, mas adiantou que o tom dessa política pode mudar. "É claro que você vai mudar a tônica, a ênfase. A ênfase será o crescimento econômico. No primeiro mandato, era o equilíbrio fiscal, o monetário e o combate à inflação", disse. Mantega reafirmou o controle da inflação e garantiu que não há necessidade "de se descabelar" para contê-la. "É só manter. A situação também está numa condição satisfatória", disse.

O ministro afirmou que uma das principais metas num próximo governo é elevar o nível de investimento no setor público para viabilizar um crescimento maior da economia. As palavras de Mantega podem ser interpretadas como uma mudança de rumo em relçaõa à “ortodoxia” que prevaleceu durante o reinado do ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci. No Banco Central (BC), Mantega não conseguiu realizar mudanças significativas e o presidente da instituição, Henrique Meirelles, tem emitido sinais de que não conconcorda com o ministro.

 

Mantra liberal

Há uma indisfarçável pressão dos operadores do mercado financeira para que as posições conservadoras de Meirelles prevaleçam neste debate. Quando foi escolhido para suceder Palocci, Mantega foi visto como um ministro-tampão pelos especuladores, que não simpatizam com sua postura de não se dedicar integralmente aos interesses dos beneficiários do mercado financeiro. Meirelles tem sido astuto em suas movimentações. Quem acompanha o dia-a-dia do BC já identificou os primeiros movimentos do presidente da instituição para levantar um muro que mantenha intactas as atuais diretrizes conservadoras.

Nas últimas duas semanas, Meirelles adotou um discurso enfático de defesa da tão bombardeada política monetária. Em depoimentos na Câmara dos Deputados e no Senado, e na cerimônia de posse de Paulo Vieira da Cunha como diretor de Assuntos Internacionais do BC, ele repetiu, como um mantra, os "ganhos" que ele atribui à atual política econômica: desemprego em queda, aumento da renda dos trabalhadores, consumo maior das famílias, investimentos produtivos em alta, balança comercial recorde, inflação convergindo para as metas e crescimento com redução das desigualdades sociais.

Irmãos siameses

Coincidência ou não, o tom adotado por Meirelles em defesa das “conquistas da estabilidade” — outro dogma dos conservadores — engrossou depois que o presidente do Partoido dos Trabalhadores (PT), Ricardo Berzoini, apresentou uma prévia do que defenderá o partido como plano econômico em um segundo mandato de Lula. Apoiado por Marco Aurélio Garcia, encarregado de preparar o programa de governo do presidente-candidato, Berzoini deixou claro que, se depender do PT, o projeto que prevê a independência do BC será enterrado de vez.

Ao alardear de forma tão enfática os “ganhos” da atual política econômica, Meirelles está demarcando seu território e sinalizando que sua permanência em um possível segundo governo Lula está condicionada à continuidade do que está aí. O presidente do BC aceitaria, inclusive, a permanência de Mantega como ministro, desde, é claro, que também se mantenha o desenho atual de funções: o BC cuidando da política monetária, e a Fazenda, da política fiscal. A proximidade entre o BC e a Fazenda durante a gestão de Palocci — as duas instituições eram como irmãos siameses — foi extraordinária.

Movimentos sociais

Esse liberalismo duro que norteou a condução macroeconômica do país será sem dúvida o grande calcanhar-de-aquiles do próximo governo se Lula for reeleito. Basicamente, as intenções liberalizantes dos conservadores que remanescerem no governo serão pressionadas por dois flancos. De um lado, uma minoria liberal que aplaude o continuísmo irá cobrar de Brasília mais velocidade na tramitação das "reformas" — como as mudanças na legislação trabalhista e sindical, e a autonomia do BC. Até uma próxima “reforma” da Previdência será cobrada como prioridade. De outro lado, os movimentos sociais possivelmente estarão mais ativos para tentar impedir a poda de direitos e conquistas sociais.

Em síntese: após as eleições deste ano, possivelmente o Brasil mergulhará num embate que colocará em questão a política que prioriza o "ajuste" macroeconômico e posterga as ações sociais. No centro da polêmica estará o papel do Estado. O governo tem, evidentemente, agido para dar outro sentido ao Estado nacional. Só que esse movimento é tímido. Acanhado a ponto de não estar claro se Lula tem de fato um projeto nacional para o país. Ninguém sabe dizer se a lógica de um projeto mudancista está de fato instalada no coração e na alma da chapa encabeçada por Lula. Daí a importância de uma ativa participação dos movimentos sociais na campanha.